Aumentar a competitividade da indústria através dos serviços

  • Rui Soucasaux Sousa
  • 5 Janeiro 2024

Cada vez mais empresas industriais adotam estratégias de servitização como forma de diferenciação competitiva e subida nas cadeias de valor globais.

O peso da indústria nas economias europeias tem vindo a cair, muito em parte devido à concorrência de países de mais baixo-custo localizados na Ásia. Pelo contrário, o peso do setor dos serviços tem crescido. Em Portugal, os serviços representam cerca de 65% da economia, sendo impulsionados em grande medida pelo turismo. O setor do turismo tem a vantagem de gerar exportações, mas tem também fragilidades, como seja a de assentar, em geral, em mão-de-obra pouco qualificada, assim como a de ser volátil, quer a nível sazonal, quer a nível de choques externos (e.g., guerras, terrorismo, crises sanitárias).

Neste contexto, nas últimas décadas tem-se discutido formas de aumentar o peso do setor industrial, considerando-se que é uma âncora importante para a resiliência e crescimento das economias, nomeadamente através da sua capacidade exportadora. Esta discussão tem-se focado numa dicotomia indústria-serviços, que é algo simplista e equivocada. Em particular, esquece a existência de uma terceira via que potencia sinergias entre as atividades de manufatura e de serviços: a servitização da indústria. Tal consiste essencialmente em os fabricantes competirem através de ofertas integradas de produtos e serviços avançados (ou “soluções”), e não apenas com base nos produtos. Por exemplo, o fabricante de veículos pesados MAN oferece aos seus clientes – empresas de logística – contratos por resultados, nos quais mantém a propriedade dos camiões e os clientes pagam uma taxa fixa por Km percorrido. Em troca, o cliente recebe uma gama de serviços de manutenção preventiva, análise do comportamento do motorista e consumo de combustível, permitindo a otimização das suas operações de transporte.

Os modelos de negócio industriais assentes em serviços avançados apresentam diversas vantagens. Primeiro, permitem desenvolver relações próximas com os clientes, obtendo informação valiosa sobre as necessidades e problemas de cada um. Este conhecimento pode ser usado para desenvolver propostas de valor diferenciadas para cada cliente e é uma fonte importante de inovação, quer para os produtos, quer para os serviços. Esta vantagem é crítica num mundo em que existe uma comoditização crescente dos produtos.

Segundo, como a prestação de serviços exige proximidade geográfica e interação com os clientes, estes modelos são de mais difícil replicação por fabricantes localizados na Ásia, propiciando margens mais elevadas. Ainda assim, os serviços podem ser facilmente prestados e exportados por fabricantes dentro do mercado europeu. Ao contrário do turismo, os serviços industriais avançados têm como base o conhecimento e a inovação, compreendem elevados níveis de digitalização (e.g., plataformas na cloud e analytics) e são de grande valor acrescentado.

Terceiro, o estabelecimento de contratos de serviço de longa duração com os clientes leva a maior estabilidade nas receitas e resiliência em ciclos económicos adversos. Por exemplo, numa crise económica, uma empresa de logística que seja cliente da MAN pode suspender a aquisição de camiões, mas continuará a pagar à MAN pela utilização que faz dos veículos no âmbito do contrato existente.

Finalmente, a servitização pode contribuir para a redução do impacto ambiental dos produtos. No modelo de negócio descrito acima, a taxa cobrada aos clientes pela MAN inclui serviços de manutenção preventiva e formação aos condutores sobre condução económica, que têm vantagens ambientais diretas. Adicionalmente, como a MAN fica responsável pelo bom funcionamento dos veículos e pelos custos associados ao longo da sua vida (incluindo a recolha e reciclagem no fim da vida), esta empresa terá um maior incentivo para conceber produtos mais fiáveis, eficientes no uso, duradouros e de fácil manutenção e reparação. Poderá também haver partilha de um mesmo veículo entre vários clientes. Por exemplo, quando termina o contrato com um cliente específico, o veículo pode ser recuperado pela MAN e disponibilizado a um outro cliente. Verifica-se assim que, com estes modelos, o número total de veículos em circulação necessários para servir o mercado é inferior ao modelo tradicional em que a posse está com o cliente. Deste modo, a servitização pode ser uma componente importante da economia circular.

Por tudo isto, cada vez mais empresas industriais adotam estratégias de servitização como forma de diferenciação competitiva e subida nas cadeias de valor globais. A nível nacional, tais estratégias contribuem para o crescimento do valor acrescentado no setor dos serviços, diminuindo a dependência do país do turismo. O leitor interessado poderá saber mais consultando o eBook A Servitização da Indústria – Como Competir através dos Serviços.

  • Rui Soucasaux Sousa
  • Professor catedrático e diretor do Service Management Lab

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