Orçamento: a estratégia de Centeno para lidar com números teimosos

  • Margarida Peixoto
  • 10 Outubro 2016

O Governo diz que o défice está descer, mas os números da DGO teimam em encurtar as melhorias face a 2015. Centeno optou por antecipar explicações e pôs os técnicos a falar com base em previsões.

Quando os números dizem o contrário do que queremos, o que fazer? É com este dilema que o ministro das Finanças, Mário Centeno, sabe que se deverá confrontar a partir da próxima segunda-feira, 24 de outubro, assim que a Direção-Geral do Orçamento (DGO) publicar os dados da execução até setembro. Por isso, mandam as boas práticas da comunicação, nada como preparar terreno. Numa iniciativa, no mínimo, invulgar, a DGO apresentou uma previsão do défice em contabilidade pública e nacional para o segundo semestre do ano.

“Nunca tinha visto nada assim”, reconhece ao ECO um perito em contas públicas, que segue de perto a atividade da DGO, todos os meses. “Foi a primeira vez que vi a DGO apresentar um exercício daqueles — imagino que tenha vindo diretamente das Finanças”, comenta outro especialista na matéria. “Foi uma decisão política incluir esse exercício”, reconhece um técnico da DGO, ao ECO.

Mas afinal, do que falamos? É disto:

tabela-dgo

Pela primeira vez, a DGO resolveu incluir uma caixa de análise às contas públicas que toma por base previsões. O exercício visa, num primeiro momento, explicar os ajustamentos aos números que têm de ser feitos na passagem das contas públicas, para as contas nacionais — a ótica de análise que mais importa à Comissão Europeia por ser neste registo que as metas orçamentais são gizadas.

Mas não se fica por aí: antecipa explicações para uma realidade que ainda não se verificou, mas que já se consegue antever, e cuja comunicação não será fácil para o Governo. Nos próximos meses, as notícias de que o défice está “xis milhões de euros mais baixo do que o verificado em 2015” vão terminar. Simplesmente porque o défice apurado pela DGO deverá subir face ao ano passado. Esta tendência, aliás, já se tem verificado nos últimos meses com a redução da dimensão da melhoria verificada, quando comparado com 2015. E isto é um problema (mais um) comunicacional para um Executivo, que continua a ser apertado no palco internacional com a questão do risco de um segundo resgate.

Até ver, será apenas um problema de comunicação: estava já previsto, desde o desenho do OE2016, que o défice em contas públicas ficaria este ano acima do verificado em 2015, sem que isso implicasse o mesmo em contas nacionais. Por outras palavras, cortar o défice e alcançar a meta de 2,2% em contas nacionais é possível, mesmo com um défice em contas públicas a subir.

Mas exatamente porque os números são difíceis de ler — há muitos ajustamentos a ter em conta — prestam-se a avaliações preliminares diversas, umas mais benévolas do que outras.

A inovação da DGO

No boletim de execução orçamental de setembro (que reporta os dados de janeiro a agosto), a DGO explica que no primeiro semestre de 2016 o défice em contas públicas foi de 3.080 milhões de euros, enquanto em contas nacionais passou para 2.510 milhões de euros. Até aqui, tudo normal: falamos de dados executados (ótica de caixa), comparados com números entretanto apurados pelo Instituto Nacional de Estatística (ótica de compromisso).

A questão é que a DGO foi mais longe e fez o mesmo exercício para o segundo semestre, que ainda está a decorrer. O relatório antecipa que o défice do segundo semestre será, em contas públicas, de 2.414 milhões de euros, mas antevê que em contas nacionais fique apenas em 1.674 milhões de euros, por causa de diversos fatores especiais. Estes dados permitem concluir que para o ano completo de 2016 o défice em contas públicas previsto é de 5.494 milhões de euros, enquanto em contas nacionais se fica por 4.184 milhões.

Confrontado pelo ECO, o Ministério das Finanças recusou que a “Tabela 2: Previsão segundo semestre 2016 – fatores especiais” correspondesse a uma “previsão”: “Não se trata de previsões. O valor do saldo em contabilidade pública para o segundo semestre corresponde ao valor necessário, tomando em consideração o saldo verificado no primeiro semestre, para cumprir a meta orçamental do saldo em contabilidade pública que está previsto no OE2016.”

Confuso? Traduzindo: as Finanças explicam que a DGO pegou no valor do défice fixado como objetivo no Orçamento do Estado para 2016, atualizou-o com o que já se sabe do primeiro semestre, e calculou o que tem de acontecer na segunda metade do ano para que a meta seja cumprida. A explicação faz quase sentido. Só não faz 100% porque, entretanto, o valor total do défice em contas nacionais que está agora a ser assumido pela DGO não corresponde exatamente ao mesmo que estava inscrito no OE2016 — há 59 milhões de euros de diferença, que não mudam o rácio (corresponde na mesma a 2,2%) mas põe em causa o exercício.

Adiante. Mas qual o sentido de fazer isto? As Finanças assumem que decorre de uma necessidade de explicação. “O objetivo do exercício é mostrar qual a dinâmica associada aos ajustamentos em contabilidade nacional no primeiro e no segundo semestre, tendo por base a informação disponível até ao momento”, responde o gabinete do ministro, ao ECO.

“Muitas vezes, não é fácil a compreensão exata destas dinâmicas. Por exemplo, o OE2016 prevê uma degradação do saldo orçamental em contabilidade pública, porém, e na ótica que é relevante para o apuramento do saldos das Administrações Públicas (SEC2010), está prevista uma melhoria substancial do saldo”, concretiza a mesma fonte oficial. E reforça: trata-se de “um exercício que visa fortalecer o entendimento das dinâmicas associadas aos ajustamentos para contabilidade nacional, tendo por base os ajustamentos conhecidos a priori“.

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