Os produtos financeiros verdes têm proliferado e apresentam-se como uma ferramenta importante na transição climática. Conheça algumas das últimas tendências, as implicações e perspetivas.
As alterações climáticas vieram criar grandes disrupções, também no mundo financeiro. O investimento em produtos financeiros verdes tem crescido exponencialmente, embora não exista “qualquer evidência científica de que os fundos ESG tenham melhor desempenho”, assinala Nuno Fernandes, professor Catedrático na IESE Business School e presidente do conselho de Auditoria do Banco de Portugal, em entrevista ao ECO/Capital Verde, a propósito do lançamento recente do livro Climate Finance.
Mas não é por não terem necessariamente melhor desempenho que o investimento em fundos ESG — aqueles se regem por critérios de sustentabilidade (ambientais, sociais e de governança) — deixa de fazer sentido. Não é suposto estes terem melhor desempenho, defende o especialista. “Porque, no fundo, estamos a falar de menor risco, logo é normal que tenham uma rentabilidade igual ou até ligeiramente inferior a outros”, justifica.
Falando de alguns produtos financeiros verdes, Nuno Fernandes assinala que Portugal destoa, uma vez que, “é um dos poucos [países] que ainda não fez emissões de greenbonds”, no universo dos países da OCDE. E assinala que “há uma grande oportunidade para as instituições financeiras”, nomeadamente no mercado das sustainability-linked bonds.
Em paralelo, Nuno Fernandes avisa que tomar decisões de investimento com base nos ratings de sustentabilidade sem os conhecer mais a fundo pode resultar em “erros graves”, já que existe uma grande diversidade de critérios e do peso atribuído a cada um. Espera que, num horizonte de cinco anos, existam normas internacionais robustas que permitam uma maior harmonização no que diz respeito aos indicadores ESG e respetivo reporte.
Qual o papel dos vários tipos de investidores na transição climática?
O papel dos investidores é gerirem dinheiro pensando na rentabilidade e no risco. Os investidores chegaram à conclusão que existe uma alteração grande neste binómio. Começaram a perceber que há riscos, quer de curto prazo, quer de longo prazo, associados às alterações climáticas, e que têm de começar a incorporar nas suas análises, porque senão vão estar expostos a um grande problema mais tarde. Os investidores neste momento são muito exigentes com as empresas onde investem quanto a estes temas. Não porque estejam apenas a pensar no bem da humanidade. Estão a pensar no bem deles próprios e dos seus próprios investimentos, que podem estar em risco caso as empresas onde investem não tomem determinadas medidas.
Os índices e os ativos ESG, no geral, têm um crescimento bastante acentuado hoje em dia. O crescimento a que se assiste é um crescimento natural ou considera que este entusiasmo pode ser pouco fundamentado?
Há de facto um grande crescimento em índices relacionados com o ESG e o clima. Temos cerca de pelo menos 40% do capital a nível mundial a ser investido com algum tipo de critério de sustentabilidade por detrás. Mas há alguma publicidade enganosa neste aspeto. Muitas vezes são vendidos como a rentabilidade sendo mais alta e, para além disso, que se está a ter um papel de impacto no mundo, o que não é necessariamente verdade. O binómio risco/rentabilidade é muito claro: coisas com maior risco têm maior rentabilidade no longo prazo. E não há qualquer evidência científica que os fundos ESG tenham melhor desempenho. E não devem ter melhor desempenho. Porque, no fundo, estamos a falar de menor risco, logo é normal que tenham uma rentabilidade igual ou até ligeiramente inferior a outros, porque expõem os seus investidores a menor risco. A principal consideração para a maior parte dos investidores vai continuar a ser o risco e rentabilidade dos seus investimentos, mas há alterações substanciais no mundo e no mercado que fazem com que os investimentos com considerações de sustentabilidade façam sentido.
Mas considera que estes investimentos verdes estão a remunerar excessivamente para aquilo que é o risco que apresentam?
Não, não estão a remunerar excessivamente. As obrigações verdes emitidas por empresas neste momento são emitidas a um custo do capital mais baixo. Os investidores aceitam receber menos rentabilidade de uma empresa que emite obrigações verdes. Porque é que aceitam receber menos rentabilidade? Porque também percebem que vão ter menor risco caso a empresa implemente determinados processos e objetivos.
As obrigações verdes são um dos produtos mais sonantes. Está devidamente acautelado o risco de greenwashing nestas nestas emissões?
Estas ferramentas como as greenbonds [obrigações verdes] obrigam basicamente a uma série de processos que permitem certificar que a obrigação é, de facto, verde. No início houve alguns abusos, de facto. Hoje em dia já é bastante menor o problema. A certificação e o número de “checks and balances” por que uma empresa tem de passar por emitir um greenbond já é bastante substancial. No entanto, ainda há bastantes dúvidas muitas vezes quanto à terminologia. Aqui, alguma nova regulação, nomeadamente a regulação europeia relativamente às finanças sustentáveis e mercados de capitais, vai “separar o trigo do joio”, e trazer um bocadinho de transparência.
Portugal está claramente atrás dos outros países a nível internacional. A nível de países da OCDE Portugal é um dos poucos que ainda não fez emissões de greenbonds.
E os Estados, deveriam estar a fomentar mais este mercado através da realização de emissões soberanas verdes? Pensa que estão a ser pouco ambiciosos?
Há muitos Estados que já emitiram obrigações verdes. E acho que sim, que é importante que os próprios Estados, nos seus gastos, comecem a incorporar critérios de sustentabilidade e de ambiente. E que tenham os processos por detrás que lhes permitem fazer uma obrigação verde. É preciso criar processos para garantir que os fundos daquela obrigação vão ser aplicados em projetos verdes. E isto é o que trava muitos dos Estados e muitos dos governos, que não conseguem fazer uma associação clara onde é que gastam dinheiro. Por outro lado, acho que o principal papel dos Estados aqui tem mais a ver com regulação a nível global, que está a avançar. A União Europeia tem feito o seu papel, mas também os Estados nacionais têm de fazer o seu papel.
E acredita que podia ser uma opção interessante para Portugal, a emissão de greenbonds soberanas?
Claramente poderia ser importante para Portugal. Portugal está claramente atrás dos outros países a nível internacional. A nível de países da OCDE Portugal é um dos poucos que ainda não fez emissões de greenbonds.
Mas há aqui algum entrave em particular para Portugal? Vê alguma razão para a emissão de greenbonds não estar a acontecer, para já?
Não tenho essa resposta. Só posso dizer que de facto é um dos outliers [que estão fora da tendência] de forma significativa a nível internacional.
E como é que estão a atuar os reguladores nos casos de greenwashing? Considera que estão a ser severos o suficiente ou precisam de ser mais rígidos?
Quer reguladores a nível europeu, quer a nível americano, têm atuado quer em empresas, quer em instituições financeiras quando se deteta um caso de greenwashing, com penalizações e com impacto bastante sério nas próprias instituições.
Afastando um pouco das greenbonds, que têm sido aqui o foco. Temos muitas outras opções de produtos financeiros verdes. Há algum instrumento financeiro em que veja um especial potencial para impulsionar esta transição?
Existem as sustainability-linked bonds, que é outro tipo de obrigações. Em termos gerais, produtos financeiros que alinhem os interesses da empresa, dos investidores, e também a redução da pegada de carbono, são o que devemos trabalhar. A maior parte das empresas, nomeadamente a nível nacional, não emitem obrigações. Portanto, temos de ver onde é que as empresas se financiam. Grande parte das empresas financia-se via crédito bancário. As instituições financeiras têm um papel também bastante importante aqui, ao desenvolverem produtos que levem em consideração as alterações climáticas. Há uma grande oportunidade para as instituições financeiras, de áreas de negócio novas, de produtos de dívida que sejam úteis para a maior parte das empresas.
E os bancos estão a fazer bem esse papel?
Os bancos estão a avançar bastante neste papel. Temos bancos a fazerem emissões muito significativas em nome dos seus clientes e a darem créditos com este alinhamento. Por exemplo, o mercado das sustainability-linked bonds, é um mercado que está em franco crescimento e me parece bastante importante. É um mercado em que a taxa de juro do empréstimo é contingente. Se a empresa tomar determinadas decisões e conseguir reduzir nomeadamente a sua pegada de carbono, mas também há outros indicadores ambientais, a taxa de juro que é cobrada pelo empréstimo diminui. Há bancos que já perceberam que isto pode ser uma oportunidade de negócio importante e estão a atuar nesta área.
Se o investidor apenas quer olhar para os ratings e tomar uma decisão rápida, sem perceber o que é que está por trás, pode cair em erros graves.
Mudando um pouco o tópico. Já é sabido que as agências de rating têm avaliações muito mais díspares no que toca à sustentabilidade do que, por exemplo, quanto à qualidade da dívida. Neste sentido, é cedo para os investidores confiarem nos ratings de sustentabilidade?
Não, não é cedo. É preciso os investidores estarem claros com o que são os rankings e os ratings de sustentabilidade. Aquilo a que estamos habituados nos últimos 50 anos quando se fala de ratings são os ratings de dívida, são ratings da qualidade de crédito. A qualidade de crédito é uma coisa muito, muito clara e muito bem definida. É basicamente se a empresa tem dinheiro ou não para pagar a sua dívida. Como resultado, as várias agências de rating, quando olham para uma mesma empresa, têm as mesmas conclusões. Quando vamos para os ratings de sustentabilidade, é muito importante que os investidores e que os utilizadores destes ratings percebam que cada um avalia determinadas coisas. Eles usam diferentes métricas e dão pesos diferentes, porque têm objetivos diferentes, e nem todos os investidores têm os mesmos objetivos. Quem é o utilizador tem que perceber quais são os ratings de sustentabilidade que são mais relevantes para a sua tomada de decisão. O facto de serem diferentes traz mais ferramentas de apoio à decisão dos investidores que as souberem usar condignamente. Agora, se o investidor apenas quer olhar para os ratings e tomar uma decisão rápida, sem perceber o que é que está por trás, pode cair em erros graves.
E quando prevê que possamos atingir uma harmonização e rigor nos indicadores ESG equivalente ao que temos nos indicadores financeiros?
Acho que nos próximos cinco anos vamos ter muita standardização em termos de reporte financeiro, e em termos de alguns indicadores relevantes. O reporte de demonstração de resultados e balanço está muito standardizado, há muitos anos que há formatos standard, que há normas internacionais. Aqui ainda não existe uma norma, mas nos próximos cinco anos, lá está, estamos a caminhar para ter normas internacionais robustas dentro das várias geografias e também dentro da União Europeia.
Vê algum ponto de viragem em particular? Por exemplo, as linhas de guia do IFRS podem ser um ponto de viragem nesta harmonização?
Sem dúvida, que a IFRS Foundation é muito importante nesta harmonização. Mas há outras entidades que são muito importantes, nomeadamente todas as entidades que supervisionam o setor financeiro, como a EBA [Autoridade Bancária Europeia], a nível europeu. Isto porque a banca vai passar isso para os seus clientes e vai exigir que as empresas que financia tenham um determinado tipo de reporte.
É muito importante perceber o que é a materialidade de diferentes iniciativas. E o reporte ser feito nas coisas que são mais materiais. E o que é mais material para cada negócio é diferente. Esta standardização do reporte também tem que ser assimétrica entre setores.
Ainda assim, considera que falta regulação em matéria de ESG? Quais são os principais focos que deveriam ser rapidamente impostos nesta matéria para permitir uma comparação mais justa entre as empresas?
É muito importante perceber a materialidade de diferentes iniciativas, e o reporte ser feito naquilo que é mais material. E o que é mais material para cada negócio é diferente. Esta standardização do reporte também tem que ser assimétrica entre setores. É importante que haja avanços na definição do que é que são os critérios mais materiais para cada indústria, e que esses sejam seguidos não só na área financeira, mas também na área não financeira.
Considera que em Portugal estamos a prevenir razoavelmente os riscos climáticos?
Em algumas áreas estamos claramente à frente, como por exemplo, já temos uma grande percentagem da nossa energia já vem de fontes renováveis. Existem também vários casos muito positivos de empresas, quer do lado financeiro quer no lado empresarial. Mas continua a existir um fosso muito grande — no resto do mundo, mas em Portugal também — no financiamento que precisamos de ter para a infraestrutura, para as cadeias de valor, para as fontes energéticas e para as estruturas corporativas.
Tem alguma sugestão de como poderíamos promover a diminuição desse fosso?
Aqui acho que o papel dos bancos é muito importante. A economia nacional é uma economia muito financiada por crédito bancário e não tanto por mercado de capitais. Claro que há um papel importante no mercado de capitais, mas acho que os bancos podem ser um agente catalisador desta mudança.
Outro ponto que toca é o papel dos conselhos de administração, que estão a transformar-se em função das exigências ESG. Quais os temas a que vão ter de estar mais atentos para serem bem sucedidos na transição?
Número um, garantir que a equipa executiva da empresa integra os riscos climáticos e as oportunidades com base na materialidade dos mesmos, de uma forma regular. Não é um tópico para deixar para uma reunião anual. Tem que ser no dia-a-dia. Depois, garantir que todos os reportes financeiros ou de risco incorporam riscos climáticos nas análises. E que a gestão tem os incentivos alinhados com os interesses de longo prazo da empresa.
Então, para finalizar: o que considera chave para que esta transição climática não acabe por ser mais lenta, ou menos bem-sucedida, por o financiamento não ter ajudado tanto quanto possível?
O desafio que temos das alterações climáticas é muito grande e não se pode esperar que sejam os governos a resolver o problema, porque é grande demais para os governos resolverem. Portanto, obviamente que vai ser preciso um grande investimento privado. Os investidores têm que ser conscientes de que faz parte das suas obrigações fiduciárias levarem em consideração alterações de risco de rentabilidade e as empresas têm que ver isto como uma oportunidade e não apenas como um problema. As empresas podem olhar e devem olhar para as finanças sustentáveis como uma fonte de distinção competitiva, como uma forma de criarem mais distinção e mais competitividade no mercado.
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