Quatro votações, “birras” e soluções rotativas. O filme do primeiro impasse no Parlamento
Depois de uma reviravolta, os deputados tiveram de votar quatro vezes para eleger o presidente da República. Pelo caminho houve desentendimentos com o Chega e acordos com o PS.
O primeiro desafio de Luís Montenegro a navegar a maioria relativa mostrou-se mais complicado que o antecipado. A eleição de José Aguiar-Branco para presidente da Assembleia da República parecia certa, mas confusões de semântica sobre um acordo com o Chega levaram a que se tivesse de repetir a votação quatro vezes até acertar. Pelo caminho, foi necessário encontrar uma solução com o PS, que passa por uma presidência rotativa.
Afinal, como se desenrolaram os eventos dos últimos dias? Este filme começou na segunda-feira, quando André Ventura anunciou que tinha um acordo com o PSD para viabilizar os cargos da Assembleia da República. Soube-se entretanto que o PSD fez chamadas para os três partidos mais votados, para anunciar o nome que iriam apresentar e sinalizar que iam viabilizar os vice-presidentes. Foi isto que o Chega interpretou como um acordo.
Mas dirigentes do PSD e CDS (Paulo Rangel nessa noite e Nuno Melo na manhã de terça) começaram a esclarecer que não existia um acordo com o Chega, mas sim que estavam a cumprir o regimento.
Quando chegou a hora da verdade e todos esperavam uma conclusão rápida para o processo – que em si foi demorado, prolongando-se por duas horas – vem a reviravolta: Aguiar-Branco apenas conseguiu 89 votos a favor, falhando a eleição na primeira volta. Destes votos, 80 são do PSD e CDS, oito da Iniciativa Liberal e um por identificar.
Foi pedida uma interrupção de meia hora para organizar as “tropas”. Mas à saída da reunião, André Ventura destacou que os dirigentes da Aliança Democrática andaram a proclamar que não existia acordo. Apesar disso, reiterou que deu indicações para a bancada do Chega viabilizar o nome mas sinalizou que “o voto é secreto”.
Já o presidente da Iniciativa Liberal foi rápido a criticar o Chega, apontando que o Parlamento ficou “refém de uma birra de criança de 40 e tal anos”.
Quando voltaram a reunir para a segunda volta, o PSD admitiu “derrota”, apontando que o PS e Chega não iam viabilizar o candidato, pelo que iria retirar a candidatura. Nessa fase, o processo reinicia-se e há a oportunidade de avançar com novas candidaturas, sendo que o novo plenário ficou marcado para as 21h.
Este momento foi aproveitado pelo PS, que avançou o nome de Francisco Assis para o cargo, e pelo Chega, que propôs Manuela Tender, ex-deputada do PSD.
Foi então feita uma nova votação em que nenhum dos três teve votos suficientes (o que seria impossível já que é necessário maioria absoluta), mas os dois mais votados – Assis e Aguiar-Branco – passaram a uma segunda volta. Os deputados votaram mais uma vez mas nenhum teve os 116 votos necessários: Assis conseguiu 90 e Aguiar-Branco 88.
Os novos deputados da Assembleia da República começaram assim a fazer horas extra logo no primeiro dia, com a chamada para o próximo plenário ao meio-dia de quarta-feira.
O processo reiniciou-se mais uma vez, sendo que os partidos tinham até às 11 horas para apresentar novas candidaturas. Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos reuniram de manhã, por videoconferência, tendo depois pedido para adiar o prazo das candidaturas para as 11h30, enquanto o Chega avançou com o nome do deputado Rui Paulo Sousa.
Quando chegou o prazo, os partidos voltaram a pedir um adiamento, pelo que ficou para as 14h a apresentação de candidaturas e o plenário e votação para as 15h. Mas o fumo branco surgiu mais cedo: PSD e PS acordaram em dividir a presidência da Assembleia da República, ficando agora o candidato do PSD por dois anos e seguindo-se um presidente da Assembleia do PS nos dois anos seguintes.
Com este acordo já firmado, a quarta e última votação acabou por decorrer com normalidade e José Aguiar-Branco foi eleito com 160 votos a favor. Rui Paulo Sousa obteve 50 votos (a bancada do Chega) e foram ainda entregues 18 votos em branco, com a esquerda a criticar ter sido deixada de fora deste acordo.
No primeiro discurso enquanto presidente, Aguiar-Branco começou por desafiar “todos os grupos parlamentares a repensar o regimento, no que diz respeito às regras de eleição desta mesa, para o que aconteceu ontem não se volte a repetir”. O ex-ministro defendeu também que “o voto de cada português em eleições livres, diretas e universais deve merecer igual respeito por parte de todos os cidadãos e mais ainda por quem exerce funções de representação política”.
Hugo Soares, novo líder parlamentar do PSD, apelou às bancadas que saibam “honrar a confiança do povo português com responsabilidade, com sentido de Estado e protegendo a frágil democracia”. Já Pedro Nuno Santos, à saída, reiterou que o PS não podia “fazer perdurar o impasse”, apontando o dedo à AD por ter mostrado que não tem uma “solução estável” nem “capacidade de liderança para resolver impasses”.
Apesar de toda esta “barafunda”, como apelidou Eurico Brilhante Dias, o PSD acabou por aprovar todos os vice-presidentes da Assembleia da República, do PS, Chega e IL. A legislatura segue agora dentro do “novo normal”, com o Parlamento a entrar em funções um dia depois do previsto.
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