Empresas que violem aumento salarial obrigatório de 8% apanham multa até 10 mil euros
A atualização dos ordenados dos trabalhadores do privado, não abrangidos por contratação coletiva, é de aplicação obrigatória. Incumprimento pode constituir contraordenação grave, alertam juristas.
As empresas estão mesmo obrigadas a aumentar os salários em 7,89% aos mais de 104 mil trabalhadores do privado que não estão abrangidos por instrumentos de regulamentação coletiva. Se violarem a portaria, assinada pelo anterior Governo de António Costa, e publicada em Diário da República no dia da tomada de posse dos ministros de Luís Montenegro, arriscam pagar uma multa que pode chegar aos 9.690 euros, ou seja, quase 10 mil euros, segundos os juristas consultados pelo ECO.
O diploma tem efeitos retroativos a 1 de março e mereceu oposição por parte de todas as confederações patronais. A CIP – Confederação Empresarial de Portugal, liderada por Armindo Monteiro, alertou mesmo que “a atualização de 7,89% terá maior repercussão no terceiro setor, nomeadamente nas organizações não governamentais e sem fins lucrativos, as quais, pela sua própria natureza, dificilmente poderão suportar os encargos do aumento salarial projetado”, de acordo com o mesmo diploma.
Em causa estão trabalhadores da limpeza, vigilantes, telefonistas, auxiliares, técnicos administrativos e de secretariado, técnicos de contabilidade, de apoio jurídico, de informática ou de recursos humanos que não estão abrangidos por instrumentos de contratação coletiva.
“Não obstante a contestação das confederações patronais, verificando-se os requisitos previstos no artigo 517.º do Código do Trabalho e considerando que a atualização da referida portaria tem o efeito de melhorar as condições mínimas de trabalho de um conjunto significativo de trabalhadores, o aumento em causa é de aplicação obrigatória“, afirma ao ECO o especialista em Direito Laboral, Jorge Silva Marques da sociedade de advogados Broseta.
“As entidades empregadoras abrangidas por esta portaria são obrigadas a aplicar os aumentos salariais previstos, à semelhança do que aconteceu nos anos anteriores”, reforça Cláudia Ribeiro da Silva, da Abreu Advogados.
Não obstante a contestação das confederações patronais, verificando-se os requisitos previstos no artigo 517.º do Código do Trabalho e considerando que a atualização da referida portaria tem o efeito de melhorar as condições mínimas de trabalho de um conjunto significativo de trabalhadores, o aumento em causa é de aplicação obrigatória.
Mas a atualização salarial apenas “é aplicável no território do Continente”, ressalva Eduardo Castro Marques, sócio fundador da Dower Law Firm. Ou seja, Madeira e Açores estão fora do âmbito deste diploma. O jurista salienta ainda que “basta que exista um instrumento de regulamentação coletiva negocial potencialmente aplicável a uma determinada relação laboral para que a portaria de condições de trabalho dos trabalhadores administrativos não seja aplicável”.
Coima entre 204 e 9.690 euros
Assim, e nos casos, em que a portaria é de cumprimento obrigatório, as empresas têm mesmo de atualizar as remunerações em 7,89%. A violação da lei dá direito a uma multa que pode oscilar entre 204 e 9.690 euros, dependendo da gravidade da situação e do volume de negócios da empresa.
“Quanto ao valor das coimas, dispõe o artigo 554.º do Código do Trabalho que as mesmas serão aplicadas num intervalo de valores, tendo por referência o valor da unidade de conta (UC) de 102 euros, em 2024, e em função de fatores variáveis (volume de negócios da empresa, dolo ou negligência). Assim, neste contexto, da situação mais leve até à situação mais grave, as coimas poderão ir de 204 a 9.690 euros“, esclarece Jorge Silva Marques.
A jurista da Abreu Advogados distingue ainda entre contraordenação leve, quando é relativo a um trabalhador, ou grave, caso incida sobre a maior parte dos funcionários. Assim, “a violação de disposição de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho respeitante a uma generalidade de trabalhadores constitui contraordenação grave, à qual corresponde uma coima variável em função do volume de negócios da empresa e do grau da culpa do infrator, a fixar entre 612 e 9.690 euros”.
Se a infração for relativa a um trabalhador, estamos perante uma contraordenação leve, “a que corresponde uma coima variável em função do volume de negócios da empresa e do grau da culpa do infrator, entre 204 e 1.530 euros”, sinaliza Cláudia Ribeiro da Silva.
A ACT poderá fiscalizar o cumprimento da portaria, quer no âmbito de ação inspetiva por si promovida, quer no âmbito de denúncia do trabalhador.
A empresa poderá escapar à contraordenação grave caso o valor total das coimas relativas à aplicação de contraordenações leves relativa a cada trabalhador “seja igual ou superior ao quantitativo mínimo da coima da contraordenação grave, ou seja, de 612 euros”, ressalva a a mesma advogada.
Mas as entidades patronais só serão punidas se houver uma inspeção por parte da Autoridade das Condições do Trabalho (ACT) ou uma denúncia por parte do trabalho que espolete uma ação de fiscalização. “A ACT poderá fiscalizar o cumprimento da portaria, quer no âmbito de ação inspetiva por si promovida, quer no âmbito de denúncia do trabalhador”, indica Eduardo Castro Marques.
Associações sem fins lucrativos também têm de pagar os aumentos
No caso de organizações não governamentais ou associações sem fins lucrativos que aleguem insuficiência financeira para proceder à atualização salarial de 7,89%, como indicou a CIP, os aumentos também são obrigatórios. Ou seja, não há exceções à lei.
“A portaria é aplicável às entidades empregadoras por ela abrangidas, não estando prevista qualquer causa de exclusão da sua aplicação, nomeadamente, por razões de incapacidade financeira das entidades empregadoras”, sublinha Cláudia Ribeiro da Silva.
Por isso, “os aumentos terão de ser pagos”, conclui Eduardo Castro Marques. “No limite, poderá ser discutido em Tribunal se estão ou não verificados os pressupostos de que depende a aplicabilidade da portaria de condições de trabalho dos trabalhadores administrativos a determinada relação laboral”, acrescenta.
A portaria é aplicável às entidades empregadoras por ela abrangidas, não estando prevista qualquer causa de exclusão da sua aplicação, nomeadamente, por razões de incapacidade financeira das entidades empregadoras.
Neste sentido, Jorge Silva Marques salienta que a obrigatoriedade “não obsta a que qualquer entidade possa querer fazer valer direitos que julgue que lhe assistem, no âmbito de regime de exceção que possa acreditar existir”. “Contudo, não descortinamos regimes específicos de exceção nesta matéria“, ressalva.
É certo que a CIP e Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) contestaram a atualização remuneratória. Contudo, o jurista da Dower Law Firm lembra que “o procedimento para a emissão de portaria de condições de trabalho exige a constituição de uma comissão técnica” que contou com “assessores designados pelos representantes dos trabalhadores e dos empregadores interessados”.
Entre os prós e os contras, o Governo considerou “que a atualização da referida portaria tem o efeito de melhorar as condições mínimas de trabalho de um conjunto significativo de trabalhadores e de promover a aproximação das condições de concorrência entre empresas”, pelo que “procedeu à respetiva emissão”, realça Castro Marques.
Aumentos entre 60 e 95 euros
A atualização das remunerações vai abranger 104.250 trabalhadores por conta de outrem a tempo completo, o que se traduz num aumento de 10.353 funcionários que integram este universo face aos 93.897 que beneficiaram do regime no ano passado, indica o diploma.
Analisando os 11 níveis salariais da tabela remuneratória destes funcionários, os aumentos oscilam, em termos nominais, entre 95,03 euros, para a categoria mais elevada, relativa a um diretor de serviços que auferia 1.201,97 euros mensais brutos e que salta para 1.297 euros; e 60 euros para a categoria mais baixa referente a um trabalhador das limpezas que ganhava o ordenado mínimo, de 760 euros, e que transita para os 820 euros, o novo valor da retribuição mínima garantida, segundo cálculos do ECO.
Os custos com aumentos salariais de pelo menos 5% ainda não podem ser majorados em 50% em sede de IRC, relativo ao benefício fiscal criado pelo Governo cessante de António Costa. O Executivo socialista tinha-se comprometido com os parceiros sociais, no reforço do acordo de rendimentos, assinado em outubro de 2023, a incluir, nesta medida, as portarias de condições de trabalho, como é o diploma em causa. Resta saber o que fará o novo Governo de Luís Montenegro.
Subsídio de refeição acima da Função Pública, mas arrisca pagar IRS
O subsídio de refeição vai aumentar 0,39 euros ou 6,5%, passando de 6 para 6,39 euros, o que significa que este apoio diário vai descolar do valor praticado na Administração Pública (6 euros).
Mas é preciso ter em conta que este montante, que resulta num valor mensal de 151,8 euros, superior em 19,8 euros mensais face ao montante do ano passado, de 132 euros, vai passar a pagar IRS, porque ultrapassa o limite estabelecido para a Função Pública, caso seja pago por transferência bancária.
Isto significa que os 39 cêntimos diários ou 8,58 mensais de diferença terão de ser tributados, a não ser que a empresa efetue o pagamento do subsídio por cartão de refeição e aí o teto de isenção vai até 9,60 euros por dia ou 211,2 euros por mês, considerando 22 dias úteis. Ou seja, se o apoio for em cartão continua isento de IRS.
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