O dinheiro das nossas pensões não merece ser tão mal gerido

A estratégia de investimento do FEFSS precisa de ser urgentemente revista e as regras da sua gestão repensadas, porque a sua sustentabilidade não se resolve com injeções de capital do Estado.

O dinheiro das nossas reformas e das nossas pensões está longe de estar seguro e muito menos garantido. Isso acontece não só porque, nas melhores previsões do Governo, o Sistema Previdencial da Segurança Social entrará em modo deficitário nos próximos de 10 anos e nem só porque, em 2022, pela primeira vez desde 2014, a Caixa Geral de Aposentações apresentou um saldo deficitário.

Também não é apenas porque, dentro de 25 anos, estima-se que o rácio de dependência dos mais velhos duplique, passando de quase três trabalhadores por cada idoso em 2022 para 1,5 trabalhador por idoso em 2051, e nem porque o valor das reformas pagas pelo Estado vai cair para quase metade nos próximos anos, passando de um valor equivalente a 84,9% do último vencimento em 2025 para 43,5% em 2050, segundo as últimas projeções da Comissão Europeia, expressas no relatório “The 2021 Ageing Report”.

O dinheiro das nossas reformas e pensões não está seguro nem assegurado porque são poucos aqueles que ao ler estes números não põem as mãos à cabeça e assustam-se com a parede de realidade que nos espera dentro de alguns anos.

E é por isso mesmo que é cada vez mais necessário e crucial proteger o fundo de reserva da Segurança Social, que foi criado em 1989 para socorrer o sistema de Segurança Social quando este ficar deficitário. Mas, para que isso aconteça, é crucial repensar o seu papel e, sobretudo, a sua estratégia de investimento que, desde há vários anos, tem dado sinais mais que suficientes de que não está no bom caminho.

Enquanto a gestão do fundo soberano da Noruega consegue duplicar os recursos dos noruegueses a cada 11 anos, o FEFSS só o consegue fazer a cada 22 anos.

O último desses sinais ficou visível com a necessidade de, em 2022, o Estado injetar no FEFSS um valor recorde de mais de 3 mil milhões de euros para colmatar perdas de 3,3 mil milhões de euros provocadas por uma desvalorização de 13% do portefólio do fundo nesse ano.

É certo que um ano mau acontece — e 2022 foi um ano particularmente mau tanto para as ações como para as obrigações. O problema é que o histórico do FEFSS está repleto de anos muito pouco conseguidos. Nos últimos cinco anos, por exemplo, o FEFSS gerou uma rendibilidade média risível de 0,19% por ano. No mesmo período, a taxa de inflação média anual em Portugal foi de 2,04%.

Mesmo alargando o horizonte para os últimos 15 anos, os números também não são muito auspiciosos. Apesar de apresentar uma rendibilidade média anual de 3% neste período, foi apenas 1,5 pontos percentuais acima da inflação no mesmo período.

O ministro das Finanças, no decorrer da apresentação da proposta do Orçamento de Estado para 2024, procurou “acalmar” os portugueses relativamente à sustentabilidade do FEFSS, notando a intenção de o Governo reforçar o fundo com mais uma injeção recorde de 2,6 mil milhões de euros em 2023. Além disso, revelou que “a carteira do FEFSS corresponderá a 183,3% dos gastos anuais em pensões, o que “representará dois anos de gastos compensações na década de 2030, e dois anos e meio na década de 2060”, algo que nunca aconteceu, apesar de esse ser um dos desígnios do fundo.

Com esta mensagem, o Governo sinaliza a intenção de reforçar o fundo quando este está em apuros, mas não resolve o problema de fundo, que voltará a ser bem visível quando as contas do Estado não tiverem margem de manobra para socorrer o FEFSS (como sucedeu no passado). Não promove qualquer alteração ou mudança na política de investimento do FEFSS que, nos últimos 34 anos, contribuiu com apenas 32% para a riqueza do fundo.

Isto sucede não obrigatoriamente porque a equipa de gestão do fundo liderada por José Vidrago é incompetente, mas porque está fortemente condicionada pela política de gestão do fundo, que está legalmente sujeita a uma série de regras quanto à alocação dos ativos. Por exemplo, a equipa de gestão só pode investir em ativos com origem em Estados-membros da União Europeia ou da OCDE e não pode exceder uma exposição de 25% da carteira a ações. Além disso, pelo menos 50% do capital tem de estar investido em títulos de dívida pública portuguesa ou outros títulos garantidos pelo Estado português.

Estas regras levam a que o FEFSS seja um dos maiores investidores em dívida pública nacional há largos anos — para bem do Estado. Porém, provocam um forte condicionamento da adoção de práticas de gestão equilibradas e uma completa distorção da alocação de ativos face ao horizonte de investimento para o qual o FEFFS está orientado, que fica bem espelhado pela fraca rendibilidade do fundo ao longo das últimas décadas.

Por essa razão, torna-se crucial haver uma revisão da gestão do FEFSS, como também o Tribunal de Contas já sinalizou em 2020. E o caminho para colocar o fundo no caminho certo não exige uma tese em física quântica nem tão pouco na invenção da roda. Basta replicar o que os melhores fazem, como o fundo soberano da Noruega que, na última década, apresentou uma taxa de rendibilidade média de 6,7% por ano, mais do dobro do alcançado pelo FEFSS.

Comparar os dois fundos, ambos com uma perspetiva de investimento para o longo prazo e sem a preocupação de distribuição de rendimentos no presente, é como comparar o dia com a noite. Se o fundo soberano norueguês só investe em ativos fora da Noruega para “não sobreaquecer a economia nacional”, o FEFSS exige que, pelo menos, 50% do capital sirva para financiar o Estado através da aquisição de títulos de dívida nacional (obrigações e Bilhetes do Tesouro).

A estratégia de investimento dos dois fundos está também em polos opostos. Se o fundo soberano norueguês tem cerca de 70% do seu capital em ações, porque são os ativos que mais rendem no longo prazo, o FEFSS não vai além de uma exposição de 19,5% do seu portefólio ao mercado acionista.

É certo que tanto para o fundo soberano da Noruega como para o FEFSS, a entrada de capital fresco é sempre importante, mas é na gestão desse capital que está a diferença. É nesse “pormenor” que está a chave para alcançar uma bem-sucedida gestão do dinheiro das nossas reformas e das nossas pensões. É por isso que enquanto a gestão do fundo soberano da Noruega consegue duplicar os recursos dos noruegueses a cada 11 anos, o FEFSS só o consegue fazer a cada 22 anos.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

O dinheiro das nossas pensões não merece ser tão mal gerido

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião