“Seria importante ter aumentos superiores à lei para pensões mais baixas”

Com o OE a poucos dias de entrar no Parlamento, Maria do Rosária Gama, presidente da APRe!, defende que a atualização das pensões deve ir mais longe nas reformas mais baixas.

O Governo já assegurou que no próximo ano as pensões vão ser atualizados de acordo com a fórmula prevista na lei, mas a presidente da direção da Associação de Reformados, Pensionistas e Idosos (APRe!) avisa que o aumento que resultar da inflação e do crescimento económico não será suficiente para quem recebe reformas mais magras. Em entrevista ao ECO, Maria do Rosário Gama diz que seria importante que, nesses casos, o reforço fosse mais expressivo, entendendo que faria mesmo sentido avançar com aumentos extraordinários.

Por outro lado, a representante dos reformados deixa claro que está contra a descida da Taxa Social Única (TSU) defendida pelas confederações patronais, sublinhando que tal prejudicaria não só os atuais pensionistas, mas também os futuros reformados.

Já sobre o IRS, Maria do Rosário Gama defende um alívio, uma vez que o desdobramento dos escalões, realça, não foi suficiente para desonerar as famílias da classe média.

Só no último ano é que houve uma inflação suficientemente grande para que os aumentos também pudessem ter essa relevância, mas em janeiro o aumento foi muito inferior ao determinado pela lei. O queremos este ano é que a lei seja cumprida a partir de janeiro.

Maria do Rosário Gama

Presidente da direção da APRe!

O Orçamento do Estado para 2024 está à porta. Quais são as expectativas e reivindicações da APRe!?

As expectativas têm que ver com o cumprimento da lei que faz indexar o aumento das pensões à inflação. Esta lei prejudicou os reformados durante muitos anos. Estivemos com as pensões congeladas. Nos últimos anos, as pensões aumentaram duas vezes, mas num valor muito baixo. Só no último ano é que houve uma inflação suficientemente grande para que os aumentos também pudessem ter essa relevância, mas em janeiro o aumento foi muito inferior ao determinado pela lei. Em julho, foram pagas algumas atualizações intercalares. O queremos este ano é que a lei seja cumprida a partir de janeiro.

E além da atualização das pensões, que propostas têm?

As nossas reivindicações prendem-se com a dedução específica [em sede de IRS]. Até 2011, foi de seis mil euros. A partir de 2011, com a chegada da troika, passou para 4.104 euros. O Indexante dos Apoios Sociais (IAS), que está na base do cálculo da dedução específica, tem vindo a aumentar. Portanto, entendemos que é altura de a atualizar, para 14 vezes o IAS, ou seja, cerca de 6.700 euros. Outra das nossas reivindicações tem que ver com o Complemento Solidário para Idosos (CSI). Entendemos que este valor é inferior ao que deveria ser pago, porque não atinge o limiar da pobreza. Foi aumentado no ano passado, mas deve voltar a ser reforçado para que possa atingir o limiar da pobreza.

Com base na inflação já conhecida e as estimativas para o PIB, aponta-se para um crescimento de cerca de 8% das pensões mais baixas em janeiro. É suficiente? Que lhe parece?

Não. Há pensões abaixo de 500 euros. O aumento de 8% não satisfaz as pessoas que têm pensões mais baixas. Até humanamente, seria importante que os aumentos fossem mais elevados para as pessoas que têm pensões mais baixas, cumprindo para as outras o valor que está determinado pela lei.

Portanto, mesmo num cenário de elevada inflação, faria sentido o Governo avançar com aumentos extraordinários em janeiro de 2024?

Sim. Entendemos que as pensões deveriam chegar ao limiar da pobreza. É o mínimo para conseguir dar alguma dignidade ao resto da vida das pessoas.

Agora há uma promessa [no sentido do cumprimento dos aumentos das pensões previstos na lei]. Se não for cumprida, ficaremos muitíssimo defraudados, porque estamos a contar com o cumprimento da lei.

Maria do Rosário Gama

Presidente da direção da APRe!

Este ano, o Governo decidiu não aplicar de uma vez a lei: pagou um suplemento, depois uma atualização regular limitada e no verão um aumento extraordinário. Neste momento, os pensionistas sentem que podem confiar no Governo ou a relação ficou debilitada?

Penso que temos mesmo de confiar que a lei vai ser cumprida. Em julho, o primeiro-ministro disse que a partir de 2024 os aumentos seriam feitos com base na lei. Confiamos que seja assim. Este ano, também pensávamos que ia ser com base na inflação e não foi, mas não havia promessas nesse sentido. Este ano foi feita essa promessa.

Na altura, disse que as expectativas dos pensionistas tinham sido defraudadas.

Agora há uma promessa. Se não for cumprida, ficaremos muitíssimo defraudados, porque estamos a contar com o cumprimento da lei. Por outro lado, há dois grupos de reformados muito prejudicados. Os reformados que se reformaram em 2022 e começaram a receber em 2023 não tiveram a atualização de julho e também não terão direito ao aumento de 2024, porque há sempre um ano, depois do pagamento da primeira reforma, em que não há aumento. Há que garantir uma verba para repor a situação destes reformados. Um outro grupo são os reformados de 2022 que só receberam pensões depois de outubro. Ora, foi outubro que foi pago [o suplemento de] meia pensão. Esta é uma situação injusta, que cria diferenças entre os reformados.

Lusa

Quanto à fiscalidade, que importância teria um alívio do IRS para os pensionistas em 2024?

Seria muito importante, porque o IRS é um imposto muito pesado não só para os pensionistas, mas para toda a gente. Os pensionistas têm filhos e netos, e acompanham as dificuldades dos familiares. Apesar de ter havido já uma alteração do número de escalões, ainda não é suficiente para aliviar a classe média.

O Governo fala muito em IRS Jovem e em atrair a geração mais qualificada de sempre. Sente que os reformados têm sido esquecidos ou compreende este foco?

Compreendo o foco nesta geração mais nova. Todos nós pagamos a formação académica da população mais jovem, e é terrível ver que as pessoas mais qualificadas saem do país e vão ser empregados em países estrangeiros, que lhes pagam mais. O IRS Jovem até é pouco. Não é suficiente para segurar a população mais jovem. O que seria importante seria uma atualização dos salários. Temos professores em início de carreira que estão a receber pouquíssimo. Quase não vale a pena tirar um curso superior para ser professor. Temos um nível de vida que está extremamente elevado para toda a gente. Para os jovens, que não têm ainda em casa, que não têm a possibilidade de constituir família ou comprar casa, ou que viram as suas prestações [do crédito à habitação] subir para o dobro, a situação é extremamente complicada.

Não deve acontecer a redução da TSU, como a CIP propõe. Devemos continuar a ter um sistema redistributivo. Não devemos ter plafonamento de pensões.

Maria do Rosário Gama

Presidente da direção da APRe!

Há uma comissão a estudar neste momento a sustentabilidade da Segurança Social. Acha que a fórmula que dita a atualização das pensões deveria ser reformulada ou faria sentido reformular toda a conceção de vida de trabalho?

O que existe nas pensões é um sistema redistributivo, que é socialmente importante, porque faz com que quem está no ativo paga as reformas. Entendemos que não deve haver plafonamento, porque levaria a que o valor que, depois, seria pago seria muito mais baixo. O plafonamento não permitiria que os salários mais altos contribuíssem para a Segurança Social e levaria a que as pessoas com mais posses fizessem os seguros privados. Queremos ser recebidos por essa comissão para apresentarmos o que não deve acontecer. Por exemplo, não deve acontecer a redução da TSU, como a CIP propõe. Devemos continuar a ter um sistema redistributivo. Não devemos ter plafonamento de pensões. A fórmula de cálculo que vier a ser atualizada tem de contar com dados que permitam uma taxa de substituição que seja uma taxa razoável. A taxa de substituição procura manter mais ou menos o nível de vida que a pessoa tinha antes da reforma.

Sobre a questão da TSU, em detalhe, porque é que estão contra a proposta dos patrões?

Estamos nós agora e já esteve toda a população trabalhadora há uns anos, com uma manifestação grande que fez com que a redução da TSU não acontecesse. A Taxa Social Única paga uma parte pelos trabalhadores, e outra parte pelos empregadores 23% garante a entrada de dinheiro na Segurança Social e faz com que haja dinheiro para pagar as pensões. Se diminuir essa percentagem, diminui a verba que entra na Segurança Social. A situação já é tão complicada com os salários tão baixos salários, se se vai diminuir a TSU, é menos dinheiro que entra e entendemos que isso não pode acontecer. Seria prejudicial para os pensionistas atuais e futuros.

Quais os maiores desafios que estão hoje colocados aos reformados?

Principalmente, as questões da saúde. Uma das coisas que temos reivindicado é o aumento de verbas para as camas de cuidados continuados. Os desafios têm também que ver com as estruturas residenciais para pessoas idosas. Os modelos que existem têm de ser alterados, porque não permite um final de vida com alguma dignidade. Alguns lares são muito bons, outros muitos maus. E há muitos lares ilegais também. E há também a questão do apoio domiciliário. Temos a certeza que a maior parte das pessoas quer ficar em casa, não quer ir para um lar. As pessoas que querem ficar em casa precisam de apoio, mas não pode ser só fazer a limpeza da casa, levar os almoços e jantares, e ir embora. Deve ser um apoio que permita acompanhar as pessoas às compras, à farmácia e proporcionar um momento de leitura. Tem de haver uma diversificação do apoio domiciliário. É um desafio muito grande. Depois, há a questão da segurança. Há muitas pessoas mais velhas que se sentem muito inseguras e com razão.

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