Impostos têm de baixar “de uma forma que se sinta”

O economista Fernando Alexandre defende que o país precisa de uma descida de impostos mais agressiva, mas alerta que isso, por si só, não fará acelerar o crescimento do PIB.

Fernando Alexandre, professor associado de economia da Universidade do Minho, defende descidas agressivas do IRS Jovem e do IRC, em vez de pequenas variações que, “do ponto de vista da perceção dos contribuintes, não tem efeito nenhum”. “Temos que mudar de uma forma que se sinta”, afirma.

O economista, que fez parte do grupo que aconselhou Luís Montenegro na elaboração do programa económico da Aliança Democrática (AD), apoia a redução dos impostos às empresas, sobretudo por uma questão de perceção interna e externa: “Que sentido faz nós termos a fiscalidade para as empresas mais elevada da União Europeia? Não faz sentido. Foi uma decisão ideológica, não tem racionalidade económica.”

O também consultor da Fundação Francisco Manuel dos Santos considera que “a economia portuguesa, nos últimos anos, teve uma transformação estrutural muito importante” com “o aumento do peso das exportações”, um caminho que deve continuar a ser seguido.

O atraso na execução do PRR a nível europeu até pode ser “positivo”. “Numa altura em que temos a Europa com taxas de crescimento mais baixas, o facto de termos muitos países com pressão para executar o PRR pode ser uma forma de estimular a economia europeia”, aponta Fernando Alexandre.

Questionado sobre se o cenário macroeconómico da AD não é demasiado otimista, responde que “Portugal não pode ambicionar crescer muito menos que 3%“.

A economia portuguesa fechou 2023 com um crescimento de 2,3%, que ficou acima do que era esperado quer pelo Governo quer pelo Banco de Portugal. Com o último trimestre a surpreender também pela positiva, isso significa que o desempenho da economia em 2024 pode ser melhor do que aquilo que neste momento se está à espera, que é uma travagem para cerca de 1,5%?

Penso que há essa possibilidade. A economia portuguesa, nos últimos anos, teve uma transformação estrutural muito importante, cuja parte mais visível é a o aumento do peso das exportações. Nós temos hoje muito mais empresas exportadoras, a exportar para mais sítios, mais produtos e com ganhos de quota de mercado. Se tivermos, como começa a ser anunciado, um pouco mais de crescimento do que aquilo que era esperado, é possível que as empresas portuguesas, que estão preparadas para exportar e que têm tido um ótimo desempenho nos últimos anos, possam ter um papel mais importante em 2024 do que aquele que tiveram em 2023.

Sabemos que o investimento público vai ter que acelerar muito nos próximos anos para a execução do PRR. E, desse ponto de vista, talvez o atraso que houve na execução seja, do ponto de vista do ciclo económico, até positivo.

A execução do PRR e o investimento público vão ajudar?

Sabemos que o investimento público vai ter que acelerar muito nos próximos anos para a execução do PRR. E, desse ponto de vista, talvez o atraso que houve na execução seja, do ponto de vista do ciclo económico, até positivo. Numa altura em que temos a Europa com taxas de crescimento mais baixas, o facto de termos muitos países com pressão para executar o PRR pode ser uma forma de estimular a economia europeia. Um programa que foi programado e planeado na sequência da crise da pandemia, com algum desfasamento pode vir agora a revelar-se muito importante para ajudar a Europa a dar a volta. Obviamente que continua a haver muita incerteza.

O maior peso das exportações deixa Portugal mais exposto.

O facto de termos um peso cada vez maior das exportações torna-nos mais dependentes do desempenho das nossas economias vizinhas, em particular. Mas é preciso prosseguir o caminho que tem vindo a ser feito. Os últimos anos foram de facto, bastante positivos, com crescimentos sistemáticos acima da média da União Europeia, com essa força das exportações. Mais importante do que o crescimento de um ano em particular, é perseguirmos o caminho que temos vindo a fazer.

Temos visto, por parte dos partidos, propostas para a redução do IRS e também do IRC. Há uma aposta maior em estimular a procura interna do que a externa. Isso preocupa-o?

Se for uma proposta como aquela que a Aliança Democrática (AD) apresentou de reduzir o IRS para os jovens, há um objetivo mais estratégico do que alimentar a procura interna. É tentar estancar a emigração dos diplomados. E, desse ponto de vista, dado que nós temos uma fiscalidade muito agressiva para níveis de rendimento relativamente baixos, penso que é uma estratégia acertada. Se temos de começar a reduzir impostos, devemos começar a reduzir os impostos sobre os jovens. Eu não tenho dúvidas sobre isso. Pessoas da minha geração, nós já não saímos daqui. Não gosto da carga fiscal que tenho, preferia pagar menos impostos, mas do ponto de vista do desenvolvimento do país é de facto importante dar aos mais jovens a perspetiva de que é possível construir uma vida em Portugal. A fiscalidade tem esse efeito muito negativo sobre os jovens, porque eles observam que os acréscimos de rendimento bruto depois não se traduzem em acréscimos de rendimento líquido.

A discussão sobre termos uma carga fiscal elevada em Portugal é um tema que neste momento é consensual. Para mudarmos isso, temos que mudar de uma forma que se sinta.

A discussão sobre termos uma carga fiscal elevada em Portugal é um tema que neste momento é consensual. Para mudarmos isso, temos que mudar de uma forma que se sinta. Aquelas mudanças que foram sendo feitas ao longo dos anos, em que há uma pequena variação nos escalões, tem um efeito orçamental relativamente reduzido e, do ponto de vista da perceção dos contribuintes, não tem efeito nenhum. Não muda nada. Para podermos mudar o estado de coisas, temos de ter políticas um bocadinho mais agressivas e que diferenciam também os partidos.

Uma proposta que diferencia os partidos nesta área é que a AD defende uma descida da taxa de IRC de forma progressiva até aos 15%, enquanto o PS só tem a intenção de reduzir a tributação autónoma. Há uma aposta mais forte à direita na redução dos impostos às empresas. Essa via é importante para, por exemplo, fomentar o investimento. Ou não é uma variável crítica?

Portugal tem muitos fatores de desvantagem em termos de competitividade internacional. Resultam, desde logo, da posição geográfica e dos custos de transporte para as empresas, e nós não podemos estar sempre a adicionar fatores nos quais temos desvantagem. Ora que sentido faz nós termos a fiscalidade para as empresas mais elevada da União Europeia? Não faz sentido. Foi uma decisão ideológica, não tem racionalidade económica. Eu penso que a Aliança Democrática faz muito bem em concentrar-se na redução do IRC, até para mostrar coerência com aquilo que propôs no passado.

Eu tive a oportunidade, como comentador do programa da Aliança Democrática, de propor precisamente que retomassem o acordo que tinha sido feito com o Partido Socialista em 2013, de redução da taxa nominal para 17%. Era um acordo que estava firmado entre os dois partidos. Nós não temos que ter a taxa de IRC da Estónia ou da Irlanda, mas temos de ter uma taxa de IRC que está alinhada, pelo menos, com a média da União Europeia. E depois dar estabilidade, que é o que falta também. As empresas terem a perceção de que a partir do momento em que fazem um investimento, a fiscalidade se mantém constante durante muito tempo.

Nós não podemos olhar para a nossa fiscalidade e dizer: “na Europa ninguém tem o IRC mais alto que nós”.

É importante para a perceção externa do país?

Uma política como a do IRS para os jovens pode ter muito mais impacto económico. A do IRC é sobretudo de imagem, daquilo que o país quer ser. Ou seja, é um país onde os lucros que são gerados devem ser uma forma de alimentar o crescimento das empresas, o investimento e não olharmos para os lucros como uma apropriação indevida pelas empresas, que deve ser entregue ao Estado. É mudar a perceção, porque do ponto vista de receita fiscal não tem sequer o significado do IRS. Nós não podemos olhar para a nossa fiscalidade e dizer: “na Europa ninguém tem o IRC mais alto que nós”.

Estas medidas, acredita a Aliança Democrática, vão dar um impulso ao crescimento, com previsões que vão até aos 3% em 2027 e 3,4% em 2028. Não é demasiado otimista esse cenário?

Eu acho que Portugal não pode ambicionar crescer muito menos que 3%. Aliás, é o que temos conseguido nos últimos anos. Qualquer partido que não apareça com propostas que conduzam a um crescimento na ordem dos 3%, acho que tem que explicar porque é que não acredita que Portugal pode convergir com Europa. Porque é isso que está em causa. Nós para convergirmos com a Europa temos de ter taxas de crescimento sistematicamente nos 3%.

Não acredito que mudando a fiscalidade, o país passe a crescer. É preciso muito mais do que isso. Mas é a partir desse objetivo, depois ver o que é preciso para termos esse crescimento no PIB de 3%.

A fiscalidade ajuda, mas não chega.

É apenas uma pequena dimensão. Não acredito que mudando a fiscalidade, o país passe a crescer. É preciso muito mais do que isso. Mas é a partir desse objetivo, depois ver o que é preciso para termos esse crescimento no PIB de 3%. Como tive oportunidade de dizer, e é hoje consensual em Portugal e já há largos anos, isso só é possível com um forte crescimento das exportações. Temos que nos concentrar muito nos fatores que são relevantes para o crescimento das exportações. E aí é preciso olhar para uma panóplia de fatores que vão da qualificação ao ambiente económico, à burocracia, à atração de investimento direto estrangeiro. Há muitas dimensões que, conjugadas, podem depois mudar a perceção que os empresários têm do próprio país do que é fazer negócios em Portugal, do que é criar uma empresa, criar emprego e crescer. E também do exterior.

O investimento que nós atraímos também depende da perceção que se tem. Há investidores que virão sempre, de qualquer maneira. Mas nós não queremos todos os investidores. Nós queremos os investidores que ajudem de facto, a transformar a estrutura da economia portuguesa e que geram empregos qualificados, bons salários. Isso exige, de facto, um conjunto de políticas transversais, que vão das infraestruturas aos impostos, à qualificação, ao ambiente económico, à burocracia. É importante ouvir os empresários, porque eles todos os dias chocam com a realidade. Acho que é um exercício que tem que ser feito de uma forma mais sistemática e consequente.

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