Tomás Jervell, CEO da Nors, assume que é preciso “muito controlo” e evitar “criatividades” no negócio para ter sucesso no Brasil e adverte que subida dos juros tem “impactos demolidores nas empresas".
Em entrevista ao ECO, o presidente executivo do grupo Nors defende que as empresas portuguesas devem viver “um bocadinho distanciadas do poder político” e, não esperando “subsídios ou apoios especiais”, diz que só quer que o Estado “facilite a vida” às empresas e “melhore a vida dos portugueses”. Até porque o histórico da intervenção pública em empresas, como a TAP ou a Efacec, mostram que “o Estado não tem sido, na maior parte dos casos, um bom gestor”.
Tomás Jervell, o portuense e portista de 52 anos que lidera desde 2009 esta multinacional portuguesa que fatura 2,7 mil milhões de euros, emprega 4.200 pessoas e prepara novas aquisições nos EUA e Alemanha no setor dos equipamentos agrícolas, frisa que “Portugal tem um enorme défice de grandes empresas”. Teme os “impactos demolidores” da subida dos custos financeiros e testemunha que é preciso “muito controlo” e evitar “criatividades” para superar os desafios empresariais no Brasil.
O Grupo Nors está presente em 17 países. No âmbito da internacionalização, quais os efeitos positivos ou negativos de terem a sede no Porto e de serem portugueses?
A nossa nacionalidade não tem tido nenhum relevo no processo de expansão. Temos crescido muito baseados nas nossas competências, na capacidade de dominar o negócio. A expansão tem sido feita com base na confiança que temos gerado nos parceiros com quem nos relacionamos, quer com a Volvo, quer com a CNH Industrial [fabricante de equipamentos de construção e agrícolas], quer com outros. Portugal é um país ótimo para viver e para desenvolver negócio. É um país obviamente limitado, tem uma escala pequena, mas é o país em que fizemos a expansão desde o início, em que temos as nossas raízes e tem sido uma plataforma ótima para crescer. Até porque geograficamente é muito próximo quer dos Estados Unidos, quer da Europa. Tem esta centralidade que é excelente. E hoje em Portugal, à semelhança da Nors, há grupos com enormes capacidades para desenvolver negócio internacionalmente.
Entraram no Brasil em 2007 e este ano completaram nesse mercado duas aquisições de relevo no setor dos equipamentos agrícolas e também nas máquinas de construção. No entanto, tem sido terreno fértil para o falhanço de muitas empresas portuguesas, até de grande dimensão. De acordo com a vossa experiência, porque é que isso acontece?
Os falhanços não sei explicar porque não estou por dentro dos detalhes e o diabo está nos detalhes. Sei explicar o nosso caminho e as razões do sucesso. Digo-o sem grandes pudores: as coisas têm-nos corrido bastante bem no Brasil. Primeiro, temos um negócio que dominamos muito bem e que gerimos há 90 anos. Isso foi muito importante. Temos também uma estrutura corporativa e de backoffice muito musculada e que trabalha muito no desenvolvimento e no controlo das empresas.
O Brasil é um mercado difícil, que tem um enquadramento fiscal complexo e é muito competitivo, mas também de grande escala e de grandes oportunidades. Acho que [o sucesso] teve a ver com o facto de dominarmos muito bem o nosso modelo de negócio, que não dá azo a grandes criatividades. E preocupamo-nos muito com o controlo do tema fiscal: o Brasil tem uma arquitetura fiscal muito complexa, diferente entre estados, com impostos estaduais, federais e municipais. Isso é um desafio muito grande para as empresas europeias que investem no Brasil.
E que tem igualmente tarifas pesadas sobre a importação de mercadorias.
Sim. Um pressuposto do nosso investimento lá foi o principal parceiro ter uma fábrica no Brasil e, portanto, compramos e vendemos em moeda local, o que obviamente é interessante. E colocamos muito esforço e muito peso na gestão de recursos humanos. Temos colaboradores que estão connosco há 16 anos no Brasil, em quem confiamos e com quem trabalhamos desde então. Temos uma máquina muito oleada e muito eficaz, e trabalhamos com gente que nos dá muita confiança.
A chave é, então, o controlo?
A chave é o controlo, é o domínio do contexto fiscal, perceber que o contexto concorrencial é diferente do europeu, que ter escala é ótimo quando as coisas correm bem, mas é muito mau quando as coisas correm mal. Temos consciência que no Brasil o controlo é importante e é importante também a proximidade. O Brasil tem uma cultura mais próxima da norte americana do que da europeia, e temos de ter isso em consideração. E quando as coisas correm mal, atuar com muita rapidez porque a escala tem esta coisa: ajuda-nos quando está tudo bem, mas quando corre mal, a fatura é pesada.
Outra coisa importante quando se vai para o Brasil é a empresa estar devidamente capitalizada. Porque as coisas nem sempre correm como esperamos e achamos que, no longo prazo, os períodos bons tendem a superar os períodos maus. Mas é preciso ter capacidade financeira para aguentar os períodos maus, que também os há, como em todas as geografias. São essas as principais razões que podem fazer o sucesso das empresas portuguesas no Brasil. Agora, cada caso é um caso e não tenho a ambição de dar conselhos a ninguém.
Onde é que experimentam os novos negócios?
Em Portugal. Portugal é um ótimo mercado para testar modelos. É um mercado em que temos raízes muito profundas, em que temos muita proximidade aos negócios e no qual normalmente fazemos experiências, em que testamos operações. Portugal tem essa magia: é um país em que as pessoas são muito abertas a novos processos, fórmulas e negócios. E a partir daqui exportamos as novas formas de gerir negócios e a transformação que temos vindo a levar a cabo.
E também a partir daqui, como olha para o estado atual da economia portuguesa? Estamos sempre metidos numa crise qualquer.
Depende dos setores, obviamente, mas acho que as empresas portuguesas estão hoje imunizadas e vivem um bocadinho distanciadas do poder político. Estão habituadas a fazer o seu caminho, de crise em crise. Vejo com agrado o facto de Portugal ter vindo a reforçar significativamente as exportações, a maior parte das empresas percebeu que o mercado português é pequeno e que isso constitui uma limitação ao crescimento. Olham com abertura para a internacionalização e para a exportação. Vejo inúmeras empresas portuguesas a desabrocharem e a serem casos de sucesso internacional.
Mas prefere, então, não seguir o discurso político, sobretudo as fases de maior dramatismo?
A Nors sempre viveu muito distanciada do poder político. Somos muito agnósticos do ponto de vista partidário. Foi sempre esse o posicionamento desde a fundação. Obviamente que, enquanto cidadãos, quer eu, quer todas as pessoas que cá trabalham, não renunciam à sua cidadania e às suas opiniões políticas. Mas quando estão a trabalhar, estão focadas essencialmente no sucesso da empresa para que trabalham e isso é-nos razoavelmente distante.
Vivemos no contexto em que vivemos. Portugal tem muitas coisas a desenvolver. Fazemos parte de associações que visam ajudar Portugal a desenvolver-se, como é o caso da Business Roundtable Portugal (BRP) com quem estamos a colaborar para ajudar Portugal a internacionalizar-se e a fazer crescer as suas empresas. Portugal tem um enorme défice de grandes empresas. Tem um tecido empresarial muito focado em PME, muitas delas microempresas. E precisa urgentemente de fazer crescer as suas empresas, de transformar as pequenas em médias, as médias em grandes e as grandes em empresas globais. Essa é uma das principais debilidades deste país.
Há muitos setores de atividade a precisar de se consolidarem para ganhar essa escala?
Acho que sim. É natural que isso venha a acontecer. A consolidação é algo que vai naturalmente acontecer ao longo dos próximos anos. Portanto, vejo com agrado isso acontecer porque é um processo que ocorreu em muitos outros países da Europa nos últimos anos e Portugal não vai fugir a essa tendência.
Mas que medidas deveriam ser implementadas para impulsionar esse movimento?
Há um conjunto de medidas vastas que têm a ver com a maior eficiência fiscal do país, o setor judicial também tem de melhorar a sua eficiência. Do ponto de vista das empresas, há ainda trabalho a fazer na melhoria do modelo de governo das sociedades. Ou seja, a separação entre aquilo que é posse do capital e aquilo que é gestão. Isso é algo que vem exatamente com a consolidação do setor empresarial, com a criação de empresas maiores, com a profissionalização das empresas. É algo em que Portugal tem caminho a fazer.
As empresas precisam de ser mais bem geridas, é preciso um choque de gestão?
Não se trata de choques. É um processo contínuo que tem a ver com o desenvolvimento do país. Portugal tem quase 50 anos de democracia e o pós 25 de abril foi um período difícil, de enorme destruição de capital e não só. Hoje sinto que o país está a recuperar. É um processo muito progressivo. Há gente de enorme qualidade no país, o ensino e a academia têm feito o seu papel, temos muito mais gente bem formada. E isso vai inevitavelmente ter impactos positivos nos próximos anos. Vai melhorar a forma como as empresas são geridas e como são governadas.
As estatísticas mostram que, em média, os trabalhadores são mais qualificados do que os donos das empresas.
Sim. Portugal tem excelentes trabalhadores e cada vez melhores gestores. Obviamente que tem muitos problemas a resolver, como níveis salariais muitíssimo baixos em quase todos os setores. É um caminho que está a ser feito e esperamos que ao longo dos próximos anos Portugal se aproxime da União Europeia em termos de médias salariais porque isso vai permitir que um conjunto enorme de trabalhadores portugueses regresse e tenha mais oportunidades neste país.
E a estrutura económica nacional aguenta esse volume de aumentos salariais para a média europeia?
Acho que sim. Cada setor é um setor. Acho que isto é um caminho que se faz e sinto que Portugal está a fazê-lo. Se calhar não à velocidade que tanto gostaríamos, mas está a fazê-lo. A internacionalização das empresas e o aumento das exportações têm sido uma peça relevante nesse caminho [de progessão salarial] que estamos a trilhar.
Há ainda trabalho a fazer na melhoria do modelo de governo das sociedades. Ou seja, a separação entre aquilo que é posse do capital e aquilo que é gestão. Isso é algo que vem com a consolidação do setor empresarial, com a criação de empresas maiores, com a profissionalização das empresas.
Falou da destruição de capital a seguir ao 25 de abril. Continua a ser uma economia muito descapitalizada.
Sim, em termos comparativos com outros países europeus. Tendemos a comparar-nos com os melhores países da Europa e ainda bem que o fazemos porque é sinal de ambição. Portugal é um país ainda com menores índices de capital face a outros países da União Europeia. Isso tem um impacto muito relevante porque, na verdade, determina a capacidade de internacionalização e de crescimento das empresas. Para isso as empresas precisam de capital.
Quais os instrumentos que se podiam utilizar?
A capitalização das empresas passa, obviamente, pelo lado fiscal e por taxar as empresas de forma diferente daquela que é feita hoje. Não só [a carga fiscal] é mais elevada do que deveria ser, como é um bocadinho estranho, se queremos capitalizar empresas, estar a taxar agressivamente lucros quando queremos que sejam reinvestidos nas empresas. Há trabalho a fazer nessa matéria.
E depois passa também pela consolidação em vários setores porque ter um tecido empresarial muito atomizado não beneficia muito o seu crescimento. Precisamos de grandes empresas e a consolidação, do meu ponto de vista, vai ser fundamental para que esse processo ocorra. Obviamente que o aumento das exportações também está a fazer esse trabalho e está a ajudar muito ao crescimento das empresas portuguesas. Não há aqui uma fórmula única, é um conjunto de várias iniciativas e de várias tendências que tenderão a reforçar-se.
Como compara a atuação dos bancos em Portugal com aqueles com quem a Nors trabalha noutros países?
A banca em Portugal é um setor muito desenvolvido. Trabalha muito bem, tem um nível de desenvolvimento operacional ao nível ou superior a grandes bancos na Europa. Em certa medida porque grande parte do setor bancário tem sofrido uma grande consolidação nos últimos anos e hoje os bancos pertencem a grandes grupos internacionais. Mas é um setor que funciona bem e tem sido um excelente parceiro para o nosso processo de internacionalização e de crescimento.
Referiu a melhoria da eficiência do setor judicial. Têm muitos processos que se arrastam há anos nos tribunais? E que impacto é que esse fator tem na atração de investimento?
Quem não os tem em Portugal? Como qualquer empresa, temos litigância judicial, essencialmente tributária. Demora muito mais [a resolver] do que seria desejável e isso tem um efeito importante para as empresas. Porque quando discutimos um problema tributário com o Fisco, somos obrigados a prestar garantias bancárias, etc. Isso tem custos associados que poderíamos evitar durante anos e anos. Temos aí um longo caminho pela frente.
Começou por dizer, a propósito da conjuntura de crise, que as empresas estão “imunizadas e vivem um bocadinho distanciadas do poder político”. Porém, não faltam exemplos de empresas nacionais muito penduradas no Estado.
Falo apenas por mim. Temos algumas circunstâncias em que somos fornecedores do Estado, mas não muitas. Somos essencialmente uma empresa que tem relação com entidades privadas e a única coisa que queremos do Estado é que nos facilite a vida. Que cobre os impostos de forma eficiente – tendencialmente, quanto menos melhor -, que não esteja sempre a mudar a legislação fiscal e haja alguma estabilidade, que é algo importante para todas as empresas. O que preciso do Estado é que cumpra bem o seu papel. Não estamos à espera de subsídios, que nunca os tivemos, nem de apoios especiais, nem nada que tenha a ver com isso. Aquilo que queremos é que nos facilite a vida e que melhore a vida dos portugueses.
Considera que há um peso excessivo do Estado na economia?
[Pausa]. Acho que o Estado está em setores… Quando vemos o número de funcionários públicos num país como Portugal [745.707 no segundo trimestre, segundo a Direção-Geral da Administração e do Emprego Público] parece-me um bocadinho demais. Mas, por outro lado, há setores que precisam de melhorar significativamente, como a saúde ou o setor judicial. Não sei se isso se resolve necessariamente só com mais dinheiro.
Mas há setores económicos dos quais retiraria o Estado? Foi há poucos dias lançada a privatização da TAP.
Como vivo no Porto, tenho uma relação mais difícil com a TAP. Sendo uma empresa que se diz estratégica, então era importante que tivesse uma maior dispersão de slots e mais linhas para o Aeroporto Sá Carneiro, que é de onde saio na maior parte dos casos. Mas também percebo a sua concentração em Lisboa, porque do ponto de vista económico é inviável ter uma enorme dispersão de linhas para outros aeroportos. A privatização é absolutamente necessária. Não percebi muito bem os avanços e recuos, mas, passando à frente dessa questão, quanto mais rapidamente a privatizarem, melhor.
Treme quando ouve os políticos portugueses falar em empresas estratégicas, como fez na Efacec, quando foi nacionalizada, e cuja reprivatização ainda está por fechar?
Não gosto muito, na verdade. Não costuma correr bem. E basta olharmos para os casos reais. O histórico mostra que o Estado não tem sido, na maior parte dos casos, um bom gestor. Do meu ponto de vista, era bom que o Estado se concentrasse na gestão daquilo que devem ser as suas principais responsabilidades: a saúde, os tribunais, a segurança, o ensino público e por aí fora.
Privatização da TAP é absolutamente necessária. Não percebi muito bem os avanços e recuos, mas, passando à frente dessa questão, quanto mais rapidamente a privatizarem, melhor.
Como se pode melhorar a produtividade das empresas em Portugal?
Diria que a principal alavanca é a qualificação dos trabalhadores, que depois terá impacto, obviamente, na qualidade da gestão e do governo das sociedades. Para mim, trabalhadores são todos. São todos os níveis hierárquicos das empresas. Não estou tão preocupado com os níveis técnicos; Portugal tem bons técnicos e gente de enorme qualidade a sair das universidades e isso será certamente uma alavanca para a produtividade das empresas. Tem de haver uma separação mais clara entre aquilo que é a posse do capital e a sua gestão.
Qual é o seu grau de preocupação com o atual cenário de subida dos custos financeiros?
A subida das taxas de juro tem impactos muito relevantes em toda a gente, não só nas empresas como nos particulares. Olho com preocupação para aquilo que pode vir a acontecer nos créditos à habitação. Tem sido também muito penalizador para as empresas, que não têm alternativa a não ser refletir nos custos de produção o aumento dos custos de financiamento – e depois isto vai gerando inflação. Claro que esta subida de taxas de juro tende a arrefecer a economia e é isso que se pretende, mas tem impactos demolidores nas empresas e muito também nos particulares. Parece-me que chegámos ao ponto máximo tolerável de taxas de juro.
Temos uma atividade muito dispersa do ponto de vista internacional e países em diferentes estágios. Por exemplo, o Brasil está já numa senda de redução de taxas de juro, atingiu o pico mais cedo. Na América do Norte também começaram mais cedo [a subir as taxas]. Mas obviamente que a subida das taxas de juro tem um impacto muito relevante dentro daquilo que é procura. Sentimos que a procura não está tão aquecida como no ano passado e no início deste ano.
Esse arrefecimento da procura reflete-se também nas vendas do grupo em Portugal?
Também. Não tanto, porque Portugal tem sido compensado pelo aumento de exportações, que no nosso setor é muito relevante porque puxa pelas necessidades de camiões e de máquinas de construção. Mas na área B2C [Business to Consumer], mais ligada aos automóveis, a procura tem arrefecido.
E há várias nuvens no horizonte, como a recessão na Alemanha e a instabilidade em vários pontos do globo.
Honestamente, vamo-nos preocupando mais com outro tipo de questões, como a grande transformação no nosso setor, com a digitalização, com as mudanças de hábitos do consumidor, com o equipment as a service, etc., do que propriamente com os contextos macroeconómicos de cada país. Porque, na verdade, em 90 anos de história já passámos por muita coisa – guerras mundiais, revoluções, a crise do subprime, a guerra na Ucrânia -, portanto, vamo-nos ajustando e gerindo em função do contexto que se vai verificando. Porque se vivemos obcecados com os contextos macroeconómicos pontuais, não conseguimos evoluir.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
“Não costuma correr bem quando os políticos falam em empresas estratégicas”
{{ noCommentsLabel }}