Caso BES/GES. Juiz de instrução volta a ignorar doença de Alzheimer de Salgado
O advogado insistiu na realização de uma perícia médica independente, que espera que venha a acontecer no julgamento, acrescentando que Salgado “não tem capacidade para compreender e se defender".
O juiz de instrução do caso BES – que decidiu pela ida de Salgado a julgamento por 65 crimes – voltou a ignorou o principal trunfo da defesa do ex-banqueiro: a doença de Alzheimer. No despacho de pronúncia, conhecido na segunda-feira, o magistrado Pedro Correia não dedicou nem uma linha, nas 220 páginas que escreveu sobre este assunto.
A defesa do banqueiro – liderada por Francisco Proença de Carvalho – insistiu ao longo dos vários processos que envolvem o seu cliente – BES/GES, Marquês e caso EDP – que os vários tribunais pedissem uma perícia médica independente ao INML, de forma a que se confirmasse a doença que foi diagnosticada pelo neurologista do ex-banqueiro. Esse relatório médico, assinado por Joaquim Ferreira, foi apresentado nos vários autos pelos advogados.
À saída da sessão, e depois de ouvir a decisão, no Campus de Justiça, a defesa de Ricardo Salgado insistiu na realização dessa mesma perícia médica independente, que espera que venha a acontecer no decurso do julgamento, acrescentando que Ricardo Salgado “não tem capacidade para compreender esta decisão e se defender dela”, disse Francisco Proença de Carvalho, claramente revoltado com a decisão.
Em março, o juiz de instrução do processo BES/GES já tinha recusado o pedido de realização de uma perícia médica neurológica ao ex-banqueiro Ricardo Salgado, para comprovar o diagnóstico de doença de Alzheimer que lhe foi feito. O magistrado Pedro Correia considerou que a fase de instrução não é a fase indicada para o fazer, mas sim a de julgamento. Esta já tinha sido a quinta recusa da Justiça portuguesa, no que toca a pedidos de perícia médica independente, realizada por médicos independentes, do INML.
De acordo com o despacho de março, o juiz Pedro Correia rejeitou o pedido da defesa do antigo presidente do Grupo Espírito Santo (GES), ao considerar que “não se vê como o resultado de perícia realizada nos termos requeridos poderia ser essencial à decisão a proferir nesta fase processual”.
Para o magistrado do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) – que substitui Ivo Rosa na fase de instrução do processo, os argumentos de Francisco Proença de Carvalho e Adriano Squillace, quanto a um consequente arquivamento do processo no que diz respeito ao antigo banqueiro – na sequência de uma perícia médica independente que confirmasse o diagnóstico clínico da doença de Alzheimer — não têm também fundamento legal.
Dois meses, depois, mais duas recusas se juntaram ao rol. A apreciação desse pedido foi igualmente negado, pelo mesmo magistrado de instrução do GES. “Indefere-se a realização da perícia médica. Entende-se que inexiste qualquer inconstitucionalidade na decisão”, disse o juiz Pedro Santos Correia, na sequência de uma interrupção da sessão do debate instrutório do processo BES/GES, lembrando que a questão do diagnóstico de Doença de Alzheimer “foi já apreciada nos autos”.
Uma semana antes desta decisão, também a juíza de instrução do processo EDP –– cujos principais arguidos são Manuel Pinho e Ricardo Salgado – recusou a realização dessa perícia, pedida pela defesa do ex-banqueiro.
A juíza considerou que essa perícia seria “manifestamente contrária aos fins da instrução” e que isso não iria interferir com uma eventual pronúncia do arguido para julgamento, segundo pode ler-se no despacho da juíza do Tribunal Central de Instrução Criminal, a que o ECO teve acesso, mas avançado em primeira mão pelo Observador. A juíza de instrução Gabriela Assunção marcou o debate instrutório para 28 de março.
“Tal situação clínica do arguido, a relevar, deverá ser ponderada em eventual fase de julgamento que venha a ocorrer, pois que a mesma terá (ou não) relevo quanto a eventual cumprimento de pena ou da adequação de imposição de uma pena ou uma medida de segurança”, referiu o juiz do Caso BES, acrescentando que a condição clínica invocada pelo arguido não foi levantada como eventual causa de anomalia psíquica à data dos factos do processo. O juiz Pedro Correia acabou também por dispensar Ricardo Salgado da audiência agendada para esta terça-feira, que visava o seu interrogatório.
No requerimento apresentado pela defesa do ex-banqueiro, os advogados Francisco Proença de Carvalho e Adriano Squilacce sublinharam que a doença de Alzheimer estava “científica e clinicamente comprovada” pelos documentos que juntaram ao processo, demonstrando assim que Ricardo Salgado estava impedido de exercer, pessoalmente, a sua defesa e pedindo a realização da perícia médica com vista à posterior extinção dos autos para o ex-banqueiro. Dos vários documentos clínicos, consta o parecer do neurologista Joaquim Ferreira, que atestou “um diagnóstico final e definitivo”, confirmando que o antigo líder do Grupo Espírito Santo (GES) tem Doença de Alzheimer, “apresentando um agravamento progressivo das limitações cognitivas e motoras”.
A doença no âmbito do processo da Operação Marquês
Em maio deste ano, o tribunal da Relação de Lisboa (TRL) agravou a pena de Ricardo Salgado para oito anos de prisão, dando parcialmente razão ao recurso do Ministério Público (MP). Sendo que a questão da doença de Alzheimer foi remetida para o Tribunal de Execução de Penas.
Em causa estava o processo separado da Operação Marquês, no qual o ex-banqueiro foi condenado na primeira instância, em março de 2022, a uma pena única de seis anos de prisão efetiva por três crimes de abuso de confiança, fixada em cúmulo jurídico face aos quatro anos aplicados pelo tribunal por cada um dos três crimes.
O que a defesa de Ricardo Salgado pedia, em sede de segunda instância, era muito claro: que o acórdão que condenou o ex-homem forte do BES a uma pena de prisão efetiva de seis anos seja considerado nulo. A razão? Omissão do juiz, que não se pronunciou sobre uma possível pena suspensa devido à anomalia psíquica relativa à doença de Alzheimer que Salgado sofre, como obriga o nosso Código Penal.
O ex-líder do Banco Espírito Santo (BES) tinha sido condenado, em março, a uma pena de seis anos pelos três crimes de abuso de confiança que saíram da Operação Marquês. O tribunal considerou como provados “quase todos os factos constantes da acusação”, segundo explicou o juiz Francisco Henriques. Mas o magistrado diz que “não ficou provado a questão da gestão centralizada do BES”.
No recurso de 792 páginas — a que o ECO/Advocatus teve acesso — a defesa, a cargo dos advogados Francisco Proença de Carvalho e Adriano Squilacce, pede que, neste caso concreto, o recurso seja apreciado com “objetividade e sem ideias pré-concebidas, sem ceder inconscientemente às pressões e pré-juízos mediáticas”.
Porque, consideram os advogados, que o juiz Francisco Henriques “ignorou a patologia de demência, assente numa doença de Alzheimer medicamente comprovada, numa pessoa a ponto de cumprir 78 anos”. Mesmo tendo ficado provado que Salgado tem doença de Alzheimer, a defesa queixa-se que “nem uma palavra” foi dada sobre este assunto, “ignorando o que ficou assente e demonstrada em tribunal e na decisão”.
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