Reformas fiscais “surgem de 30 em 30 anos”. PS tem oportunidade mas “não tem sido reformista”
Apesar da descida do IRS ter sido a medida que mais tem motivado discussão nos últimos dias, fiscalistas defendem que há uma oportunidade para uma reforma fiscal mais alargada.
De tempos a tempos, os impostos tomam o lugar central nas discussões públicas e muitas são as vozes que se levantam a pedir mudanças. Mas as verdadeiras mudanças levam tempo e as reformas fiscais “dignas desse nome” apenas “têm surgido de 30 em 30 anos”, defende Rogério Fernandes Ferreira, ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, ao ECO. Especialistas defendem que são necessárias mudanças no sistema fiscal, mas este Governo não tem mostrado ser “reformista”. Tendo em conta o consenso à volta de uma redução do IRS, há apelos a um acordo entre partidos.
A última reforma fiscal de grande dimensão, “no âmbito da tributação direta, foi a do Professor Pitta e Cunha – é de 1989 e introduziu o IRS e o IRC, além da contribuição autárquica, hoje IMI“, recorda Rogério Fernandes Ferreira. “No âmbito da tributação indireta, tivemos a reforma do Professor Xavier de Basto, em 1986, com a introdução do IVA”, acrescenta.
Agora, o PSD avançou com um documento que apelidou de “reforma fiscal”, desvendando já cinco medidas que têm levado a um “bate boca” com o PS. Vários socialistas têm criticado as medidas, ainda que o ministro das Finanças já tivesse sinalizado a intenção de reduzir o IRS nos próximos anos, com os detalhes desta medida ainda por serem conhecidos.
No Programa de Estabilidade 2023-2027 ficou escrito que “para 2024 e 2025, a evolução do crescimento económico sustentado e o respetivo impacto nas contas públicas permitem a implementação de medidas de caráter estrutural ao longo do período de projeção”, nomeadamente medidas “de caráter fiscal: a redução da carga fiscal em sede de IRS ascenderá a cerca de 2.000 milhões de euros no último ano da projeção”.
A redução proposta pelo PSD é de 1.200 milhões de euros já em 2023, um valor anual maior do que o que era previsto por Fernando Medina. Mesmo assim, parece existir consenso relativamente à necessidade de baixar os impostos, da esquerda à direita, bem como da parte do Presidente da República, que sinalizou que falta perceber é a dimensão do corte.
Para o economista Ricardo Ferraz, este é cenário ideal para “uma reforma fiscal que pudesse envolver os partidos, além do que o que tem a maioria e governa mas também a oposição, como o PSD”. Mas também outros partidos, da esquerda à direita, concordam sobre a necessidade de uma descida de impostos, ainda que estejam divididos sobre a dimensão e incidência.
Após a discussão à volta a descida do IRS, podia existir “uma reforma fiscal que abrangesse o médio a longo prazo”, nota, o que era “importante para a estabilidade das políticas públicas”. “Já é tempo de haver consenso a bem dos portugueses e da competitividade do país”, salienta.
O investigador relembra que já chegou a existir um acordo deste estilo, com a reforma do IRC com Pedro Passos Coelho: PSD, PS e CDS chegaram a acordo para reduzir o IRC mas “a dada altura essa reforma foi interrompida”. No entanto, “era útil que houvesse uma reforma fiscal desse género que implicasse uma redução ao longo dos anos com os partidos”, para que “caso houvesse uma mudança de Governo, a reforma continue”, defende.
O Governo de António Costa também tem sinalizado a vontade de avançar com uma reforma fiscal. Já foram dados alguns passos, nomeadamente com o desdobramento de escalões de IRS e a reforma do mínimo de existência, ainda que permaneça o apelo para maiores mudanças.
Rogério Fernandes Ferreira defende que “não faz sentido avançar agora, nem a meio do ano”, apontando que “estas medidas fiscais requerem tempo de análise e reflexão e projeções de receita desta natureza não se fazem de repente, à pressa, nem sem se perceber, com tempo, todas as suas implicações num sistema que deve ser coerente e justo, menos ainda num momento de desaceleração da inflação e que se mantém ainda alta”.
Assim, reitera que uma reforma do sistema fiscal com uma natureza estrutural tem o seu tempo, mas que agora podem ainda assim avançar “algumas alterações fiscais importantes e que impliquem alguma baixa na carga fiscal e na pressão tributária”.
Já o fiscalista Tiago Caiado Guerreiro defende que existe uma oportunidade para uma reforma fiscal, mas do que que tem, “visto este governo não tem sido reformista”. “Não altera nada em nenhuma área, não parece que o vão fazer e provavelmente vão rejeitar o que a oposição diga”, lamenta, ao ECO.
Simplificação, menos burocracia e revisão das contribuições
Para Tiago Caiado Guerreiro, uma reforma era necessária para “criar um sistema muito menos burocrático, simplificar o sistema, criar mais garantias para os contribuintes”, bem como dar respostas mais rápidas para os cidadãos, nomeadamente no que diz respeito à ação em tribunal. O fiscalista defende a criação de um “mecanismo amistoso” para facilitar a resolução dos litígios para os contribuintes, sendo que atualmente é um “sistema rígido” e a administração fiscal “não cede em nada”.
Já Rogério Fernandes Ferreira sugere “uma revisão global de todas as contribuições financeiras setoriais atualmente existentes e que incidem apenas sobre empresas de alguns setores específicos com o argumento de externalizações negativas que, muitas vezes, já não se verificam, ou já não se justificam, mas que, no seu conjunto, já devem representar o quarto ou o quinto maior “imposto” do sistema, sem que os deputados as conheçam verdadeiramente e as aprovem de forma apropriada e sem que os tribunais tenham a coragem de as controlar da forma mais adequada, na sua criação e na sua execução”.
Propõe assim a “criação do regime geral das taxas e das demais contribuições a favor das entidades públicas que está previsto na nossa Constituição desde 1987 (o que aliás já foi proposto por um governo só PS, mas nunca aprovado até à presente data)”.
Além disso, sugere “recolocar o contribuinte em primeiro lugar, nos seus direitos e nas suas garantias, no sentido do seu reforço e da sua simplificação”, nomeadamente “incluindo a criação de um provedor fiscal, um defensor do contribuinte diferente do atual provedor de Justiça e independente do subdiretor-geral para a área da relação com o contribuinte da Autoridade Tributária e Aduaneira”.
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