Despedimento por inadaptação: uma figura mítica
Em alguns pontos seria conveniente que houvesse maior clareza da lei para evitar uma decisão de ilicitude do despedimento por questões procedimentais.
O despedimento por inadaptação é uma forma de cessação de contrato de trabalho por iniciativa do empregador. A lei permite ao empregador usar como fundamento para a cessação do contrato a inadaptação ou inaptidão do trabalhador ao posto de trabalho, mas esta justificação tem fama de ser de ser obscura e complexa, quase uma “letra morta”.
No entanto, ainda assim, quanto a cargos de complexidade técnica ou de direção, talvez fosse de esperar maior utilização, nomeadamente porque não depende de culpa do colaborador e porque poderia ser utilizada para reforço da competitividade da empresa, mas não é o caso.
Com efeito, a lei prevê que em relação a cargos de complexidade técnica ou de direção poderá haver despedimento por inadaptação, quando não se cumpram os objetivos previamente acordados, por escrito, tenha havido ou não modificações no posto de trabalho.
O não cumprimento dos objetivos deve resultar da forma como o trabalhador desempenhou as suas funções, desde que a desadequação não seja devida à falta de condições de segurança e saúde no trabalho imputáveis ao empregador. Isto é, não tem de haver culpa do trabalhador.
Havendo modificações no posto de trabalho, a lei é muito pouco clara sobre o que fazer a seguir: informa-se o trabalhador e dá-se-lhe instruções adequadas? Deve o empregador disponibilizar formação e depois aguardar um período de adaptação? Segue-se logo para o despedimento?
Contudo, não existindo modificações no posto de trabalho, basta ao empregador informar o trabalhador, de forma fundamentada, da forma como apreciou o desempenho do trabalhador e este tem, no mínimo, 5 dias úteis para responder. Depois deste período, o empregador poderá dar início ao procedimento de despedimento por inadaptação.
Naturalmente, havendo resposta do trabalhador, convirá ao empregador apreciar a mesma, não vão os argumentos do trabalhador justificarem o não cumprimento dos objetivos e a aplicação de outras medidas que não o despedimento, após as diligências que o empregador entender adequadas.
A lei estabelece que deve ser praticamente impossível a subsistência do contrato de trabalho. O mais adequado será o empregador verificar se tem posto disponível e compatível com a categoria profissional do trabalhador. Não é preciso criar um posto para o trabalhador, mas verificar se entre os postos vagos há algum que lhe possa ser atribuído.
É uma condição que existe noutros tipos de despedimento por inadaptação e que também existe no despedimento por extinção de posto de trabalho, pelo que não será uma novidade para as empresas que já promoveram despedimentos por extinção de posto de trabalho.
Aliás, o trabalhador que, nos 3 meses anteriores ao início do procedimento, tenha sido transferido para o posto de trabalho em que se verifique a inadaptação, tem direito a voltar ao posto anterior, se ainda existir, a menos que o mesmo tenha sido ocupado definitivamente por outro trabalhador.
Não havendo modificação do posto de trabalho, o procedimento de despedimento por inadaptação, em relação a cargo de complexidade técnica ou de direção, em que o trabalhador não tenha atingido os objetivos acordados, não é particularmente complexo, mas poderá demorar algum tempo.
Essa “demora” poderá decorrer, essencialmente, de a empresa poder ter de realizar diligências probatórias solicitadas pelo trabalhador, e de haver um aviso prévio a observar, aquando da decisão de despedimento, em função da antiguidade do trabalhador, mas algo semelhante também acontece em outras modalidades de despedimento.
Até ao despedimento do trabalhador, o empregador tem de pagar todos os créditos laborais decorrentes da execução e cessação do contrato de trabalho, incluindo a compensação legal – que se calcula nos mesmos termos de um despedimento por extinção de posto de trabalho, por exemplo.
Após o despedimento, a empresa tem 90 dias para manter o nível de emprego, o que pode fazer através de nova contratação ou manutenção de trabalhador que, de outro modo, seria abrangido em processo de redução de efetivos, já iniciado. A nova contratação pode ser para qualquer cargo, e aparentemente não tem de ser a tempo completo, nem por contrato sem termo.
O procedimento exigirá mais “passos” e ser mais demorado se existir estrutura de representação coletiva dos trabalhadores, o trabalhador for representante sindical, ou então se o mesmo for “trabalhador protegido”, mas o mesmo acontece em relação a outras modalidades de despedimento.
Em alguns pontos seria conveniente que houvesse maior clareza da lei para evitar uma decisão de ilicitude do despedimento por questões procedimentais, mas idênticos riscos existem em relação a outras figuras de despedimento por iniciativa do empregador.
A lei também não define como os objetivos devem ser definidos, nem que prazo deve decorrer para o empregador poder fazer uma avaliação do cumprimento desses objetivos, mas certamente haverá critérios que poderão ser definidos, influenciando por sua vez o prazo a conceder ao trabalhador.
Em todo o caso, não são inviáveis precauções para evitar irregularidades procedimentais, e também não é inviável definir objetivos e prazos que possam ser aceites em tribunal, em caso de impugnação do despedimento.
Seja como for, a figura do despedimento por inadaptação depende do estabelecimento de objetivos ao trabalhador com cargo de complexidade técnica ou de direção, com o acordo escrito deste, pois se isso não for acordado, então o despedimento por inadaptação é que não será mesmo possível.
Como se vê, quanto a cargos de complexidade técnica ou de direção o despedimento por inadaptação pode ser uma opção, caso não se possa utilizar a comissão de serviço, não haja motivo para procedimento disciplinar ou não haja acordo entre as partes para terminação do contrato, contudo, como referido, continua a ser pouco ou nada utilizada.
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