Empresas já usam inteligência artificial para recrutar trabalhadores certos

Inteligência artificial já filtra currículos e até realiza entrevistas a candidatos, acelerando recrutamento. Especialistas apelam, porém, a equilíbrio e vincam relevância do contacto humano.

O recrutamento de trabalhadores já não é o que era. E a culpa é da inteligência artificial. A empresa portuguesa PHC Software foi motivo de notícia ao ter anunciado que iria aplicar essa tecnologia à busca de novos talentos. E não é caso único. Os especialistas ouvidos pelo ECO explicam que essas ferramentas tecnológicas dão um contributo precioso na filtragem de candidaturas, mas também servem para criar, por exemplo, guiões de entrevistas personalizados. Tudo para que o empregador encontre o trabalhador certo.

“A presença e influência da inteligência artificial nos processos de recrutamento tem sido uma presença crescente nos últimos anos, e ganhou ainda mais destaque recentemente“, relata Pedro Amorim, corporate sales director do ManpowerGroup.

De acordo com um estudo feito por essa empresa de recursos humanos, mais de sete em cada dez organizações já aplicam ou planeiam aplicar nos próximos três anos a inteligência artificial ao recrutamento. O objetivo é simplificar, acelerar e otimizar esses processos.

Pedro Amorim detalha que a inteligência artificial tem sido usada, por exemplo, na triagem de candidaturas, identificando palavras-chave e experiências relevantes. Perante um “grande volume de candidaturas“, estas ferramentas permitem fazer uma filtragem inicial, “libertando os recrutadores para analisar os currículos de forma mais eficiente”, sublinha o especialista.

Ou seja, não é que os recrutadores humanos sejam eliminados do processo, mas passam a ter mais tempo para se focarem em tarefas de maior relevância, deixando as tarefas mais repetitivas aos robôs.

Podemos afirmar que a Inteligência Artificial está a revolucionar o recrutamento em duas frentes principais. A primeira, já estabelecida, envolve a filtragem automática de candidaturas.

Ricardo Parreira

CEO da PHC Software

Ricardo Parreira, CEO da PHC Software, concorda, realçando que uma das frentes nas quais a inteligência artificial está a “revolucionar o recrutamento” é na filtragem automática de candidaturas.

Uma segunda frente, frisa o responsável, é a potencialização da eficácia dos recrutadores. Em concreto, a inteligência artificial já é capaz de preparar guiões de entrevista personalizados, avaliar respostas durante as entrevistas, criar anúncios de emprego e até enviar emails personalizados aos candidatos, enumera Ricardo Parreira.

“Torna-se até possível eliminar o ‘silêncio’ que muitas vezes é referido, com a falta de resposta às candidaturas, o que melhoraria consideravelmente a experiência dos candidatos“, corrobora Gonçalo Vilhena, CIO Randstad Portugal.

Outro dos reflexos da inteligência artificial nos processos de recrutamento é a criação de chatbots, que fazem as primeiras entrevistas aos candidatos, de modo a fazer uma pré-seleção. Assim, aos recrutadores humanos cabe apenas entrevistar os candidatos que realmente encaixam no perfil pretendido.

“Ao haver acesso a mais informações acerca do perfil de uma forma mais rápida, vai permitir aos recrutadores uma maior qualidade no fecho dos processos, garantindo, assim, que encontra os melhores talentos para as funções pedidas”, salienta Gonçalo Vilhena.

Nem todos os candidatos estão entusiasmados com IA no recrutamento

Tim Gouw via Unsplash

Sim, a aplicação da inteligência artificial pode, apontam os especialistas, melhorar os processos de recrutamento, tornando-os mais rápidos e eficazes. Mas nem todos os candidatos veem com “bons olhos” a implementação deste tipo de ferramentas.

Aliás, no referido estudo feito pelo ManpowerGroup, somente 38% dos profissionais disse sentir-se confortável com a possibilidade de ter a sua candidatura revista inteiramente pela inteligência artificial. E um terço dos inquiridos “discordou fortemente da opção de não terem qualquer interação humana até à entrevista final”.

Ivo Bernardo, partner da DareData Engineering (considerada a empresa portuguesa de inteligência artificial com maior crescimento, segundo o ranking da Clutch), avisa que é importante ter em conta as diferenças entre setores, e até entre candidatos.

Por exemplo, a abertura sentida entre os candidatos da área da saúde — setor que se baseia “no contacto humano e no cuidado”, diz — tende a divergir da sentida entre os candidatos da área tecnológica. Estes últimos “mostram-se mais entusiasmados com o poder da inteligência artificial no recrutamento e acabam por estar mais abertos à implementação desta tecnologia no processo“, argumenta Ivo Bernardo.

Independentemente do setor, importa saber equilibrar. Não devemos caminhar num sentido em que os processos passem a ser totalmente baseados em inteligência artificial.

Fernando Matos

Partner e co-fundador da Closer Consulting

Fernando Matos, cofundador da consultora de base tecnológica Closer Consulting, confirma: “os candidatos têm recebido de maneira variada esta transformação. Alguns valorizam a rapidez e a eficiência que a tecnologia proporciona, enquanto outros podem sentir falta do elemento humano e da personalização no processo de recrutamento, pelo menos em fases mais iniciais”.

Perante este cenário, os especialistas recomendam ponderação, isto é, há que aproveitar as potencialidades da inteligência artificial, sem esquecer a “importância de manter o elemento humano“, recomenda Ivo Bernardo.

“Independentemente do setor, importa saber equilibrar. Não devemos caminhar num sentido em que os processos passem a ser totalmente baseados em inteligência artificial. A conversa face a face é essencial. A aferição de fit [encaixe] cultural e de empatia entre o candidato e a organização passa sempre por uma conversa com membros da organização“, concorda Fernando Matos.

Tecnologia acaba ou agrava enviesamentos?

D.R.

Despida dos preconceitos que os recrutadores humanos acumularam nos seus muitos anos de experiência, pode a inteligência artificial dar ou não um contributo relevante para uma busca de talento menos enviesada? O CEO da PHC Software está otimista. Mas há quem alerte que a própria tecnologia pode ser enviesada, uma vez que foi criada por humanos, sendo preciso monitorizá-la.

“Uma preocupação central relaciona-se com a possibilidade de enviesamento do algoritmo, no sentido em que pode inadvertidamente perpetuar preconceitos existentes no processo de seleção. Lamentavelmente, sabemos de casos nos quais ferramentas de inteligência artificial resultaram em discriminação contra mulheres ou grupos étnicos e raciais minoritários“, alerta Pedro Amorim, do ManpowerGroup.

Foi o que aconteceu na Amazon. A gigante do comércio eletrónico adotou uma ferramenta tecnológica para agilizar o recrutamento, mas acabou por ter de a colocar de lado, após perceber que as mulheres estavam a ser discriminadas. Isto porque o computador tinha sido treinado com base em padrões registados em candidaturas submetidas nos últimos dez anos, período em que eram sobretudo os homens a enviar o currículo.

É importante que exista uma monitorização constante e um ajuste desses algoritmos, de forma a garantir-se uma avaliação justa e imparcial dos candidatos.

Pedro Amorim

Corporate sales director do ManpowerGroup

“É importante que exista uma monitorização constante e um ajuste desses algoritmos, para garantir-se uma avaliação justa e imparcial dos candidatos”, defende, por isso, Pedro Amorim. E refere que a legislação que a União Europeia está, neste momento, a debater vai exatamente nesse sentido.

Ivo Bernardo, da DareData Engineering, assegura que, à partida, os algoritmos “não estão atentos ao género, etnia ou outra questão de diversidade”. Mas admite: “a menos que sejam treinados para isso“.

Por outras palavras, o responsável sublinha que a inteligência artificial ao ser aplicada ao recrutamento pode dar um contributo relevante para aumentar a diversidade nas equipas, já que se foca na experiência do candidato e ignora outras variáveis que levariam à discriminação. Isto desde que as ferramentas tecnológicas sejam criadas e treinadas de forma correta.

Por isso, Pedro Amorim apela: “ao incorporar novas tecnologias no recrutamento, é vital estabelecer práticas éticas, garantir transparência nos processos, promover a igualdade e preservar a sensibilidade humana nas decisões finais“.

Num mundo do trabalho em transformação, há que manter, assim, alguma moderação entre as múltiplas potencialidades da inteligência artificial e o contacto humano. “O equilíbrio entre a eficiência tecnológica e os valores éticos é essencial para um recrutamento bem-sucedido“, remata o responsável do ManpowerGroup.

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