Mais habitação e urbanismo: interrogações várias
A meritória simplificação de procedimentos e eliminação de redundâncias ou duplicações é complementada com medidas que causam interrogações várias.
A reforma “Mais Habitação” toca no urbanismo. Incide sobre o dever de utilização, fiscalização e intimação municipais no âmbito do arrendamento ou subarrendamento habitacional; prevê o “arrendamento forçado de habitações devolutas”. Cria financiamento para a execução de obras coercivas municipais em caso de falta de conservação dos edifícios. Atinge o edificado existente. Atinge o alojamento local e o arrendamento geral.
No que toca à edificação futura, vislumbra-se a Lei n.º 50/2023 de 28 de agosto, que autoriza o Governo a proceder à reforma e simplificação urbanística. A meritória simplificação de procedimentos e eliminação de redundâncias ou duplicações é complementada com medidas que causam interrogações várias:
- Cedências – Prevê-se a realização de cedências destinadas a habitação pública, construção a custo controlados e arrendamento acessível. Vão ser ponderados os respetivos parâmetros urbanísticos e a articulação com os planos municipais vigentes, num quadro da viabilidade económica?
- Aumento das situações de isenção de controlo prévio – Simplifica-se certas obras de conservação, alteração e reconstrução e novas operações de loteamento ou obras de urbanização ou de ampliação, designadamente, enquadrados por planos de pormenor ou unidades de execução. Irão estas figuras assumir um novo protagonismo? É alargado o número de entidades públicas isentas, incluindo institutos públicos, empresas do setor empresarial do Estado e empresas municipais. Irá crescer o peso da habitação pública?
- Reclassificação do solo – É simplificada a reclassificação do solo rústico para urbano (com habitação), sendo dispensada a elaboração de plano de pormenor com efeitos registais. Como beneficiar a nova habitação urbana de segurança equivalente à de plano de pormenor?
- Maior responsabilização, sem maior clareza – Retiram-se competências de controlo prévio aos municípios e estabelece-se uma maior responsabilização dos promotores. Como conciliar a aplicação de conceitos indeterminados dos planos municipais com a clareza inatacável desejada para um investimento?
- Deferimentos tácitos – Estabelece-se um regime de deferimentos tácitos nos procedimentos de licenciamento. Como articular a maior responsabilização dos promotores com a diminuição de segurança decorrente destes deferimentos? Será possível minimizar riscos através de uma (possível) certificação prévia de projetos?
- Dispersão normativa – Existem mais de dois mil diplomas para consultar (vd. https://www.siluc.pt). Irá prefigurar-se um Código da Edificação”, tal como sugerido por órgão de soberania e alguma doutrina?
- Autorização de utilização – A supressão da autorização de utilização irá afetar a certeza e segurança jurídica do mercado? Uma comunicação prévia irá substituir a mesma com sucesso?
- Uniformização de regimes municipais – Encurta-se o espaço de autonomia regulamentar dos Municípios e exclui-se a sua apreciação em matérias de especialidades. Irá esta uniformização implicar padronização do território, em prejuízo das características próprias de cada um?
- O futuro Building Information Modeling (BIM) – A generalização do BIM na “nova” plataforma eletrónica, irá automatizar a verificação do cumprimento dos planos a partir de 1 de janeiro de 2030, pelos projetos?
- Será possível recuperar o tempo perdido? O País precisa de profissionais para o setor do urbanismo e habitação. Quem vai formá-los? Quando estão disponíveis?
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