Eurodeputados querem Política de Coesão a financiar a habitação

A habitação já é elegível para financiamento europeu. No PRR estão inscritos 2,7 mil milhões que, com a reprogramação vão passar para 3,2 mil milhões. Eurodeputados querem coesão a pagar também.

“Onde vamos parar se formos financiar a habitação?” A pergunta é da comissária europeia Elisa Ferreira e surge após o primeiro-ministro ter enviado uma carta a Ursula von der Leyen a pedir instrumentos europeus “capazes de assegurar o acesso de todos a uma habitação condigna a custos acessíveis”. Para os eurodeputados ouvidos pelo ECO, independentemente da sua família política, os fundos de coesão podem e devem ser usados para resolver o problema da habitação.

“A habitação é um poço sem fundo”, disse a comissária, numa entrevista promovida pelo Clube de Jornalistas, em parceria com a agência Lusa e a Escola Superior de Comunicação Social. Elisa Ferreira defendeu que não se crie “um instrumento que seja água no deserto”.

A responsável recorda que o objetivo da política da coesão é “ir a montante dos problemas e não correr atrás dos problemas”. Quando os países e as regiões usam fundos europeus devem saber como se querem posicionar no futuro para não precisarem de mais fundos de coesão, cujo objetivo não é serem usados para financiar problemas imediatos sem visão de longo prazo.

“Os fundos da Política de Coesão, por regra, não devem ser utilizados para a construção de habitação. Tal não significa que não possam ser usados para a habitação social ou para a promoção da eficiência energética dos edifícios”, afirma ao ECO o eurodeputado social-democrata, José Manuel Fernandes.

Os fundos da Política de Coesão, por regra, não devem ser utilizados para a construção de habitação. Tal não significa que não possam ser usados para a habitação social ou para a promoção da eficiência energética dos edifícios.

José Manuel Fernandes

Eurodeputado

“Precisamos de ensaiar uma nova geração de Política de Coesão e manter a sua identidade”, diz Margarida Marques ao ECO. “É nessa perspetiva, de repensar a Política de Coesão, que tem de ser introduzida a discussão sobre o financiamento da habitação”, acrescenta a eurodeputada socialista.

Para a antiga secretária de Estado dos Assuntos Europeus, as declarações de Elisa Ferreira não são mais do que um esforço da comissária para que a Política da Coesão não seja desvirtuada. Um risco que tem sido exacerbado depois de esta política ter sido chamada a financiar as vacinas, os apoios às empresas e às pessoas na emergência da pandemia, e agora a financiar armamento na sequência da Guerra na Ucrânia.

Praticamente todos os países da União Europeia têm problemas com a habitação condigna. Houve uma internacionalização do problema e do mercado. Se podemos financiar a reconstrução de uma escola, não podemos olhar para a habitação de forma diferente?”, questiona a antiga secretária de Estado dos Assuntos Europeus.

Precisamos de ensaiar uma nova geração de Política de Coesão e manter a sua identidade. É nessa perspetiva de repensar a Política de Coesão que tem de ser introduzida a discussão sobre o financiamento da habitação.

Margarida Marques

Eurodeputada

Numa avaliação menos benigna das declarações da comissária, o eurodeputado do Bloco de Esquerda recorda que “a grande maioria dos países europeus tem parques habitacionais públicos significativos. Nesses países não se considerou a habitação um poço sem fundo. Considerou-se que a habitação era um pilar indispensável do Estado social, que em Portugal nunca se construiu”. “Onde vamos parar se investirmos na habitação? Pelos vistos, à Europa”, ironizou José Gusmão.

Já os eurodeputados do PCP acusam Elisa Ferreira de “insensibilidade”, defendem que “a dimensão do problema da habitação há muito que exige que se verifique essa possibilidade” e recordam que, em 2018, aquando da discussão da regulamentação do FEDER e do Fundo de Coesão, “propuseram, através de um parecer legislativo, que se previsse a possibilidade de estes fundos apoiarem o investimento em habitação, eliminando as restrições então propostas pela Comissão Europeia”.

“Estamos perante um flagelo que não pode ser ignorado nem desvalorizado, como o fez a comissária Elisa Ferreira, manifestando uma profunda insensibilidade perante o problema e caucionando o desvio dos fundos da necessária resposta a uma imperiosa necessidade social, como a habitação, a indústria de armamento, entre outras opções questionáveis”, diz ao ECO João Pimenta Lopes, sublinhando ainda que “registe-se igualmente a ausência de qualquer referência ao assunto no discurso recentemente proferido no Parlamento Europeu pela Presidente da Comissão Europeia.”

A habitação já é hoje elegível para financiamento europeu, desde logo através do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Estão inscritos 2,7 mil milhões de euros que, com a reprogramação vão passar para 3,2 mil milhões, verbas que podem ser utilizadas por todo o país sem se restringir às zonas da Coesão. Ou seja, Lisboa e Algarve são igualmente elegíveis. E se a capital já não é uma região de convergência, é de longe onde o problema de falta de habitação é mais premente.

[Há a] necessidade de que, além dos recursos disponíveis por via do PRR, também os fundos estruturais e de investimento possam financiar, de forma mais abrangente, o investimento em habitação, incluindo no aumento e qualificação do parque habitacional público.

João Pimenta Lopes

Eurodeputado

Mas os deputados do PCP no Parlamento Europeu têm insistido “na necessidade de que, além dos recursos disponíveis por via do PRR, também os fundos estruturais e de investimento possam financiar, de forma mais abrangente, o investimento em habitação, incluindo no aumento e qualificação do parque habitacional público, especialmente nos países, como Portugal, mais atrasados neste domínio”, frisa Pimenta Lopes.

José Manuel Fernandes considera que, perante a “avalanche de fundos europeus, Portugal tinha a obrigação de ter o problema da habitação resolvido”, além de “estar preparado para enfrentar a seca e ser mais competitivo, produtivo e coeso”. “Os fundos europeus devem seguir o princípio da adicionalidade. Não devem substituir o Orçamento de Estado ou ‘engordá-lo’. Temos de utilizar os fundos para acrescentar valor, serem uma mais-valia”, defende.

Contudo, “tal não significa que não existam fundos que podem ser usados na política de habitação de cada Estado-membro”, como os fundos da Política de Coesão, que “podem ser usados para a habitação social ou para a promoção da eficiência energética dos edifícios”, refere José Manuel Fernandes. O eurodeputado social-democrata destaca ainda o Mecanismo de Recuperação e Resiliência, ainda que no seu regulamento se refira que não seja utilizado para substituir o Orçamento do Estado, por “permitir o financiamento da construção de habitações como prova o PRR de Portugal” e o “InvestEU também permite esse funcionamento ainda que neste caso não haja lugar a subvenções”, refere José Manuel Fernandes.

A grande maioria dos países europeus tem parques habitacionais públicos significativos. Nesses países não se considerou a habitação um poço sem fundo. Considerou-se que a habitação era um pilar indispensável do Estado social.

José Gusmão

Eurodeputado

Para Margarida Marques, a carta de António Costa não tinha como propósito pedir apenas mais financiamento, mas “pedir que a União Europeia seja dotada de instrumentos capazes” para resolver o problema. “Pode ser financiamento, mas também uma política energética ou agir ao nível das ajudas de Estado”, já que as habitações podem ser públicas ou privadas e, neste último caso, a ideia seria subir os limites daquilo que seria classificado como uma ajuda de Estado.

Já José Manuel Fernandes considera que a carta do primeiro-ministro “é uma manobra de distração e uma confissão de incompetência”. “Não falta dinheiro para a habitação e para a água. Falta, no entanto, planeamento e competência”, acrescenta o social-democrata.

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