As vítimas de fraude financeira continuam a aumentar em Portugal. Luís Laginha, presidente da CMVM, chama a atenção para os riscos de apostar em ativos não regulamentados como os criptoativos.
A literacia financeira dos portugueses continua a ser precária, para mal da saúde das finanças pessoais das famílias. Há pelo menos uma década que Portugal revela-se incapaz de abandonar os últimos lugares dos rankings de literacia financeira europeu. Num recente inquérito realizado pela Comissão Europeia, os portugueses apenas superam os romenos em conhecimentos financeiros.
Apesar desta realidade, Luís Laginha, presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), considera que tem havido uma “evolução positiva” em termos de literacia financeira, justificando, em entrevista ao ECO, que “essa é uma matéria onde, por muito que [se faça], há sempre a sensação de que há muito mais a fazer”.
Os resultados dos baixos níveis de literacia financeira do país traduzem-se numa persistente concentração e incorreta alocação dos ativos do património das famílias, que dificulta assim o crescimento da riqueza das famílias. Mas também se traduz num crescente número de vítimas de fraudes financeiras, como foi revelado num relatório da OCDE. Sobre esta matéria, Luís Laginha deixa o alerta: “A melhor defesa é ser cético em relação a promessas de retorno rápido, elevado e sem risco.”
A proteção dos investidores é um dos temas que estará em discussão na sétima edição da Semana Mundial do Investidor, que arranca esta segunda-feira. Para os investidores que procurem no universo dos criptoativos — tão fustigados no último ano com casos de fraude e falências, lesando muitos milhares de investidores por todo o mundo — uma solução para investirem as suas poupanças, Luís Laginha refere que “os criptoativos não são regulados” e que, por isso, “seguramente que não haverá nenhum supervisor que aconselhe o investimento em criptoativos.”
Considera que os portugueses investem bem o seu dinheiro?
Aquilo que eu gostaria de poder responder é que sim. É importante que os investidores, quando alocam as suas poupanças, que o façam de uma forma consciente, ponderando bem os riscos e o retorno. Porque, de facto, há regras básicas que continuam a manter-se e uma das regras é que maior retorno só existe de uma forma consistente com maior risco. Portanto, promessas de elevado retorno com baixo risco é algo que não existe. Ou então é sorte.
Olhando para os últimos cinco anos, vê melhorias na perceção da relação risco e ganho potencial por parte dos investidores?
Diria que há todas as condições para isso, na medida em que hoje há muito mais informação disponível e o acesso à informação também está bastante mais facilitado através dos meios digitais. Assim, eu vejo que essa evolução tem sido positiva.
No entanto, quase dois terços da riqueza das famílias continuam a estar concentração em ativos imobiliários e a grande maioria do remanescente do património está aplicado em depósitos à ordem. Por que acha que isto acontece?
Os números tornam as coisas muito claras e revelam um contraste enorme entre aquilo que se passa em Portugal nessa matéria e aquilo que se encontra na Europa, às vezes em países que nós até pensaríamos que não são propriamente associados a países muito liberais e, portanto, pensaríamos até que os investidores fossem mais conservadores. Mas, seguramente, existirão várias razões em Portugal para isso acontecer.
O tratamento fiscal sobre as mais-valias explica essa situação?
A questão fiscal é seguramente um elemento muito importante nessa equação.
Considera necessário haver alguma alteração em matéria fiscal das mais-valias sobre os ativos financeiros?
Se se entender que é importante estimular os cidadãos, aqueles que têm poupanças para encontrarem formas alternativas de aplicação das suas poupanças, naturalmente que a fiscalidade é um elemento importante.
Não há evidência de que o investimento em criptoativos seja algo que possa trazer um benefício direto à economia.
Faz sentido que as mais-valias com criptoativos há mais de um ano não paguem imposto, enquanto as mais-valias geradas por outros ativos, como ações ou juros de depósitos sejam sujeitos a uma taxa de 28%?
O ideal seria que os recursos do ponto de vista económico possam ser prioritariamente canalizados para a economia e ao serviço da economia. E, neste momento, não há evidência de que o investimento em criptoativos seja algo que possa trazer um benefício direto à economia. Portanto, não custa reconhecer que, se se quiser privilegiar a afetação de poupança à utilização da economia, então dever-se-á, pelo menos, fazer com que haja uma neutralidade fiscal entre aqueles investimentos que podem ser canalizados para financiar a economia de outro tipo de investimentos [criptoativos].
Pelas suas palavras posso deduzir que não recomendaria o investimento em criptoativos numa estratégia de investimento de longo prazo?
Os criptoativos não são regulados. Os supervisores, os reguladores, em Portugal e por essa Europa fora, têm alertado sempre que podem os cidadãos para aquilo que são os riscos do investimento em criptoativos. Seguramente que não haverá nenhum supervisor que aconselhe o investimento em criptoativos. Mas nós vivemos num mundo em que as pessoas são livres de tomar as suas opções. O que é importante é que [ao investirem em criptoativos] façam-no tendo consciência dos riscos que estão a correr e da não proteção que têm ao investir neste tipo de instrumentos, comparativamente à proteção que existe quando optam por fazer investimentos em instrumentos que estão disponíveis através de mercados que são regulados e supervisionados.
A melhor defesa é ser cético em relação a promessas de retorno rápido, elevado e sem risco e, sobretudo, ter muito cuidado quando há um pedido de entrega de dinheiro para fazer investimento.
Um ponto central na forma como os portugueses investem o seu dinheiro tem a ver com a literacia financeira (ou falta dela). Recentemente, um estudo da Comissão Europeia voltou a colocar Portugal entre os países com menos literacia financeira da Europa, só ficando à frente da Roménia. Olhando para os últimos cinco anos, vê melhorias nesta matéria ou continuamos muito mal em termos literacia financeira?
Seguramente a evolução tem sido positiva. Mas essa é uma matéria onde, por muito que nós façamos, há sempre a sensação de que há muito mais a fazer. Isso não se aplica apenas a Portugal. Aplica-se seguramente a todos os países. Naturalmente, para um país como Portugal, era muito importante que a literacia financeira fosse mais elevada do que é hoje. No entanto, devo dizer que esse é um esforço que tem mobilizado um número crescente de entidades. E há algo que é muito claro para todas estas entidades e outras que não fazem parte do CNSF (Conselho Nacional de Supervisores Financeiros), que é a literacia financeira ser a primeira e a mais importante proteção que os cidadãos têm para perceberem os riscos associados às escolhas que fazem.
Nesse sentido, parece-lhe importante que a literacia financeira fosse ensinada nas escolas?
Claramente. Desde muito pequenos que temos de fazer pequenas escolhas, que têm sempre uma dimensão económica e financeira. E, por isso, é importante que a literacia financeira seja incluída na formação tão cedo quanto possível, para que esses princípios possam solidificar e possam ser depois melhorados ao longo da vida.
Um dos aspetos em que se nota a baixa literacia financeira é espelhado pelas vítimas de fraude financeira. Um recente estudo da OCDE apontava para que 8% dos portugueses que usam internet já foram vítimas de fraude financeira. Que cuidados devem ter os pequenos investidores?
Essa é claramente uma matéria que preocupa os supervisores e as quais temos dedicado imensa importância, nomeadamente fazendo alertas permanentes a sinalizar. Alertar permanentemente para não só para entidades que aparecem que sinalizamos que não estão autorizadas ou que são campanhas fraudulentas, mas também alertando para os cuidados que os cidadãos devem ter. Entre algumas das coisas muito simples é, desde logo, verificar se a entidade que está a comercializar aquele produto, se é uma entidade que é supervisionada ou não. Isso é algo que mesmo online é muito fácil de fazer. Basta aceder ao site da CMVM ou se for uma entidade do outro setor, aceder ao site do respetivo supervisor e perceber se essa entidade faz parte da lista de entidades supervisionadas.
Um dos pontos que temos assistido tem a ver com o crescimento da publicidade enganosa, muitas vezes nas redes sociais. Como é que a CMVM tem atuado nessa matéria?
A principal arma que existe para evitar esses problemas é a formação de cada um, e é o “não acreditar no Pai Natal”, de uma forma muito simples, porque promessas de retorno elevado e de baixo risco não é possível e, portanto, as pessoas devem sempre desconfiar dessas falsas promessas. Nós alertamos, tornamos disponível informação que permita aos cidadãos perceber se essas entidades são reguladas ou não. E, naturalmente, quando temos sinais que são sinais de fraude, avaliamos se há entidades que estão autorizadas a comercializar em Portugal, mas que não são supervisionadas.
No entanto, temos de ter consciência que vão sempre aparecer aqueles que vão tentar explorar e aproveitar as oportunidades dos incautos e daqueles que estão menos preparados para lidar com estas situações. Portanto, a melhor defesa é ser cético em relação a promessas de retorno rápido, elevado e sem risco e, sobretudo, ter muito cuidado quando há um pedido de entrega de dinheiro para fazer investimento. E essa decisão tem que ser uma decisão muito grave.
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“Promessas de elevado retorno com baixo risco é algo que não existe. Ou então é sorte”
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