Sultan al-Jaber, o homem do petróleo no Dubai que lidera a cimeira do clima da ONU

Ensombrado pelo histórico do país e pela carreira à frente da petrolífera estatal, al-Jaber tem pela frente 12 dias de negociações com os líderes mundiais. Fim aos fósseis estão no topo da agenda.

Quando, em janeiro, os Emirados Árabes Unidos anunciaram que Sultan al-Jaber iria liderar as negociações na cimeira do clima das Nações Unidas deste ano (COP 28), a notícia foi recebida com surpresa e alguns elogios. Mas as duras críticas ecoaram mais alto.

“Al Jaber não pode presidir a um processo que tem como objetivo enfrentar a crise climática, ao mesmo tempo que lidera uma indústria que é responsável pela crise“, afirmou Tasneem Essop, presidente da organização não-governamental Climate Action Network. “É como ter um dono de uma tabaqueira à frente de uma campanha de prevenção do cancro do pulmão“, reagiu a organização ambientalista, 350.org. “Entregaram as chaves do galinheiro à raposa“, comentou a ActionAid. “É completamente ridículo“, apontou a ativista sueca, Greta Thunberg.

Para uns, Jaber — formado pela Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, e pela Universidade de Coventry, em Inglaterra — foi uma escolha promissora para liderar as negociações sobre o clima, no Dubai. Em 2006, na altura com 33 anos, foi fundador e CEO da Masdar Clean Energy, uma empresa estatal de energia renovável dos Emirados Árabes Unidos (EAU) — sendo atualmente chairman da companhia.

Desde então, os EAU investiram fortemente na energia nuclear — tendo inaugurado, em 2020, a primeira central árabe de última geração do país — e nas energias renováveis. Foi pelas mãos de al-Jaber que se deu início à construção da Cidade de Masdar, um hub empresarial e tecnológico situado nos arredores da cidade de Abu Dhabi, alimentado por uma central fotovoltaica de 100 megawatts. O objetivo é fazer daquela a primeira cidade do mundo neutra em carbono e 100% sustentável a nível de recursos, nas próximas décadas.

Além de apostar no país — tendo assumido um compromisso de instalar 100 gigawatts (GW) de energia renovável naquela cidade até 2030 — a Masdar já investiu em 40 países, tendo inaugurado mais recentemente projetos fotovoltaicos na Arménia e no Uzbequistão.

Mas para outros, há um problema incontornável. Jaber é também o CEO da ADNOC, a companhia petrolífera nacional dos EAU — a 16ª maior do mundo — que mantém as intenções de alcançar uma produção de cinco milhões de barris por dia até 2027.

À frente da ADNOC, Al Jaber captou 26 mil milhões de dólares em investimentos internacionais de empresas como a BlackRock, a petrolífera italiana Eni e o fundo de investimento norte-americano KKR.

Antes de iniciar a jornada na Masdar, Al Jaber começou a sua carreira como engenheiro na ADNOC, tendo subido a CEO a 15 de fevereiro de 2016. Desde então, a petrolífera concretizou vários investimentos no país, e no estrangeiro, e chegou mesmo a atrair cerca de 26 mil milhões de dólares em investimentos internacionais de empresas como a BlackRock, a petrolífera italiana Eni e o fundo de investimento norte-americano KKR, estima a Reuters. Afinal, os Emirados Árabes Unidos são um dos maiores produtores de petróleo do mundo, integrando a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP).

É o facto de ser um homem com um pé em cada mundo — o dos combustíveis fósseis e o das energias renováveis — que levou o enviado especial dos EUA para o clima a apontá-lo como “o homem certo no lugar certo para dirigir os trabalhos da COP 28“.

Ele e a sua equipa estão empenhados em trazer para a mesa de negociações outros interesses relacionados com o petróleo e o gás, e penso que precisamos disso”, cita o The Intercept, as declarações de John Kerry que defendeu a capacidade de Jaber de encontrar soluções e liderar negociações difíceis.

E, no início, tudo parecia indicar que o líder árabe estava comprometido em fazer desta cimeira do clima aquela em que os compromissos iam mais além. Era sob a sua alçada que se iria procurar encontrar um compromisso que visa eliminar progressivamente o consumo e produção de combustíveis fósseis até 2050 — matéria que até hoje não reúne consenso entre os líderes mundiais.

Em março, dois meses depois de ter sido apresentado como presidente da COP 28, Jaber viajou para o Texas, nos EUA, para discursar num evento da indústria, onde apelou aos patrões mundiais dos combustíveis fósseis para que se juntassem na luta contra as alterações climáticas, repescando a famosa frase do astronauta norte-americano: “Houston, temos um problema“.

Desde então, tem trabalhado com 20 empresas para traçar esse caminho, tendo recebido, em outubro, em Abu Dhabi, mais de 60 investidores dos setores do petróleo e do gás, do cimento, do alumínio e outras indústrias pesadas, com o objetivo de os “alistar” na luta contra as alterações climáticas. Isto facilitaria um acordo quanto aos combustíveis fósseis na COP. , p

Al-Jaber parecia ter conseguido abafar as preocupações de que a presidência da cimeira do clima estaria comprometida. “Um tamanho único não vai funcionar, por isso temos que ir mais além nos compromissos”, disse à Reuters em outubro. “Devemos aumentar a ambição e manter a meta de 1,5 como a nossa estrela polar para que ninguém a perca de vista.”

“Devemos aumentar a ambição e manter a meta de 1,5 como a nossa estrela polar para que ninguém a perca de vista.”, diz Al Jaber.

Mas dias antes de a cimeira arrancar, rebenta a controvérsia. De acordo com a BBC, os Emirados Árabes Unidos (EAU) estarão a planear usar o seu papel de anfitrião como uma oportunidade para fechar negócios ligados ao petróleo e ao gás com pelo menos 15 países, embora o país tenha negado tal intenção ao jornal britânico.

Numa investigação conduzida pela publicação, em colaboração com jornalistas independentes do Centre for Climate Reporting, estarão em cima da mesa “pontos de discussão” a serem abordados entre a ADNOC com partes da China, Colômbia, Alemanha e Egito, e oportunidades ligadas à exploração de gás natural liquefeito em Moçambique, no Canadá e na Austrália. Este foi o tema que marcou o início da conferência.

Essas alegações são falsas, não são verdadeiras, são incorretas e não são precisas”, vincou al-Jaber a um grupo de jornalistas reunido para uma conferência de imprensa, esta quinta-feira, no Dubai. “Juro que nunca vi esses pontos de discussão que são referidos nem nunca usei esses pontos de discussão nas minhas discussões”, afirmou.

À esquerda, o presidente da COP 28, Sultan Ahmed Al Jaber, COP28 e à direita o diretor-geral da COP 28 Majid Al Suwaid, Dubai.

Apesar de não ter começado a conferência com o pé direito — e as motivações dos EAU e de al-Jaber ainda não terem ficado esclarecidas –, certo é que pelo menos a promessa de querer materializar compromissos assumidos em cimeiras do clima anteriores parece estar a ser cumprida. Esta quinta-feira, os líderes mundiais deram o primeiro passo na materialização do fundo de Perdas e Danos, angariando cerca de 400 milhões de euros. Este mecanismo destina-se a apoiar países vulneráveis a enfrentar as consequências das alterações climáticas. O fundo, acordado na COP 27, no Egipto, é um tema em discussão entre os líderes mundiais há 30 anos.

O facto de termos conseguido alcançar este marco no primeiro dia da COP é, de facto, histórico e sem precedentes“, afirmou o presidente árabe, em conferência de imprensa. “Já fui a 12 COP e acho que em nenhuma senti este nível de entusiasmo e compromisso entre todas as partes envolvidas”.

Ao todo, foram alocados 400 milhões de dólares destinados a este fundo, a maior fatia proveniente o país anfitrião e da Alemanha: 100 milhões de dólares.

“Hoje, o mínimo era garantirmos 200 milhões de dólares, e conseguimos 400 na primeira hora”, acrescentou ainda al-Jaber, mostrando-se confiante de que até ao último dia da cimeira, mais governos alocarão verbas a este fundo. “O trabalho sério começa agora“, rematou.

Além de estarem a ser reunidas as verbas, também serão definidas as regras, nomeadamente, quem irá pagar e com base em que critérios; qual o teto mínimo deste fundo; a que mecanismos os países mais ricos podem recorrer para recolher as verbas; se o contributo será obrigatório ou voluntário, e que prazos serão definidos. Certo, é que o objetivo é que as verbas comecem a ser distribuídas já no próximo ano. Estes desenvolvimentos só serão oficializados quando o presidente bater o martelo no fecho da conferência, marcado para 12 de dezembro.

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