César das Neves defende que não existe “dieta orçamental” mas uma “cinta”

  • Lusa
  • 5 Setembro 2023

César das Neves considera que “uma política de contas certas não está errada, a maneira de fazer a política de contas certas é que está”. O economista adverte para a subida da taxa de juros.

O economista João César das Neves defendeu, esta terça-feira, que a política das contas certas foi “falsa” e não é sustentável, porque faltam reformas estruturais, e que o país está a “espremer” as disparidades dos salários.

Em entrevista à agência Lusa, a propósito do livro “Portugal: porquê o país do salário abaixo de mil euros?”, escrito em coautoria com o economista Luís Valadares Tavares, editado esta terça-feira pela D. Quixote, João César das Neves considera que “uma política de contas certas não está errada, a maneira de fazer a política de contas certas é que está”.

A isso acresce, apontou, “uma degradação dos serviços”: “Os militares não têm soldados, os hospitais estão com dificuldades, as escolas não funcionam. Houve uma degradação da qualidade dos serviços do Estado para fingir que estavam a acertar as contas”.

“O Estado não fez, realmente, dieta”, defendeu, acrescentando que “a política de contas certas – como não foi uma verdadeira política de contas certas, foi falsa – foi uma cinta” e “não é sustentável”.

João César das Neves adverte que há “uma altura em que vem aí a inversão” do ciclo económico e da conjuntura das finanças pública, destacando o peso da dívida pública.

A política de contas certas – como não foi uma verdadeira política de contas certas, foi falsa – foi uma cinta.

João César das Neves

Economista

“Conseguimos apertar o défice e equilibrá-lo, mas a dívida acumulada dos anos passados, que vem desde há muito tempo, continua lá e vai ser um problema grave, até porque vai subir a taxa de juros”, adverte. Para o economista, assistiu-se a “um período muito longo de taxas muito baixas, o que foi ótimo, mas foi mais uma má ajuda para fingir” que o país tinha as contas equilibradas.

“Isto é que vai ser mais difícil ainda: ter outra vez as contas a correr mal, quando se anunciou que estava tudo bem, tudo resolvido. As pessoas vão ter uma grande dificuldade em entender como é que pagaram impostos que se fartaram, estiveram a sofrer uma enorme quantidade de problemas nos vários serviços públicos e agora as contas estão outra vez estragadas”, disse.

Segundo o economista, “esta foi a opção política que foi tomada, é culpa de quem a tomou e os núcleos são bem conhecidos”.

João César das Neves alerta ainda para “o bloqueio, que é de responsabilidade da sociedade toda”, dos salários em Portugal. “O problema do salário mínimo é um problema grave, é mais uma aberração do nosso mercado de trabalho. Temos um salário mínimo, que todos os políticos dizem, e é verdade, e todos os analistas explicam, é dos mais baixos da Europa. Mas se olharmos em percentagem do salário médio português, é dos mais altos da Europa”, disse. “Ou seja, temos salários baixos e o que estamos a fazer é espremer a nossa disparidade de salários”, argumenta, acrescentando que é “um populismo”.

As pessoas vão ter uma grande dificuldade em entender como é que pagaram impostos que se fartaram, estiveram a sofrer uma enorme quantidade de problemas nos vários serviços públicos e agora as contas estão outra vez estragadas.

João César das Neves

Economista

 

César das Neves alerta ainda para o que considera ser “o problema do excesso de carga dos impostos”.

“No fundo, estamos a afogar o crescimento antes de ele nascer. Se deixássemos crescer a economia, os impostos até aumentavam mais. No final, estávamos a receber mais porque houve um aumento de impostos. Mas, estrangulando-a de tal maneira à partida, hoje não há salários, não há crescimento, não há nada e a economia está empatada na tal estagnação de que falava há pouco tempo”, disse.

O economista elenca os “seis bloqueios ao desenvolvimento” identificados no livro – “o Estado, a produtividade, a lei laboral, a melhor saúde, melhorar a educação e o mercado de capitais – para destacar que “cada um, à sua maneira, tem uma rigidez, uma capacidade de permanência muito forte”.

“O Estado não é fácil de rever. A produtividade talvez seja mais fácil de subir, mas mesmo aí tem-se bloqueios muito significativos. É preciso alterar muita coisa. A lei laboral, ninguém lhe toca, não é possível tocar. A saúde e a educação são dois setores onde discutimos há muito tempo os problemas e continuam e o mercado de capitais, talvez seja de todos aquele que, se eu tivesse que escolher um [como o mais próximo de ultrapassar], escolhesse”, disse.

O economista dá nota de que “o mercado de capitais em todo o mundo está a ser revolucionado desde a inteligência artificial, até às criptomoedas” e, por outro lado, a banca portuguesa está quase toda “na mão de estrangeiros”.

“Talvez seja aí o fator que vai correr melhor. Agora, mesmo aí, há certas coisas que são muito prisioneiras, muito instáveis, como seja a taxa de poupança, a baixa taxa de poupança, as más regulamentações do mercado de capitais. Mas talvez de todos, dos seis, o mais flexível, o mais fácil de resolver”, disse.

César das Neves acredita que próximo Orçamento será de continuidade

O economista João César das Neves considerou ainda que o Orçamento do Estado para 2024 (OE2024) irá ser de continuidade face aos anteriores e alertou para a elevada incerteza económica. “Não estou a prever que haja grandes mudanças [no OE2024]. Acho que vai ser um Orçamento de continuidade”, prevê, acrescentando que não existe “muita possibilidade de alteração”.

O economista e professor catedrático da Católica-Lisbon considera que “os bloqueios [que o país enfrenta] não têm a ver com o ministro das Finanças”.

Não estou a prever que haja grandes mudanças [no OE2024]. Acho que vai ser um Orçamento de continuidade”, prevê, acrescentando que não existe “muita possibilidade de alteração.

João César das Neves

Economista

Para João César das Neves, vão ser anunciados “cortes de impostos imensos”, porque todos os governos “anunciam imensos”, mas “há outros a subirem, a maioria escondidos, que vão mais do que compensar esses”.

“No final pagamos mais impostos. Enquanto a despesa for maior, pagamo-la toda”, advertiu.

Questionado sobre as perspetivas de crescimento da economia portuguesa no próximo ano, o economista sublinha que “a situação está muito confusa” e “existe uma enorme incerteza”.

“Ainda estamos com os resultados da pandemia, que tiveram impactos que ainda estão presentes. Entretanto, com uma guerra na Europa – entre dois grandes produtores de energia, de alimentação – os preços subiram. Há uma grande tensão e vários bloqueios internacionais”, aponta.

Contudo, assinala que o segundo semestre “começa bastante pior do que se pensava”.

“Não chega a ser mau, mas não é tão bom como se previa. É muito difícil dizer o que é que vai acontecer nos próximos meses, no próximo ano, dois anos, três anos”, considera.

A proposta do OE2024 tem de ser submetida pelo Governo à Assembleia da República até ao dia 10 de outubro.

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