De 2015 a 2020, Santa Casa passa de lucros a prejuízos

Governo pediu para auditar a internacionalização da Santa Casa e mandou reavaliar as contas referentes a 2021 e 2022, ainda por aprovar Mas, afinal, o que aconteceu às contas da Santa Casa?

O Governo mandou auditar e reavaliar as contas e negócios da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), referentes aos últimos dois anos. Mas, afinal, como chegou a empresa a 2021? Nos últimos seis anos, cujos relatórios são conhecidos, a empresa passou de lucros a prejuízos superiores a 52 milhões de euros, e a Covid não explica tudo.

Com um orçamento anual superior a 200 milhões de euros, a Santa Casa beneficia de várias fontes de financiamento, nomeadamente das receitas proveniente dos jogos sociais, dos rendimentos provenientes do património imobiliário, bem como de doações. De acordo com o último relatório de Gestão e Contas aprovado, e referente a 2020, a SCML contava com mais de seis mil funcionários, dos quais 348 eram dirigentes. Se a comparação for feita com os quatro anos anteriores a diferença é significativa: em 2016 tinha menos de cinco mil funcionários, dos quais 290 eram dirigentes.

Certo é que o primeiro ano de pandemia coincidiu com o ano de “viragem” da Santa Casa, que passou de lucros a fortes prejuízos. Em 2020, a SCML apresentou prejuízos de 52,8 milhões de euros, valor que contrasta com os lucros de 37,5 milhões de euros no ano anterior. E se é verdade que em 2020 as receitas de jogo foram inferiores ao orçamentado por causa da pandemia, a própria gestão da Santa Casa, liderada então por Edmundo Martinho, já admitia uma degradação das contas, e o resultado líquido marginalmente positivo.

No que concerne à despesa corrente, atingiu os 256 milhões de euros em 2020, isto é, um aumento de quase 30% face aos 198 milhões de euros registados em 2015. Através da análise ao relatório de Gestão e Contas, é possível ainda constatar que esta rubrica tem aumentado consecutivamente nos últimos seis anos, mas o maior salto foi mesmo entre 2019 e 2020: mais 15,7 milhões de euros, mesmo tendo em conta uma travagem da despesa face ao orçamentado para esse ano.

Já no que toca às receitas correntes, a evolução é mais desigual. No entanto, perante a análise aos últimos seis anos, é possível constatar que foi entre 2019 e 2020 que se deu o maior “rombo” nesta rubrica: se em 2019, a Santa Casa teve receitas de 268,4 milhões de euros, no ano seguinte estas encolheram para 218,6 milhões de euros, isto é, menos 49,8 milhões (cerca de 18,6%).

No relatório, a SCML justifica a quebra das receitas de 2020 “sobretudo pelo decréscimo em 45,6 milhões de euros da distribuição de resultados dos Jogos Sociais“. Ainda assim, segundo a empresa, esta ainda continua a ser “a principal rubrica da receita corrente”, tendo atingido os 180, 5 milhões de euros em 2020, isto é, 82,6% do total da receita corrente.

Do impacto da Covid à internacionalização dos jogos

O primeiro ano de pandemia foi, assim, o ano de “todos os males” para a Santa Casa, que, à semelhança de todas as empresas, teve que enfrentar o impacto da pandemia, mas também outros fatores. O ex-provedor da Santa Casa da Misericórdia justificou os resultados de 2020 com a “perda importante de receitas e aumento significativo dos gastos“, referindo estes reforçaram a “necessidade, já anteriormente identificada, de encontrar formas alternativas de financiamento, reduzindo a dependência dos resultados obtidos com a exploração dos Jogos Sociais do Estado”. O relatório aponta ainda o aumento da “despesa relacionada com o combate à pandemia” nomeadamente “a aquisição de EPI’s (equipamento de proteção individual)”.

De notar, que foi aliás, em 2020, que foi aprovada a proposta de Estatutos da Santa Casa Global, criada para gerir as lotarias e jogos de apostas no mercado externo e que está neste momento a ser alvo de uma auditoria externa. Na altura, foi atribuído um capital social de cerca de cinco milhões à sociedade detida a 100% pela SCML. Mas, de acordo com o Público, o investimento no projeto de internacionalização dos jogos da Santa Casa, nomeadamente em África e na América do Sul, ascendia a 20 milhões, não tendo, pelo menos até maio de 2022, gerado receitas.

Foi também no final do primeiro ano de pandemia, que a SCML adquiriu uma participação de 55% na sociedade que gere o Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa, o que pesou também nas contas, segundo a Sábado. A SCML queria tornar-se acionista único do hospital agora liderado pelo ex-ministro da Saúde Adalberto Campos Fernandes e estava inclusivamente acordado, numa segunda fase, adquirir os restantes 45% do capital social à Parpública, mas o negócio não chegou a avançar.

O Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social confirmou na segunda-feira que pediu uma auditoria externa à Santa Casa Global, tendo em vista avaliar suspeitas de ilegalidades e eventuais negócios ruinosos durante o mandato do ex-provedor Edmundo Martinho. Além disso, foi também pedida uma reavaliação dos Relatórios de Gestão e Contas da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) relativos aos anos de 2021 e 2022, cujas contas ainda não foram homologadas.

A notícia foi inicialmente avançada antigo presidente do PSD e comentador político Luís Marques Mendes, no seu espaço de comentário habitual na SIC, que adiantou que a auditoria, pedida a 12 de junho, vai ser realizada pela BDO. Em causa estão os problemas relativos à sustentabilidade financeira da Santa Casa e a internacionalização do jogo. Uma fonte do Governo afirma ao ECO que o resultado da auditoria vai determinar se o dossiê será enviado para o Ministério Público.

Em abril, Ana Mendes Godinho tinha explicado, no Parlamento, que estava em curso “uma avaliação profunda a todas as rubricas” das contas da SCML e justificou a decisão de não homologação com a “grande variação que houve, seja na despesa seja na receita, que implicou uma avaliação e uma análise profunda das contas, até para garantir o futuro […] e garantir a sua sustentabilidade”. Não obstante, na altura, a ministra assegurou que em 2022 a SCML teve resultado líquido positivo.

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