Da fé à partilha de culturas, o ECO conta a história de quem passou pela Cidade da Alegria. Peregrinos aproveitam o 'kit', mas ainda assim os restaurantes não têm mãos a medir.
A Jornada Mundial da Juventude (JMJ) trouxe um novo fôlego a Lisboa, com o turismo habitual a dar lugar a uma enchente de jovens provenientes de 151 países, hasteando bandeiras e partilhando culturas. Pelas 9h45 desta quinta-feira, o corrupio e a agitação em frente aos Pastéis de Belém, considerada uma das lojas mais emblemáticas da capital, era notório.
“Não é a clientela normal de agosto, que traz muitos imigrantes e muitas famílias. Agora temos muitos peregrinos a encher-nos a casa. São jovens… É mais alegre e divertido”, conta ao ECO, de sorriso no rosto, Maria Dulce, funcionária deste estabelecimento há 47 anos. “Em relação ao negócio não é tão forte como costuma ser em agosto. Temos muita gente, mas menos rendimento”, admite a supervisora. Os peregrinos não dispensam a prova do pastel, mas não levam “tanta quantidade”. Ainda assim, acredita que não será uma semana que causará “mossa” no negócio. “Estamos muito contentes por os ter por cá e acredito que ainda vá ser um mês muito bom”, afiança.
Do outro lado da rua fica a chamada “Cidade da Alegria”, um local que reúne a Feira Vocacional, a Capela e o “Parque do Perdão” da JMJ, que decorre até domingo em Lisboa e onde são esperados mais de um milhão de peregrinos. Ainda antes da entrada do parque, juntam-se alguns peregrinos junto da tenda de produtos oficiais da JMJ. “As vendas estão muito boas. Claro que há pessoas que vêm ver apenas, mas a grande maioria, sem dúvida nenhuma, leva alguma coisa“, afirma Júnior Miranda, gerente desta loja.
Nesta tenda aceitam-se todas as formas de pagamento e a variedade de produtos é grande. Terços, dezenas e camisolas são alguns dos produtos mais vendidos, adianta o responsável. “Os artigos mais baratos são a um euro, como é o caso dos crachás e dos sacos. E temos também um colar de prata com a cruz da Jornada, que custa 75 euros“, acrescenta o jovem brasileiro. “É um momento muito especial para as pessoas que estão cá, que vieram de várias partes do mundo e ‘todo o mundo’ quer levar uma recordação”, conclui.
No lado esquerdo da zona ribeirinha de Belém impera o silêncio e a oração. No “Parque do Perdão”, que conta com 150 confessionários ao ar livre e onde os peregrinos inscritos ou não inscritos se podem confessar há cinco filas pelas quais os jovens são distribuídos, consoante o idioma (português, espanhol, francês, italiano e inglês) antes de encontrarem o sacerdote. O local é reservado e, por isso, só passa para lá das barreiras quem se pretenda confessar.
Já do outro lado da “Cidade da Alegria” fica a Feira Vocacional, um espaço onde os jovens podem entrar em contacto com diversos movimentos, associações, comunidades, ordens religiosas e projetos de cariz social. Pelo meio, há uma capela improvisada, onde são celebradas missas em vários idiomas. E há também muita relva e bancos do jardim, com sombras, para que os jovens possam também ter momentos de partilha, dado que este é também um dos motivos que os traz cá. Há, inclusive, quem aproveite os “tempos mortos” para praticar alguns jogos.
Da fé à partilha de culturas, o que traz os jovens à JMJ?
É também pela fé, mas não só, que estes jovens estão na capital portuguesa. “Vim pela fé, para conhecer mais Deus, para perceber como se interpreta em cada país. Para ver como cada um vive Deus e como partilham a sua religião”, conta Rafael, enquanto troca lembranças com jovens de outros países. Antes de rumar a Lisboa, o jovem mexicano de 21 anos esteve em Itália e afiança que “está a ser uma experiência incrível”. Rafael traz no bolso um conjunto de imagens da virgem de Guadalupe para oferecer. Na cara tem posta uma máscara. “É um símbolo mexicano. No México gostamos muito da luta livre, então é algo muito típico de lá e, por isso, a trago posta”, justifica o jovem, que faz parte de um grupo de 47 pessoas.
Também da América Latina, mais concretamente do Paraguai, veio Letícia Barbudez. Nascida na cidade de Vilarica, esta tem sido “uma experiência muito forte” para a jovem de 26 anos, não só por ser a sua “primeira vez na Europa”, mas também porque, para si, “é nas coisas mais simples que se encontra Jesus”. “É nessa partilha, a sentar-se a almoçar, a procurar uma sombra, a esperar horas e horas pelo Metro”, afirma a jovem, que anteriormente já passou para JMJ do Panamá em 2019 e integra a delegação nacional do Paraguai, que conta com “50 peregrinos”.
Mais de perto veio Carmen, uma jovem sevilhana de 19 anos. “Vir aqui é uma oportunidade que não podia deixar passar. Quem sabe se no futuro é uma oportunidade que podemos voltar a ter. Não podia rejeitar”, atira, sentada na relva. Para já, o balanço é positivo. “Sinto-me super acolhida e querida por toda a gente. Há um carinho entre todos de diferentes países, tentando conhecer-se, contando histórias. Há muita paz”, sublinha Carmen, que integra um grupo de cerca de 300 peregrinos espanhóis, alojados num colégio em Alcântara. E, tal como Letícia, Carmen, uma estreante nas JMJ, espera “gastar pouco” dinheiro, já que o kit peregrino lhe assegura os transportes, o alojamento e as refeições.
Há também quem venha apenas com o propósito de “conhecer pessoas”. É o caso de Joshua Liwanug, um jovem nascido em Londres e com ascendência filipina. “Acabei de fazer 18 anos, então é uma boa oportunidade. Ainda sou jovem e tenho tempo. Não sei se terei tempo e oportunidade para o fazer depois, dado que a vida dos adultos é cada vez mais ocupada”, riposta. Para já, garante estar a divertir-se. “É mais enérgico do que eu pensava”, admite Joshua, que integra um grupo de 18 pessoas e está a ficar alojado na Escola Básica António Sérgio, no Cacém.
Além de jovens e voluntários, a JMJ conta também com a presença de padres e freiras. E também para estes o balanço é positivo. “Tem sido muito bom. A JMJ é sempre um momento de muita profundidade para os jovens, mesmo que não pareça. Às vezes pensa-se que é só festa, festa e reencontro, mas no reencontro o jovem entra na profundidade”, afirma Maria Gorete, uma freira brasileira que ficou alojada numa “fábrica” em Santa Iria da Azoia. Faz parte de um grupo de 120 pessoas, entre freiras, padres e jovens do Brasil, Canadá, EUA ou Bélgica. “Está tudo muito bem organizado e acho que os jovens estão a gostar”, conclui a freira, que já participou na JMJ do Rio de Janeiro, em 2013.
Também o “amor a Deus e pela humanidade” fez rumar a Lisboa a freira nigeriana Rita Maria, que está atualmente em missão na Islândia. “Estou impressionada com a quantidade de jovens que decidiram vir e partilhar a experiencia que Deus os ama e rezo para que continue assim”, aponta a freira, que trabalha num orfanato para crianças entre os 10 meses aos dois anos e para idosos. Ao contrário de Maria Gorete, é a sua primeira vez naquele que é considerado o maior evento da Igreja Católica. A nigeriana pernoita na casa de um amigo português, que esteve na Islândia alguns anos e já regressou ao país.
E à semelhança de quem passa pela “Cidade da Alegria”, também o balanço da organização é positivo. “Está a superar todas as nossas expectativas. Tem tido uma adesão incrível, as pessoas têm vindo com grandes enchentes. Estou agora a olhar para a Capela, que está cheia, cheia, cheia. E ontem [quarta-feira] tivemos à volta de 15 mil pessoas a confessarem-se. Por isso, tem sido uma enchente espetacular e estamos muito orgulhos”, afirma Rita Parreira do Amaral, responsável pelo “Cidade da Alegria”, em declarações ao ECO.
A diversidade cultural é, aliás, um dos aspetos destacados por Rita Parreira do Amaral. “Conseguimos ouvir muito espanhóis a falar porque é o mais fácil, mas tenho encontrado pessoas de todo o mundo, desde o Camboja, muito países da Ásia a virem pela primeira vez, muitos americanos, muitas pessoas de África… Tem sido uma diversidade muito grande”, sinaliza.
Apesar da grande afluência, a responsável assegura que não têm sido criados grandes filas, sendo que, mesmo no Parque do Perdão, “claro que se demora um bocadinho mais”, dado só haver 150 confessionários disponíveis. “Mas nada de que não” estivessem à espera, acrescenta. Por outro lado, Rita Parreira do Amaral destaca que, apesar de a maioria dos visitantes serem jovens, há também muitas “famílias com carrinhos de bebés e avós” a virem ao parque.
Restaurantes sem mãos a medir
A alegria, o sentimento de partilha e a multiculturalidade marcam a manhã na “Cidade da Alegria”, mas, pela hora do almoço, quando a fome aperta, há que “renovar energias”. Pelas 12h45, a enchente junto ao McDonald’s de Belém dá a volta ao edifício. É um dos estabelecimentos pertencentes à rede de restauração da JMJ. Assim, os peregrinos que tenham adquirido o pacote peregrino, precisam apenas de apresentar a sua credencial para tomar a refeição.
“Estão a ser dias muito intensos, mas muito divertidos”, admite Marta Oliveira responsável por este franquiado e pelas lojas McDonald’s de Carnaxide e do Alegro/Alfragide. A afluência era expectável, por isso, Marta fez um reforço de pessoal. “Para este evento tivemos de contratar o dobro das pessoas que estiveram a trabalhar no ano passado e fizemos reforço não só no restaurante de Belém, mas também nos outros restaurantes. No total, nestes três restaurantes estamos a falar de cerca de 200 pessoas”, adianta, referindo, no entanto, que os horários mantêm-se como habitual.
Apesar do grande afluxo de clientes, a responsável não espera que as receitas disparem. “Temos tido bastantes transações, muito mais do que costumamos ter num dia normal. Mas como estamos a falar de um menu peregrino, que tem um valor mais baixo, estamos aqui mais para apoiar este evento do que para fazer dinheiro”, assegura, escusando-se a revelar dados concretos. “Claro que queremos ter lucro, mas acima de tudo estamos aqui para servir”, remata.
Uns metros mais à frente encontramos o restaurante Antiga Picanha, que, ao contrário do vizinho McDonald’s, optou por não aderir à rede de restauração da JMJ. Ainda assim, mesmo com menos gente, o negócio não se ressentiu. “Está a ser muito bom. Antes de o Papa chegar tivemos pouco movimento de turistas, muito pouco. Mas agora foi uma explosão”, conta Avelino António, responsável de sala. O espaço conta com 104 lugares, entre esplanada e espaço interior. Mas, ao contrário da cadeia de fast food, optou por não reforçar a equipa. Continua a ter seis funcionários a servir às mesas, mas “tem corrido tudo bem”. E os preços? “Os preços são acessíveis e variam de 10 a 17 euros”, remata o funcionário.
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Na enchente da JMJ em Belém, vontade é de “gastar pouco” mas o pastel é para provar
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