Mariana Tavares, sócia da CVA assume estar convencida de que a IA que poderá ser uma “ótima oportunidade” para a inovação na prestação de serviços jurídicos.
Mariana Tavares, sócia da Cruz Vilaça & Associados, tem centrado a sua atividade profissional nas áreas do direito da União Europeia, do direito da concorrência e setores regulados. Exerceu funções de referendária no Tribunal de Justiça da União Europeia e foi Consultora Internacional das Nações Unidas para questões de concorrência.
Ocupou vários cargos de direção na Autoridade da Concorrência portuguesa e tem estado envolvida no desenvolvimento do direito e da política de concorrência europeia e internacional. Mariana Tavares foi presidente de vários grupos de trabalho da European Competition Network e da International Competition Network e também participou ativamente dos trabalhos do BRICS Competition Law and Policy Centre, OCDE, UNCTAD e do UE-China Trade project.
A 1 de janeiro, a CVA, nomeou-a sócia. Mariana Tavares é doutorada pelo King’s College London, possui um LL.M da Duke University e pós-graduação em Direito Europeu pela Université Libre de Bruxelles.
Que desafios tem agora pela frente como sócia?
O principal desafio de um sócio é assegurar o crescimento e o desenvolvimento contínuos da sociedade. Isso passa pela adaptação contínua à mudança, para garantir a satisfação dos clientes.
Hoje em dia, na verdade, os clientes querem muito mais do que o aconselhamento jurídico tradicional, procuram serviços de valor acrescentado que os ajudem a atingir os seus objetivos empresariais mais amplos. Isto pode incluir aconselhamento estratégico, gestão de riscos, assistência em matéria de “compliance”, de comunicação até, ou outro tipo de apoio que ultrapasse o âmbito do aconselhamento puramente jurídico.
A advocacia está a sofrer uma transformação significativa, e a adaptação à mudança é fundamental. Uma das questões prementes é a transição tecnológica e a incorporação da IA na prática jurídica. Isto implica não só a adoção de novas tecnologias, mas também a garantia que estas são integradas sem problemas nos fluxos de trabalho, acautelando as questões éticas. Estou convencida que a IA que poderá ser uma ótima oportunidade para a inovação na prestação de serviços jurídicos, ajudando ainda à rentabilidade das sociedades de advogados, algo a que um sócio tem de estar atento.
O que acha que a Cruz Vilaça acrescenta aos clientes, face à concorrência (outros escritórios)?
Na Cruz Vilaça, não nos limitamos a oferecer serviços jurídicos; oferecemos uma parceria estratégica concebida para ajudar os nossos clientes a ter sucesso. A nossa abordagem combina experiência prática, rigor académico, profundo conhecimento institucional, assegurando que os nossos clientes recebem não só aconselhamento jurídico de alto nível, mas também soluções inovadoras adaptadas aos seus desafios específicos.
Imagine ter acesso a uma equipa de juristas experientes, académicos de renome e especialistas com conhecimento profundo do funcionamento de instituições e organizações nacionais e internacionais, a trabalhar em conjunto para dar resposta às suas necessidades jurídicas. É isso que oferecemos na Cruz Vilaça.
Estou convencida que a IA que poderá ser uma ótima oportunidade para a inovação na prestação de serviços jurídicos, ajudando ainda à rentabilidade das sociedades de advogados, algo a que um sócio tem de estar atento.
Foi assessora no Tribunal de Justiça da União Europeia e Consultora Internacional da ONU. Que balanço faz dessas experiências?
A minha experiência como conselheira no Tribunal de Justiça da União Europeia e, atualmente, como consultora internacional da ONU, que ainda sou, constituem experiências incrivelmente enriquecedoras. O trabalho no Tribunal de Justiça proporcionou-me um conhecimento profundo do direito europeu, dos mecanismos que estão na base do quadro jurídico da UE e da sua relevância para a solução de litígios nos tribunais nacionais. Tive o privilégio único de participar em processos emblemáticos que moldaram a jurisprudência europeia em setores fundamentais, como a energia, a banca, a indústria farmacêutica, passando também pelo desafio do enquadramento institucional do Brexit.
Atualmente, o meu papel como consultora internacional das Nações Unidas, particularmente no domínio do direito da concorrência para os países da África lusófona, permite-me contribuir para os esforços globais de promoção de uma cultura de concorrência em prol do desenvolvimento económico. Isto alargou e aprofundou a minha compreensão dos desafios e oportunidades no mercado global. É acima de tudo, uma oportunidade única de compreender as necessidades e os desafios específicos enfrentados pelas empresas que operam nessas regiões.
Esta experiência em primeira mão dá-me uma visão valiosa do panorama jurídico, económico e regulamentar destes países, assim como dos desafios e complexidades que as empresas têm de enfrentar quando investem no mercado da África lusófona.
Porque escolheu esta área do direito? Foi por convicção ou por acaso?
Escolhi o direito da concorrência como a minha área de especialização por uma combinação de razões, motivadas tanto por convicção como por oportunidade. O meu percurso no direito da concorrência começou com a orientação de dois brilhantes professores – um em Bruxelas e outro nos Estados Unidos – que despertaram a minha paixão por esta área. O profundo conhecimento e entusiasmo dos dois pelo direito da concorrência inspiraram-me a aprofundar os seus meandros e o seu papel na formação dos mercados e das sociedades. Esse interesse foi apurado mais tarde com o meu doutoramento no King’s College London.
Além disso, o momento da minha imersão no direito da concorrência coincidiu com desenvolvimentos significativos em Portugal. A criação da Autoridade da Concorrência marcou um momento crucial, assinalando o empenhamento do país em promover uma economia de mercado. Tive o privilégio de ter trabalhado diretamente com todos os conselhos de administração da Autoridade da Concorrência que antecederam o atual conselho e, em consideração dos cargos de direção que desempenhei, de estabelecer fortes laços com a Direção-Geral de Concorrência da Comissão Europeia e outras autoridades congéneres a nível internacional.
Para além destes fatores pessoais e circunstanciais, a minha escolha pelo direito da concorrência foi também motivada por uma crença fundamental no seu potencial transformador. O direito da concorrência, na essência, ao controlar o poder de mercado, serve como um mecanismo para promover o desenvolvimento económico e a democracia. O direito da concorrência desempenha um papel crucial na promoção da inovação, no aumento da eficiência do mercado e, em última análise, na contribuição para o avanço dos princípios democráticos.
Que novos desafios tem esta área do Direito Europeu e da Concorrência, em Portugal?
Um dos principais desafios é assegurar a aplicação efetiva das regras de concorrência num mercado em rápida mutação. À medida que a economia portuguesa cresce e se torna mais interligada com o resto da Europa, garantir uma concorrência efetiva e prevenir práticas anti concorrenciais é cada vez mais, por um lado, um desafio complexo, e por outro, uma necessidade essencial para evitar surpresas e garantir o funcionamento adequado dos mercados.
A Autoridade da Concorrência portuguesa está bem equipada, em competências e capacidade de ação, para gerir com eficácia e eficiência os meandros das questões de concorrência transfronteiriças e, ao mesmo tempo, abordar as preocupações nacionais, como a concentração do mercado e o abuso de posição dominante.
É normal que para o cidadão comum, e por vezes até para os empresários, em particular nas PME, e responsáveis de determinadas áreas, as questões relacionadas com a concorrência pareçam obscuras e de difícil compreensão, nomeadamente no que respeita às consequências do incumprimento das respetivas regras. Contudo, são cada vez mais centrais na gestão das empresas e do funcionamento dos mercados, pelo que é essencial educar as empresas sobre o direito da concorrência e promover uma cultura de “compliance”.
Esta é sem dúvida uma das tarefas fundamentais a que nos dedicamos na CVA.
Para além disso, a economia digital apresenta desafios únicos em termos de aplicação do direito da concorrência. À medida que as plataformas digitais e os modelos de negócio baseados na tecnologia continuam a proliferar, a AdC tem de saber lidar com equilíbrio entre a inovação e a concorrência na era digital, sobretudo tendo em conta a sua inevitável dimensão transfronteiriça e supranacional, o que exige novas abordagens e um conhecimento profundo das tecnologias emergentes.
Finalmente, a intersecção do direito da concorrência com outras áreas do direito, tais como os direitos de propriedade intelectual e proteção de dados coloca desafios adicionais. Garantir a consistência e a coerência entre os diferentes quadros jurídicos, respondendo simultaneamente às necessidades específicas de cada área, exige uma coordenação e colaboração cuidadosas entre a AdC, as autoridades reguladoras e o mundo jurídico.
A AdC deverá também procurar contribuir para o desenvolvimento sustentável. O objetivo da neutralidade carbónica é um imperativo de política pública. A sua concretização alterará profundamente a estrutura do nosso sistema de produção (se não o fizer, terá falhado).
Como é que o Estado pode contribuir para uma maior consciencialização?
O Estado deve começar por dar o exemplo: não promover ele próprio distorções de concorrência no mercado e criar as condições de estabilidade para o investimento empresarial. É imperativo também que tenha outra abordagem aos processos de privatização. O que se passa com a privatização da TAP é um exemplo paradigmático de como a intervenção do estado pode desvalorizar o valor empresarial. As incertezas em torno da venda da companhia, o que se passou com o processo de privatização anterior em que foi alienado o controlo da empresa e depois recuperado, deu no resultado que deu, ao ponto de ser de novo nacionalizada depois de mais um auxílio público para financiamento de dívida. Todas estas incertezas promovidas pelo Estado têm um impacto negativo no valor da empresa, para não falar do prejuízo causado ao erário público.
A aplicação das regras de concorrência no quadro de processos judiciais instaurados por particulares tem sido fortemente impulsionada. Porquê?
A promoção da aplicação das regras de concorrência em processos judiciais intentados por particulares não é apenas um fenómeno nacional, mas uma tendência geral a nível internacional. Na União Europeia muito em particular, esta é uma tendência estimulada por uma ação sancionatória musculada das autoridades de concorrência, como aquela que tem sido a ação da AdC, e de desenvolvimentos jurídicos que facilitam o acesso dos consumidores à justiça.
Este enquadramento contém uma mensagem clara, dirigida às empresas, segundo a qual o cumprimento das regras de concorrência é fundamental, podendo a sua violação ser objeto de sanções rigorosas e levar até, com grande probabilidade, ao pagamento de indemnizações avultadas aos consumidores.
As empresas devem compreender que garantir o cumprimento das leis da concorrência é essencial para evitar batalhas legais dispendiosas e danos para a sua reputação. Uma sociedade como a Cruz Vilaça dispõe de todos os meios, capacidades e competências para garantir aos seus clientes uma gestão adequada das, por vezes, intrincadas complexidades do direito da concorrência, assegurando o cumprimento das regras e mitigando o risco empresarial, que é a um tempo financeiro e reputacional.
Fez parte da AdC. Como caracterizaria a atuação da AdC atualmente?
Vejo uma fase de maturidade de intervenção e inovação procedimental muito importantes. O seu atual conselho tem uma composição privilegiada, pois reúne experiência institucional com rigor académico. As expectativas da sua intervenção são pois muito elevadas.
Claro que a fase atual da AdC beneficia do longo e bem-sucedido caminho feito até aqui. Ela teve uma primeira fase de implementação com Abel Mateus. O seu sucesso começou a ser traçado nesse mandato.
Seguiu-se uma segunda fase, de reforço da independência institucional, durante a presidência de Manuel Sebastião, que conduziu a AdC no período difícil da Troika e que se bateu, com sucesso, por uma revisão do enquadramento institucional como forma de garantir a independência da AdC.
Esta preparação institucional permitiu a passagem a uma fase de atuação procedimental particularmente ativa, que começou no período de António Gomes, infelizmente mais curto do que teria sido desejável, e foi plenamente implementada pela Margarida Matos Rosa. Esta fase foi caracterizada por um nível recorde de sanções, muitas ainda sujeitas ao controlo judicial, como é normal, fundamental para testar os limites da aplicação do direito da concorrência.
Quais os setores de atividade que ainda estão esquecidos pela AdC?
Não há setores de atividades esquecidos pela AdC. A sua atuação, que tem coberto praticamente todos os domínios possíveis da atividade económica, é reveladora disso mesmo.
Mas posso destacar aquilo que, na minha opinião, deverão ser três objetivos incontornáveis da atuação da AdC: promoção da inovação, do crescimento económico e da transição ecológica.
A sua ação pode facilitar o desenvolvimento de mercados e sectores com um elevado impacto na inovação, no crescimento económico e na competitividade do país. Falo necessariamente do setor energético, do setor do ambiente, da atividade financeira, entre outras. Neste contexto ainda, a economia digital terá de ser uma prioridade absoluta, ditada também por força das circunstâncias. Embora a Autoridade da Concorrência tenha começado a abordar alguns aspetos da concorrência no mercado digital, aliás com um estudo que mereceu destaque internacional, esta será uma área de intervenção incontornável no futuro.
A AdC deverá também procurar contribuir para o desenvolvimento sustentável. O objetivo da neutralidade carbónica é um imperativo de política pública. A sua concretização alterará profundamente a estrutura do nosso sistema de produção (se não o fizer, terá falhado). As autoridades da concorrência devem apoiar estas mudanças e antecipar as suas consequências para o funcionamento dos mercados. Isso passa não só por ações sancionatórias prioritárias dos comportamentos anti concorrenciais que ponham em causa a transição ecológica, mas também, e acima de tudo, pelo apoio às empresas que pretendam implementar uma estratégia de cooperação necessária a essa transição.
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“É imperativo que o Estado tenha outra abordagem aos processos de privatização”, diz Mariana Tavares
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