Fed deixa caminho aberto para cortar juros em maio
A Fed quer ter maior confiança sobre a tendência de descida da inflação, que não deverá receber antes de março, pelo que o início do ciclo de descida de juros nos EUA só deve acontecer em maio.
A Reserva Federal dos Estados Unidos (Fed) deu mais um passo em direção ao alívio da política monetária depois de um agravamento sem precedentes nos últimos 40 anos, embora a necessidade de maior confiança sobre a descida da inflação indique que os cortes de juros não devem surgir já na próxima reunião de março.
O comunicado do Comité Federal do Mercado Aberto (FOMC) e as declarações do presidente Jerome Powell foram bem explícitas sobre qual será o próximo movimento do banco central, embora deixando em aberto o timing em que vai surgir o primeiro corte de juros, o que deixa margem para o banco central ajustar as decisões à evolução dos dados económicos.
Pela primeira vez desde que parou de subir os juros (julho do ano passado), a Fed deixou de mencionar a necessidade de voltar a agravar a política monetária. Pelo contrário, fez referência direta ao corte de juros, salientando que só avança quando existir maior confiança sobre a descida sustentável da inflação em direção à meta dos 2%.
Powell reforçou esta mensagem, afirmando que as taxas de juro já terão atingido o pico, a trajetória da inflação é positiva, mas será necessário confirmar que está a caminho da meta para a Fed avançar com cortes de juros. Sem fechar a porta a uma descida na próxima reunião, o presidente da Fed fez questão de frisar que cortar os juros a 20 de março “não é o cenário mais provável”.
“As declarações do FOMC foram bem mais arrojadas que na última declaração de dezembro. Reconhecendo os bons dados económicos, mas identificando uma desaceleração do crescimento dos dados de emprego e um alívio das pressões inflacionárias, embora sem atingir o target de 2%”, comenta Mário Martins, analista da ActivTrades.
Descida em maio é “mais provável”
A evolução robusta da economia e do mercado de trabalho dá margem para a Fed ser mais cautelosa na inversão da política monetária, pois o desejado cenário de aterragem suave da economia não parece estar em causa. Por outro lado, a inflação persiste numa trajetória descendente, mas continua acima da meta do banco central, dando argumentos à Fed para esperar por mais dados para validar que a inflação vai mesmo a caminho dos 2%.
O índice de preços no consumidor registou uma subida homóloga de 3,4% em dezembro, enquanto o indicador que exclui alimentos e energia aumentou 3,9%. Anualizando os dados dos últimos seis meses, a inflação subjacente já está a subir a um ritmo de 2%. Powell reconheceu que os números dos últimos seis meses foram positivos, mas realçou a incerteza que persiste e a necessidade de ganhar mais confiança sobre o alívio dos preços.
Questionado de forma insistente sobre o que é necessário para que a Fed o ciclo de corte de juros, Powell carregou na tecla da necessidade de maior confiança na tendência de descida da inflação, uma condição que dificilmente será cumprida a tempo da reunião de 20 de março. Até lá, serão publicados os dados de janeiro e fevereiro.
Já na reunião seguinte, agendada para 1 de maio, os responsáveis da Fed terão mais leituras de inflações mensais e indicadores de atividade económica, bem como as novas projeções macroeconómicas atualizadas da Fed. Se o corte em março parece agora pouco provável, a primeira redução em maio está a ganhar força.
A Fed “não parece ter pressa em cortar as taxas de juro”, pelo que “pensamos que maio, e não março, é o ponto de partida mais provável para o início do alívio da política monetária”, comentam os economistas do ING, salientando ainda assim que estão a ganhar força os “argumentos para uma decisão mais célere”.
Depois do erro cometido em 2021, de classificar a alta da inflação como transitória, “a última coisa que a Fed quer fazer é errar novamente num ponto de viragem fundamental, aliviando [a política monetária] demasiado cedo e demasiado rápido, reacendendo as pressões inflacionistas”, acrescentam os economistas do banco dos Países Baixos.
Caso avance com o corte de juros em maio, a Fed iniciará o ciclo de alívio da política monetária mais de dois anos depois do primeiro agravamento do atual (março de 2022). Será também o primeiro corte de juros em quatro anos (abril de 2020).
Cortes em todas as reuniões a partir de maio
A Capital Economics estimava a primeira descida de juros em março, sendo que alterou para maio após as conclusões da reunião desta quarta-feira. “Tendo em conta a orientação surpreendentemente explícita fornecida por Powell, esperamos agora que o primeiro corte das taxas da Fed ocorra na reunião do início de maio, e não em meados de março”, refere o economista da consultora para a América do Norte, Paul Ashworth.
A Capital Economics sustenta esta previsão com base na declaração de Powell, que vincou a importância de acertar numa decisão altamente consequente de iniciar o alívio de uma política monetária restritiva. Estas palavras sugerem que, “apesar de termos apertado no gatilho demasiado cedo”, com a previsão de cortes em março, “estamos corretos em antecipar o corte de 25 pontos base em todas as reuniões seguintes”, diz Paul Ashworth. A consultora estima assim uma baixa acumulada de 150 pontos base este ano, com a taxa de juro a descer até 3,00%-3,25% em meados de 2025.
O ING também estima cortes de 150 pontos base este ano e mais 100 pontos base em 2025, num total de 250 pontos base que levará a taxa de juro até a 3% em meados de 2025. Neste cenário, a taxa de juro atingirá um nível neutral, “mas se a economia entrar num período mais problemático, há espaço para cortes bem mais profundos do que estamos a estimar”, refere o ING.
“Ficou claro que a Fed não tem pressa em aliviar tão rapidamente como mercados estão à espera, sendo ainda necessários mais dados promissores sobre a inflação para desbloquear a primeira redução de juros”, comentou à Reuters Michael Brown, analista da Pepperstone.
“Com um crescimento económico estável, é expectável que os responsáveis da Fed aguardem por mais evidências de uma tendência sustentada da inflação antes de decidirem qualquer alteração na política monetária”, comenta Whitney Watson, da Goldman Sachs Asset Management, aconselhando os investidores a aproveitarem os níveis atrativos das yields das obrigações e posicionarem-se para o início do ciclo de descida de juros.
“Powell referiu explicitamente que em março não deverá ocorrer um corte, o que mudou radicalmente o sentimento em Wall Street, dado que o mercado desde o início do ano que confiou nesse cenário” de cortes em março, assinala Mário Martins, acrescentando que “o foco da Fed continua a ser a contenção da inflação e os bons dados económicos dão margem de manobra tanto para redução de ativos como manutenção da taxa de juro”.
O índice S&P500 desceu 1,6%, na desvalorização diária mais acentuada desde setembro que foi também motivada por resultados da Alphabet e Microsoft que dececionaram os investidores.
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