Além de enfrentar um problema de produtividade como resultado da baixa eficácia da utilização do capital, Cristina Casalinho destaca os desafios que as empresas enfrentam no plano da sustentabilidade.
Os números da economia no primeiro trimestre mostraram uma economia pujante. Com uma taxa de crescimento homóloga de 2,5% nos primeiros três meses, Portugal destacou-se entre as economias da Zona Euro mais dinâmicas neste arranque de ano. Contudo, os números não permitem esconder o problema de baixo índice de utilização de capital que, de uma forma geral, persiste na economia nacional há largos anos. “Por cada unidade de PIB que produzimos, utiliza-se menos capital do que outros países, o que revela problemas de produtividade”, revela Cristina Casalinho nesta entrevista ao ECO.
No entanto, a diretora-executiva de Sustentabilidade do BPI, que regressou ao banco depois de quase oito anos na liderança do IGCP, sublinha que “até na indústria exportadora a intensidade capitalista aumentou.”
Nesta segunda parte da entrevista (pode ler a primeira parte aqui), a economista destaca algumas das lacunas com que as empresas se deparam atualmente no campo da sustentabilidade. Entre os mais evidentes, Cristina Casalinho sublinha a necessidade de serem criados standards e métricas comuns a todos os setores em redor dos critérios da sustentabilidade, para que as empresas possam concorrer em pé de igualdade no mercado — algo que não ocorre atualmente.
A economia nacional registou um crescimento homólogo de 2,5% no primeiro trimestre, que colocou Portugal entre os países da Zona Euro mais fortes. Também recentemente, o Banco de Portugal reviu em alta as previsões para o PIB, apontando agora para um crescimento de 2,7%. Estamos numa situação mais forte do que antes da pandemia?
Sim, por vários níveis. Há pelo menos um indicador que as pessoas tendem a negligenciar que tem a ver com o endividamento externo. Se todas as crises que Portugal enfrentou e que envolveram a assistência externa decorreram de problemas de pagamentos, hoje o saldo externo do país está mais ou menos equilibrado. E mesmo em situações como foi a pandemia, em que houve um forte abrandamento das receitas do turismo, não houve uma degradação tão grave quanto a dos seus pares.
Mas isso deve-se somente ao turismo ou é algo mais estrutural?
É uma realidade que não existia praticamente desde a década de 1960 e hoje já temos praticamente uma década de saldo externo em torno do zero sustentadamente. Não é só porque as receitas de turismo aconteceram. Já tínhamos começado a verificar esta realidade antes do turismo ter tido a explosão que se tem verificado praticamente a partir de 2017.
Já havia uma alteração estrutural anterior, até se calhar antes da troika, antes da crise de 2013. Há um reequilíbrio positivo a nível da dependência externa, que é muito saudável e que Portugal não tinha desde a Democracia ou mesmo antes disso. E hoje, quando olhamos para a nossa indústria exportadora, verificamos que é significativamente diferente do que era há uns anos. Mesmo nos setores mais tradicionais, a exportação é muito diferente, tanto ao nível dos mercados para onde exporta como também pelos produtos que exporta e do valor acrescentado que incorpora.
Apesar dessa dinâmica das exportações, o país continua a mostrar-se deficitário em capital.
Portugal continua a ter um problema de baixo índice de utilização de capital: por cada unidade de PIB que produzimos, utiliza-se menos capital do que outros países, o que revela problemas de produtividade. Apesar de tudo, mesmo na indústria exportadora, a intensidade capitalista aumentou. O setor agrícola é disso exemplo. Se antes a nossa economia era basicamente movida pela procura interna, atualmente, os setores mais interessantes ou aqueles que são mais estimulantes são aqueles mais expostos ao comércio internacional.
No contexto empresarial, cada vez mais a sustentabilidade e tudo o que rodeia os critérios ESG ganha relevância. Como avalia o processo de investimento e de impacto da sustentabilidade ambiental na economia nacional?
Se olharmos para a nossa composição energética não nos comportamos mal. E se olharmos para as fontes primárias da produção até nos comportamos bastante bem. Nas renováveis, por exemplo, temos um sistema de barragens muito antigo, do tempo do Estado Novo, que já foi uma tentativa de reduzir a dependência de combustíveis fósseis. Para Portugal nada disto é propriamente novo. Fomos até pioneiros nas renováveis e, às vezes, não valorizamos isso.
Com o tema da sustentabilidade a estar cada vez mais na ordem do dia, assiste-se também a vários episódios de greenwashing. Está a tomar-se a devida atenção a este tema?
O risco do greenwashing existe. Certamente que haverá casos em que as pessoas ponderaram os ganhos e as perdas que incorrem ao tomarem essas práticas. Mas, geralmente, é sobretudo uma falta de conhecimento ou falta de standards. É também falta de uma cultura comum. Por exemplo, quando olhamos para o principal modelo que a Comissão Europeia publicou em matéria de classificação de financiamento sustentável, que é a taxonomia europeia, que dos seis objetivos apenas dois foram mapeados, verificamos que a maioria dos critérios são intensivos em termos de critérios e são critérios basicamente científicos.
Precisamos de saber o que as empresas fazem em matéria de sustentabilidade e muitas vezes isso não é facilmente identificável.
Mas é uma questão de falta de objetividade em termos de metas e até de critérios ou é algo mais?
Não é uma questão de ser difícil objetivar as coisas. É simplesmente por ser algo novo. Por exemplo, temas como “pegada de carbono”, “emissões de carbono”, não há um critério absolutamente homogéneo para os calcular. Apesar de termos muitos indicadores, não há um standard para os vários setores económicos. E, por isso, ainda há uma capacidade de discricionariedade, apesar de haver boas práticas e instituições internacionais que têm feito um ótimo trabalho na criação de ferramentas capazes de criar estes standards para as várias indústrias, para que a comparabilidade seja possível.
Acredita que na maioria das situações de greenwashing não há dolo?
Acho que não. E digo isso porque o custo reputacional que essa situação acarreta é de tal forma grande que, no final do dia, os potenciais ganhos financeiros que possam retirar não compensam o risco.
Há por isso necessidade de reforçar os créditos de regulamentação?
O que é necessário é criar um standard e métricas para todos concorrerem da mesma forma. Não é fácil, mas é mais transparente. Precisamos de saber o que as empresas fazem em matéria de sustentabilidade e muitas vezes isso não é facilmente identificável. E não é por má vontade. É apenas por ser novo, por ser uma experiência inédita.
Há uns anos vivia-se uma espécie de bolha verde que, inclusive, permitiu que uma metalúrgica nacional fosse para a bolsa sendo vendida como uma empresa verde. Hoje, não falta quem fale de sustentabilidade e dos critérios ESG. Corremos o risco de ter uma situação como aquela que vivenciámos em 2006 e 2007 com as energias verdes?
Não. E isso não deverá acontecer por três aspetos: os reguladores são muito mais escrutinadores; os investidores também são muito mais ativos e a própria opinião pública tem muito mais impacto e muito mais pressão, também como resultado dos novos canais [redes sociais], que se revelam mais eficazes na transmissão da opinião de cada um.
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“Portugal continua a ter um problema de baixo índice de utilização de capital”
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