Aumento do layoff e dos despedimentos coletivos ameaça mercado de trabalho
Apesar da baixa taxa de desemprego, a quebra do consumo interno e das exportações, sobretudo para países parceiros como a Alemanha, está a afetar os setores do vestuário, calçado e das cerâmicas.
A resiliência do mercado de trabalho tão apregoada pelo Governo de António Costa, e sustentada pelo quase pleno emprego, começa a dar sinais de fragilidade com o aumento do número de trabalhadores e empresas abrangidas pelo layoff e o crescimento de despedimentos coletivos.
A crise inflacionista, acelerada pela guerra na Ucrânia, está a provocar um rombo no consumo interno e nas exportações, sobretudo para parceiros europeus em contração económica, como a Alemanha, afetando nomeadamente as indústrias do vestuário, do calçado e da cerâmica, de acordo com o balanço feito pelo ECO junto das respetivas associações empresariais e com base nos últimos dados disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), pela Segurança Social e pela Direção-Geral do Emprego e das Relações Laborais (DGERT).
As mais recentes estatísticas da Segurança Social mostram o impacto da quebra do consumo interno e das exportações. Em agosto, 276 empresas recorreram ao layoff total ou parcial, abrangendo um total de 3.628 trabalhadores, o que corresponde a um aumento significativo comparativamente com o período homólogo do ano passado. São mais 37% ou 981 colaboradores afetados e mais do dobro das empresas (153%) face às 109 que recorreram a este instrumento em agosto de 2022.
“Em grande medida, estes acréscimos do layoff serão explicados por quebras nas cadeias de fornecimento que obrigam a paragens em algumas empresas. No entanto, a informação que vamos recolhendo é a de que também há quebras de encomendas em alguns setores em resultado do abrandamento económico de alguns países europeus, designadamente a Alemanha”, segundo o presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), João Vieira Lopes, em declarações ao ECO. A Confederação Empresarial de Portugal (CIP) também foi questionada sobre as causas do aumento do layoff e dos despedimentos coletivos, mas preferiu remeter-se ao silêncio, pelo menos nesta fase de negociações com o Governo, no âmbito do Orçamento do Estado para 2024.
"Estes acréscimos do layoff serão explicados por quebras nas cadeias de fornecimento que obrigam a paragens em algumas empresas. No entanto, a informação que vamos recolhendo é a de que também há quebras de encomendas em alguns setores em resultado do abrandamento económico de alguns países europeus, designadamente a Alemanha.”
Também os despedimentos coletivos estão a aumentar, depois de terem caído em 2022. No primeiro semestre deste ano, foram comunicados à DGERT 190 casos, o que corresponde a uma subida de 28,4% ou de 42 despedimentos face às 148 situações reportadas entre janeiro e junho de 2022. As pequenas empresas foram as que mais recorreram a este tipo de despedimento: 82. Seguiram-se as microempresas (70), as médias (29) e as grandes empresas (9). E foi em Lisboa e Vale do Tejo e no Norte que se registaram mais despedimentos coletivos: 90 e 65, respetivamente.
Os setores das indústrias transformadoras (24%) e do comércio por grosso e a retalho (25%) representam mais de metade dos despedimentos coletivos comunicados à DGERT, analisando apenas os dados, mais recentes, relativos ao segundo trimestre, de abril a junho.
A redução das vendas internas e sobretudo das exportações tem sido o principal responsável por este arrefecimento na atividade das empresas, o que, consequentemente, tem conduzido ao recurso ao layoff, para evitar a destruição de postos de trabalho, e, em última instância, aos despedimentos coletivos, segundo a Associação Nacional das Industrias de Vestuário e de Confeção (ANIVEC) e a Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes, Artigos de Pele e seu Sucedâneos (APICCAPS).
Os últimos dados do INE mostram que, no segundo trimestre do ano, o valor das vendas para exterior caíram, em termos globais, 2,4%, afetando sobretudo os setores do têxtil, vestuário, calçado e das cerâmicas. As exportações dos produtos têxteis chegaram a cair 11% e as dos produtos minerais não metálicos, onde se encontram as cerâmicas, recuaram 17%.
“No setor do vestuário e da confeção, houve um aumento ao recurso ao layoff e também dos despedimentos coletivos fruto do arrefecimento do consumo interno, mas sobretudo do mercado externo”, revelou ao ECO o presidente da ANIVEC, César Araújo. “Portugal não está imune à conjuntura internacional e a incerteza e indefinição face ao futuro, face ao aumento das taxas de juro que aumentaram sete pontos percentuais, de 1% para 7%, nos créditos às empresas, para financiamento, têm dificultado o setor”, acrescentou o empresário.
No setor do vestuário e da confeção, houve um aumento do recurso ao layoff e também dos despedimentos coletivos, fruto do arrefecimento do consumo interno, mas sobretudo do mercado externo.
A ANIVEC representa mais de quatro mil empresas, que empregam mais de 90 mil trabalhadores e exportam anualmente 3,7 mil milhões de euros, segundo o líder da associação empresarial.
O setor do calçado também se tem ressentido com a redução das encomendas internas mas sobretudo externas. “Até julho, as exportações de calçado caíram 7%, em quantidade, e 0,6%, em valor”, revelou ao ECO o porta-voz da APICCAPS, Paulo Gonçalves.
Diante desta conjuntura, e tendo em conta que o setor vende para fora 98% do que produz, “as empresas estão preocupadas”. “Antes de despedir, recorrem ao layoff, é uma medida de gestão a que as empresas recorrem sempre que há quebras de encomendas”, salienta o responsável.
“Entre janeiro e agosto, 11 empresas tinham recorrido ao layoff, mas, em setembro, há mais meia dúzia (seis) que tencionam entrar em layoff”, segundo Paulo Gonçalves. “O setor está altamente dependente da conjuntura internacional e, na Alemanha, já fecharam 1500 sapatarias, em 2022, que é 10% do retalho alemão”, alertou. Ainda assim, o setor está otimista, porque “as previsões para a economia alemã, um dos principais mercados do calçado português, são mais animadoras para 2024”, indicou o porta-voz da associação empresarial. No próximo ano, a Comissão Europeia espera que a Alemanha cresça 1,1%.
Até julho, as exportações de calçado caíram 7%, em quantidade, e 0,6%, em valor. Entre janeiro e agosto, 11 empresas tinha recorrido ao layoff, mas, em setembro, há mais meia dúzia (seis) que tencionam entrar em layoff.
Corroborando o sentimento das associações empresariais, o advogado Nuno Cerejeira Namora, especialista em Direito do Trabalho, deu conta ao ECO que, pelo seu escritório, “têm passado vários casos de empresas da indústria têxtil, do calçado e da cerâmica com processos de layoff e despedimentos coletivos”. “As mesmas empresas que se queixavam de falta de mão de obra há uns meses, agora estão a recorrer ao layoff”, constata.
“O layoff é antecâmara de despedimentos e insolvências e reflete a quebra de encomendas generalizada a nível internacional, mas também do consumo interno”, considera Cerejeira Namora.
É verdade que o emprego tem subido, mas sobretudo à boleia dos contratos a termo, isto é, precários, e dos poucos qualificados, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE). Para além disso, e na variação homóloga, o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) começa a registar um aumento do número de registo de desempregados. Em agosto, o desemprego subiu 4,4% em comparação com o mesmo mês do ano passado. Este é o segundo mês consecutivo de destruição de postos de trabalho, na variação anual, após meses de redução, o que indicia uma inversão da tendência no mercado de trabalho.
Os centros de emprego tinham 295.361 inscritos em agosto: são mais 12.514 ou 4,4% em relação ao período homólogo. Em julho, o desemprego já tinha subido 2,5% na variação anual.
Governo traça cenário macroeconómico cuidadoso
Ora a atualização do cenário macroeconómico para o Orçamento do Estado para 2024 não é alheio a esta inversão no mercado laboral. As previsões para a evolução da taxa de desemprego são mais pessimistas em relação às projeções do Programa de Estabilidade, ainda que os valores se mantenham baixos. Assim, para o próximo ano, o peso dos desempregados na população ativa deverá subir de 6% para 6,7% quando as estimativas anteriores apontavam para 6,4%.
O ministro das Finanças, Fernando Medina, decidiu seguir os conselhos do governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, e reviu em baixa o crescimento do PIB para o próximo ano, de 2% para 1,5%.
Aliás, pouco depois de os partidos terem conhecido as linhas gerais do Orçamento do Estado para 2024, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, elogiou o “cálculo cuidadoso” de Medina nas projeções macroeconómicas. “É um cálculo conservador à espera que a Europa cresça senão até ao fim do ano, pelo menos no primeiro trimestre e depois que continue no segundo trimestre”, afirmou na sexta-feira passada.
A própria Comissão Europeia está mais pessimista quanto à evolução da economia da Zona Euro, este ano, estimando que tanto a União Europeia (UE) como o bloco da moeda única cresçam 0,8%, uma revisão em baixa face às estimativas da primavera. “A fraqueza da procura interna, em particular do consumo, mostra que os preços elevados e ainda crescentes no consumidor para a maioria dos bens e serviços estão a ter um impacto mais pesado do que o esperado nas previsões da primavera”, apesar da descida dos preços da energia e de um mercado de trabalho “excecionalmente forte”, justifica Bruxelas, nas estimativas de primavera, divulgadas em setembro.
Em relação à Alemanha, um dos principais mercados de exportação do vestuário e do calçado português, a Comissão prevê uma contração de 0,4% em 2023, quando antes projetava algum crescimento. Ainda assim, é expectável que a maior potência da UE recupere, em 2024, com um crescimento de 1,1%. Itália, Países Baixos e Polónia também veem as previsões revistas em baixa, enquanto o crescimento de Espanha foi revisto em alta (para 2,2% em 2023), bem como de França (1% em 2023), conclui a instituição liderada por Ursula von der Leyen.
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