Aumento dos salários prometido pelos partidos “só será realista se produtividade melhorar”
Da direita à esquerda, os partidos têm prometido pôr os salários a crescer mais, se saírem vitoriosos da ida às urnas de 10 de março. Economistas avisam que é preciso que produtividade aumente.
- O ECO vai divulgar 5 séries semanais de trabalhos sobre temas cruciais para o país, no período que antecede as eleições legislativas de 10 de março. Os rendimentos das famílias, o crescimento económico, a crise da habitação, o investimento em infraestruturas e os problemas da Justiça vão estar em foco. O ECO vai fazer o ponto da situação destes temas, sintetizar as propostas dos principais partidos e ouvir a avaliação dos especialistas.
Falta pouco mais de um mês para as eleições legislativas e, por isso, os partidos já têm revelado o que propõem para o país. Da esquerda à direita, não faltam vozes a prometer melhores salários, mas os economistas alertam que tal só será realista, se o país crescer e a produtividade melhorar. Atingir os mil euros de salário mínimo nacional, como pretendem tanto o PS como a Aliança Democrática, não é, portanto, impossível, mas é uma meta que não deve ser pensada de forma isolada, entendem.
Entre 2015 e 2024, o salário mínimo nacional subiu mais de 62%, passando de 505 euros para 820 euros. Ainda assim, tal como já escreveu o ECO, Portugal continua longe dos campeões europeus e até já foi ultrapassado pela Polónia.
Num país marcado por vencimentos que comparam mal com os demais países europeus, e em que um quinto dos trabalhadores ganha o salário mínimo nacional, os rendimentos têm sido um dos temas mais presentes nas promessas dos partidos, de olho na ida às urnas de 10 de março.
A coligação que junta o PSD ao CDS e ao PPM promete que, caso saia vitoriosa, irá aumentar o salário mínimo para, pelo menos, mil euros até 2028. E o PS também defende esse valor.
Em contraste, o Bloco de Esquerda quer que se atinja os 900 euros já este ano. E a CDU reivindica os mil euros a partir de maio. Já o PAN aponta para 1.100 euros até 2028 e o Livre para 1.150 euros.
São estas metas realistas? Os patrões não fecharam a porta a novos aumentos do salário mínimo, mas já alertaram que será preciso que o futuro Governo avance também com contrapartidas – nomeadamente, um alívio fiscal –, que permitam às empresas suportarem, de modo sustentável, estes vencimentos.
Por sua vez, os empresários reunidos na associação Business Roundtable Portugal, pela voz do secretário-geral, Pedro Ginjeira do Nascimento, também não descartam a subida do salário mínimo, mas frisam que, a par disso, é preciso baixar a carga fiscal aplicada aos rendimentos do trabalho.
“Se uma empresa decidir aumentar um trabalhador que ganha o salário mínimo em 150 euros brutos, o seu custo aumenta 186 euros (incluindo TSU). Mas deste valor, o trabalhador só vai receber 64,5 euros (35%) e os restantes 121 euros (65%) são receitas do Estado (Segurança Social e IRS)”, calcula o responsável.
Já entre os economistas, a leitura é a de que o realismo das promessas dos partidos depende do crescimento da produtividade.
Se a produtividade aumentar rapidamente, então porque não aumentar o salário mínimo? Agora, falar sobre o salário mínimo e sem falar do salário médio, parece-me pouco.
“A evolução do salário mínimo deve ser balizada por dois pontos: a evolução do salário médio – não é saudável que esteja muito próximo do salário mínimo ou criam-se problemas às empresas, quanto à valorização dos trabalhadores – e a produtividade“, explica Armindo da Silva, ex-diretor na Comissão Europeia na área do emprego. “Se a produtividade aumentar rapidamente, então porque não aumentar o salário mínimo? Agora, falar sobre o salário mínimo e sem falar do salário médio, parece-me pouco“, insiste.
Já o diretor do gabinete de estudos do Fórum para a Competitividade, Pedro Braz Teixeira, vai mais longe e deixa claro que chegar a um salário mínimo em torno de mil euros no final da legislatura exigirá uma ambição muito maior do que a já expressa pelos partidos, no que toca às reformas estruturais, uma vez que só assim se conseguirão “os crescimentos mais significativos da produtividade” que suportariam os aumentos remuneratórios.
“Esta subida [para mil euros] corresponde a uma subida nominal média de 5,1%, o que, assumindo uma inflação de 2%, corresponde a um aumento real de cerca de 3% em média. Dado que estamos a assistir a uma compressão entre o salário mínimo e o salário médio, seria necessário que o salário médio também subisse em torno de 3%, o que exigiria uma subida da produtividade também em torno desse valor“, detalha o economista.
No entanto, o cenário macroeconómico do PS pressupõe um aumento da produtividade “sempre abaixo de 2%” e o da AD “admite como máximo apenas 2% e só em 2028”, frisa Pedro Braz Teixeira.
Também Paulo Marques, coordenador do Observatório do Emprego Jovem, reconhece que tem havido uma aproximação entre o salário mínimo e o salário médio, mas lembra que chegar aos mil euros até 2028 é até “menos ambicioso do que aquilo que sucedeu entre 2015 e 2024“, período em que, apesar dos aumentos sucessivos da retribuição mínima garantida, o desemprego não disparou, nota.
Salário mínimo subiu mais de 300 euros entre 2015 e 2024
Fonte: Pordata
Na mesma linha, o ex-secretário de Estado Pedro Martins admite que o mercado de trabalho tem absorvido bem esses aumentos, pelo que não descarta a subida do salário mínimo para mil euros.
Deixa, porém, um aviso: um salário mínimo muito elevado poderá ser uma barreira à entrada dos jovens no mercado de trabalho, e estes já são quem mais sofre com o desemprego. Ainda esta semana, o gabinete de estatísticas deu conta que a taxa de desemprego fixou-se em 6,5% em 2023, sendo que entre os jovens foi de mais de 20%.
Portugal está preparado para aumentar o salário médio?
Não é de hoje que os especialistas alertam para os perigos implicados na aproximação do salário mínimo ao salário médio. Conscientes da necessidade de contornar essa dinâmica, vários dos partidos políticos já sinalizaram a intenção de, saindo vitoriosos das urnas, dar atenção também ao salário médio português.
No caso do PS, Pedro Nuno Santos prometeu rever o acordo de rendimentos celebrado na Concertação Social pelo Governo de António Costa, de modo a que ao aumento do salário mínimo possa estar associado o aumento dos salários médios. Já da parte da AD, a promessa é que o salário médio chegará a 1.750 euros até ao final da década, caso esta coligação ganhe as eleições.
“Parece-me ser um objetivo realizável“, sublinha Paulo Marques, referindo-se à proposta da AD. “De outra forma irá aprofundar-se o problema da compressão da estrutura salarial. Por outro lado, o aumento do custo de vida, nomeadamente o relacionado com a habitação, torna cada vez mais urgente a necessidade de um aumento dos salários médios“, diagnostica o também professor universitário.
Este aumento requer obviamente uma aceleração da alteração do perfil de especialização da economia portuguesa, para setores com maiores níveis de produtividade.
Mas para que o salário médio suba é preciso, novamente, olhar para todo o enquadramento, em vez de fazer promessas isoladas. Por outras palavras, há que acelerar a “alteração do perfil de especialização da economia portuguesa, para setores com maiores níveis de produtividade“, entende Paulo Marques.
Produtividade é também a palavra-chave eleita pelo diretor do gabinete de estudos do Fórum para a Competitividade. “Se usarmos o conceito de ganho médio mensal, para que este atinja os 1.750 euros em 2030 seria necessário um aumento nominal médio de 3%, a que corresponde um aumento real de 1%, o que exige um aumento médio da produtividade da ordem dos 1%, o que parece atingível, desde que haja um esforço de melhoria, dado que o aumento médio da produtividade entre 2015 e 2022 foi de apenas 0,6%”, realça.
Da parte dos empresários, Pedro Ginjeira do Nascimento defende que Portugal tem de crescer mais para que os salários melhorem. “Um dos problemas que está na base das baixas remunerações é a reduzida dimensão das empresas portuguesas: o tecido empresarial é maioritariamente composto de microempresas que pagam salários baixos, porque são menos produtivas. Devemos fomentar o aumento da escala das empresas, porque são mais produtivas, mais inovadoras e pagam melhores salários”, considera.
E a melhoria dos rendimentos dos pensionistas, é realista?
À parte dos salários dos trabalhadores, os partidos políticos têm prometido também reforçar os rendimentos dos pensionistas, nomeadamente através do Complemento Solidário para Idosos (CSI). Em causa está uma prestação não contributiva (não resulta dos descontos feitos ao longo da vida) que garante um valor mínimo de rendimento (550,67 euros) aos pensionistas, considerando não apenas as pensões que recebem, mas também o seu património e até, nalguns casos, o rendimento dos filhos do beneficiário.
O socialista Pedro Nuno Santos já assegurou que, conseguindo a vitória a 10 de março, irá eliminar esse último ponto, ou seja, o rendimento dos filhos deixará de contar para o cálculo do CSI, o que “iria alargar o leque de beneficiários e aumentar o valor das prestações“, antecipa Miguel Coelho, ex-vice-presidente do Instituto da Segurança Social.
Na opinião deste especialista, uma vez que não são muitos os beneficiários do CSI (cerca de 135 mil, de acordo com os dados oficiais), essa alteração não teria um impacto significativo ao nível da despesa.
E ainda que, do ponto de vista teórico, entenda que faz sentido o rendimento dos filhos serem tidos em conta (“há um dever familiar relativamente aos progenitores”, diz), do ponto de vista operacional a inclusão desses valores nos cálculos trazem “muitas dificuldades”, afirma Miguel Coelho. “Como não há cruzamento de dados, a inclusão dos filhos depende dos dados disponibilizados pelo beneficiário. É difícil de controlar”, sublinha o mesmo.
É uma medida mais inteligente do que a proposta do Chega, que é um completo disparate. Nem todas as pessoas que recebem a pensão mínima são pobres.
Por outro lado, Luís Montenegro prometeu aumentar o valor de referência dos tais 550,67 euros para 820 euros, numa medida de combate à pobreza entre os mais velhos. O impacto pode ser significativo, admite o ex-vice-diretor do Instituto da Segurança Social, que aponta para 800 milhões de euros de despesa adicional. É um acréscimo significativo, sim, mas “acomodável“, defende, sublinhando que deve ser este o instrumento preferencialmente usado para endereçar as situações de maior vulnerabilidade.
“É uma medida mais inteligente do que a do Chega, que é um completo disparate“, atira ainda Miguel Coelho. O partido de André Ventura prometeu alinhar a pensão mínima com o salário mínimo nacional, num prazo de seis anos.
Se por um lado o CSI tem em conta o património e as outras fontes de rendimento, a pensão não o tem. Resulta somente dos descontos feitos. Logo, há pessoas a receber pensão baixas que não são pobres, alerta o especialista. Além disso, a proposta do Chega distorceria a relação entre contribuições e pensões, gerando um desincentivo aos descontos para a Segurança Social.
A propósito, o professor universitário Jorge Bravo alerta que “não faria sentido que alguém que fez um esforço contributivo” — e que, por isso, recebe uma pensão de velhice — acabasse com um rendimento menor do que quem tem direito ao complemento, afirmou.
De resto, somam-se críticas à proposta do Chega, com os especialistas a avisarem também que poderia levar a um congelamento do salário mínimo, na medida em que todas as vezes que o aumentasse o Governo teria de ponderar que impacto teria isso nas pensões e, à boleia, na sustentabilidade do sistema da Segurança Social.
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