Apesar de a crise política gerar alguns receios, os interessados no leilão eólico offshore mantêm-se firmes na intenção de participar. Agora na fase de diálogo, partilham as respetivas expectativas.
Portugal contou, ainda em novembro do ano passado, com 50 interessados em explorar a energia eólica offshore em águas nacionais. Foi anunciado que a fase de diálogo e a definição dos moldes do leilão teriam início este janeiro, e é neste ponto que está o processo. Depois de um pontapé de saída positivo, na avaliação do Governo, os interessados explicam ao Capital Verde o que esperam deste concurso, sublinhando a importância de uma regulação robusta, mas também de tarifas garantidas e de um reforço da rede elétrica nacional.
Nesta fase, o geral dos promotores mostram-se otimistas quanto à futura exploração de eólico offshore em Portugal. O fundo dinamarquês Copenhagen Infrastructure Partners (CIP), que espera investir oito mil milhões de euros num projeto offshore ao largo da Figueira da Foz através do “braço” Copenhagen Offshore Partners, vê “um enorme potencial” neste mercado em Portugal, elogiando o recurso eólico de que o país dispõe.
O mesmo potencial do nosso vento é sublinhado pela Corio, empresa com sede no Reino Unido que já detém um portefólio offshore de 30 gigawatts (GW), mas também pela Equinor, uma gigante dos combustíveis fósseis que está a diversificar o seu portefólio e quer chegar aos 16 GW de tecnologia eólica offshore em 2030. Finalmente, alinha nesta posição a Acciona, focada no setor da energia e parceira da SSE Renewables na corrida ao leilão português. Esta última empresa já tem 20 anos de experiência no fornecimento de energia eólica offshore, e tem 2,5 GW de capacidade em operação em águas do Reino Unido.
A cadeia de fornecimento também é um ponto a favor para a CIP, Elicio — que está a desenvolver projetos offshore na Escócia e em França — e para a energética espanhola Iberdrola, sendo que esta última classifica mesmo a cadeia “ao nível dos melhores exemplos no mercado offshore global”. A BayWa, que prevê um investimento 2 mil milhões a concretizar ao largo de Viana do Castelo, considera a cadeia “estabelecida e adaptável aos desafios do setor”, e destaca também a capacidade da infraestrutura portuária. As condições da infraestrutura marítima também atraem a Corio.
Promotores pedem regulação, tarifas garantidas e acesso à rede
O quadro jurídico existente em Portugal, que permitiu a entrada em operação de um dos únicos três projetos eólicos offshore com tecnologia flutuante que há no mundo, foi ainda destacado pela positiva pela BayWa. Por seu turno, a portuguesa Greenvolt sublinha que “um enquadramento regulatório adequado” é necessário para atrair os melhores projetos para o leilão, e a também portuguesa HEN, especializada em engenharia e eficiência energética, apela à estabilidade e simplificação dos procedimentos regulatórios.
A nossa principal preocupação ou desejo é poder contar com um quadro jurídico definido e um calendário de leilões que nos permita continuar a fazer avançar os nossos projetos.
A Corio sugere que a regulação seja construída com base no conhecimento adquirido em leilões já concretizados noutros mercados. “A nossa principal preocupação ou desejo é poder contar com um quadro jurídico definido e um calendário de leilões que nos permita continuar a fazer avançar os nossos projetos”, conclui a IberBlue Wind, uma joint-venture entre as empresas espanholas Proes Consultores, focada em engenharia, a FF New Energy Ventures (FF NEV), promotora de projetos renováveis, e a irlandesa Simply Blue Group, com experiência em energia eólica offshore.
Esperam-se fundamentalmente incentivos ao nível de uma tarifa adequada.
Mas este pano de fundo não é o único desejo apresentado pelos promotores. “Esperam-se fundamentalmente incentivos ao nível de uma tarifa adequada”, indica o consórcio das empresas Cobra, CME e Tecneira, do grupo Vinci, que tem no currículo o desenvolvimento de 5 gigawatts de energia renovável e, através da Cobra, já conta um parque eólico offshore em operação no Reino Unido, além de mais de uma dezena de gigawatts em desenvolvimento. No entender desta empresa, uma tarifa adequada é aquela que permite viabilizar os projetos, tanto face ao recurso eólico disponível como das exigências da tecnologia flutuante, mas “só após estudos de detalhe e numa fase em que o projeto estar em condições de iniciar a construção se poderá determinar qual a tarifa de venda de energia adequada”.
“O Governo pode oferecer subsídios ou tarifas de compra garantidas para a energia produzida por parques eólicos offshore”, sugere também a HEN, entre os “incentivos que fariam sentido” no âmbito do leilão. A empresa conta que os preços de venda da energia “sejam competitivos o suficiente para atrair investidores, mas também suficientemente altos para garantir a viabilidade económica dos projetos a longo-prazo”. Em comparação com as condições oferecidas no leilão inglês, que ficou recentemente vazio, a HEN acredita que a base de licitação do fator preço deve ser 30% superior em Portugal, “para que o mercado responda de uma forma positiva” ao leilão português.
Os apoios e agilidade ao nível da ligação à rede são essenciais para estes projetos eólicos offshore.
Na visão da Acciona, o Governo desempenha “um papel importante” na redução do risco através da prestação de apoio às receitas, o que pode ser feito através de um Contrato por Diferença (CfD), “tal como utilizado em muitos outros países”, indica a mesma empresa. O montante do apoio, completa, deverá ser determinado pelo leilão, “mas o Governo deve garantir que os limites de preços sejam estabelecidos a um nível que reflita os custos da indústria”. A Iberblue Wind considera “importante a introdução de um sistema de remuneração que permita levar a cabo os projetos com as máximas garantias”.
Outro desejo comum entre vários dos interessados é o de que o acesso à rede elétrica seja apoiado pelo Governo. A Baywa pede que o Governo garanta capacidade suficiente na rede de distribuição elétrica nacional. “Facilitar o acesso à rede elétrica para parques eólicos offshore, incluindo a construção de infraestrutura de transmissão adequada, pode ser fundamental para viabilizar os projetos”, defende ainda a HEN. A CME espera incentivos também neste capítulo, incluindo em relação aos futuros cabos submarinos e subestações offshore.
“Os apoios e agilidade ao nível da ligação à rede são essenciais para estes projetos eólicos offshore”, alerta a empresa, considerando que o investimento do Estado na rede de transporte, tanto onshore como offshore, “terá um papel fundamental”.
Primeiro direito ao mar, depois as tarifas
No que toca ao modelo a adotar no leilão, a maioria dos promotores contactados pelo Capital Verde defendem um concurso faseado. E o Governo já mostrou abertura para seguir esse modelo: numa primeira fase deverá ser colocada a concurso os direitos para explorar o espaço marítimo. Já a tarifa garantida de venda da energia surgirá numa segunda fase.
Naquela que foi a última audição do ministro do Ambiente e da Ação Climática no Parlamento, em novembro passado, Duarte Cordeiro explicava que este modelo prende-se com a necessidade de garantir “projetos com maturidade e concorrência“, tendo em conta os riscos assistidos noutros leilões na Europa. Para já, não existe definição de um preço máximo, esses só surgirão “no momento de atribuição da rede”, esclareceu o governante.
Mas o Governo não terá fechado portas a outros modelos. De acordo com o consórcio do grupo Vinci, atualmente encontram-se em estudo pelo Executivo duas possíveis modalidades de leilão. O primeiro modelo (centralizado unificado) prevê que empresas pré-qualificadas possam estudar a mesma área e posteriormente licitar em simultâneo a tarifa (CfD), o ponto de ligação à rede (TRC) e a concessão de espaço marítimo (TUPEM). Um segundo modelo (centralizado sequencial) prevê que, após pré-qualificação, as empresas licitem primeiro a concessão do espaço marítimo (TUPEM) e posteriormente, e após estudos de detalhe, seja licitada a tarifa (CfD).
Embora esta empresa esteja a analisar ambas as modalidades, acredita que é “fundamental” que a licitação de tarifa de venda de energia só ocorra numa fase em que os projetos tenham atingido a maturidade de poderem iniciar a construção, totalmente licenciados e estudados.
Um modelo em duas fases é “mais adequado para rapidamente pôr em marcha o desenvolvimento dos setor”.
“Só após a avaliação rigorosa do recurso eólico através de uma campanha de medição de vento offshore não inferior a um ano, dos estudos ambientais, geofísicos e de todos os projetos de engenharia necessários, os investidores poderão licitar tarifa com a devida confiança”, indica o mesmo consórcio, apontando também que esta será uma melhor altura para se fazer as contas aos investimentos, tendo em conta eventuais oscilações nos custos dos equipamentos e operacionais.
A Greenvolt e a BlueFloat Energy, parceiras neste concurso, defendem um modelo em duas fases — primeiro, adquirindo licenças de exploração do espaço marítimo, depois fechando a capacidade de rede e a remuneração –, pois consideram-no “mais adequado para rapidamente pôr em marcha o desenvolvimento dos setor”.
Também a Acciona considera uma abordagem faseada a melhor opção. “Separar essas etapas é mais adequado para novos mercados eólicos offshore, especialmente para aqueles que se concentram na implantação de energia eólica flutuante”, indica. Para a Iberdrola, este modelo permite salvaguardar o risco e possibilita uma melhor posição no momento do leilão de preços.
Em dissonância, a alemã RWE, que opera mais de 19 parques eólicos offshore, defende um modelo centralizado, em que tudo é definido em simultâneo. “Esta abordagem dá certeza aos promotores de que os seus projetos são viáveis e promove reduções de custo pois maximiza a concorrência”, já que desta forma todos os pré-qualificados podem participar no leilão, em vez de apenas aqueles que conseguiram assegurar o direito ao mar.
Experiência deve ser valorizada. Mas não só
Ainda no que diz respeito ao modelo do leilão, os promotores fazem frequentes referências à importância de assegurar que os participantes têm maturidade suficiente para avançar com tais projetos.
“Acreditamos na importância de na fase de pré-qualificação serem escolhidas apenas as empresas com balanço e demonstração de capacidade e experiência neste tipo de projetos, sem que exista lugar à especulação.”, resumem a CME, Cobra e Tecneira. Já a Iberdrola, Corio, RWE e Greenvolt pedem que sejam tidas em conta as capacidades técnicas e financeiras dos promotores, para que estes possam executar os projetos no prazo. Experiência na tecnologia eólica flutuante é desejável, acrescenta a Greenvolt. Experiência no desenvolvimento de projetos offshore dará mais confiança ao público de que os projetos serão construídos, reforça a Acciona.
Por outro lado, promotores como a Iberdrola e a RWE acreditam que devem existir critérios de seleção que vão além do preço, por exemplo, alguns que sirvam para garantir o compromisso dos promotores com a sustentabilidade e o meio ambiente.
Promotores mantêm confiança, mas incerteza política faz tremer
Apesar da recente crise política em Portugal, que levou à queda do Governo liderado por António Costa na sequência da Operação Influencer, as empresas mantêm o interesse no leilão offshore. No entanto, reconhecem alguns receios que advêm desta situação.
No que diz respeito ao que esperar de uma próxima legislatura, “muito dependerá da posição e das políticas do novo Governo em relação às energias renováveis”, diz a HEN, que considera que alterações no calendário podem “afetar o planeamento das empresas interessadas e gerar dúvidas sobre a estabilidade do ambiente regulatório em Portugal”.
Há “incerteza sobre a continuidade ou não do trabalho realizado pelo Governo anterior”.
Há “incerteza sobre a continuidade ou não do trabalho realizado pelo Governo anterior”, na ótica da BayWa, além de que o impacto de três meses causado pelas eleições, “certamente tornará os objetivos temporais definidos pelo anterior Governo mais difíceis de atingir”. Há “uma forte possibilidade de o leilão não ocorrer este ano”, indica esta empresa e, sublinha, os promotores precisam de ter visibilidade com antecedência suficiente para poderem preparar propostas sólidas e garantir que cumprem os requisitos.
“Seria bem-vindo um início de leilão em 2024”, comenta a Corio. O calendário imposto poderá ser muito apertado para que se consiga criar sinergias e parcerias de forma a encontrar as condições certas para garantir todas as regras impostas pelo caderno de encargos do leilão, acrescenta a HEN.
Já a Corio diz estar “altamente positiva” acerca do potencial português para o offshore, e confiante que o Governo vai ter em conta o feedback dos promotores e chegar a um modelo de leilão que encoraje a participação e concorrência.
O mesmo espírito confiante é partilhado pela Iberblue Wind: “Acreditamos que estão a ser dados passos na direção certa e que o compromisso do Governo português com esta tecnologia renovável é firme”. Da parte da Ocean Winds, a parceria entre a EDP e Engie para o eólico offshore, ambas acreditam que Portugal “continua a ser um mercado interessante”.
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