Governo de Costa força aumentos de 8% para 104 mil administrativos do privado. Patrões estão contra

Foi publicada a portaria que determina subidas salariais até 95 euros para 104 mil trabalhadores sem contratação coletiva. CCP e CIP alertam para o elevado custo para empresas e associações.

As empresas vão ser forçadas a conceder aumentos salariais de 7,89% a mais de 104 mil administrativos do setor privado que não estão abrangidos por instrumentos de regulamentação coletiva, o que se traduz numa subida mensal entre 60 a 95 euros. A portaria, publicada esta terça-feira em Diário da República, tem efeitos retroativos a 1 de março e mereceu oposição por parte de todas as confederações patronais.

A CIP – Confederação Empresarial de Portugal avisa mesmo que as associações sem fins lucrativos, que serão afetadas por esta medida, “dificilmente poderão suportar os encargos do aumento salarial projetado”, de acordo com o mesmo diploma.

Além da atualização salarial, tal como o ECO tinha noticiado aquando da publicação do projeto de portaria, o subsídio de refeição vai subir 39 cêntimos, para 6,39 euros, ficando inclusive acima do apoio definido para a Função Pública (6 euros).

Em causa estão trabalhadores da limpeza, vigilantes, telefonistas, auxiliares, técnicos administrativos e de secretariado, técnicos de contabilidade, de apoio jurídico, de informática ou de recursos humanos, detalha o diploma assinado por 11 ministérios do Governo cessante de António Costa: Administração Interna; Justiça; Finanças; Assuntos Parlamentares; Economia e do Mar; Cultura; Ciência, Tecnologia e Ensino Superior; Saúde; Ambiente e Ação Climática; Agricultura e Alimentação; e Segurança Social e Trabalho.

Apesar da contestação dos patrões, desta vez mais veemente do que no ano passado, quando só a CCP se tinha oposto, o Executivo socialista argumenta que a “atualização salarial prevista ocorre na sequência da atualização da retribuição mínima mensal garantida (RMMG), no valor de 820 euros”, o que corresponde a um salto de 7,9% em relação ao valor do ano passado (720 euros).

A repercussão desse efeito nas restantes categorias profissionais, que se encontram acima do salário mínimo, “justifica-se por arrastamento, evitando-se que as remunerações das categorias de níveis superiores fiquem aquém das remunerações das categorias de níveis inferiores, o que a acontecer constituiria um efeito perverso na vida e nas condições de trabalho daqueles trabalhadores”, lê-se no diploma.

“Assim, com o presente aumento consegue-se, simultaneamente, consolidar uma atualização moderada dos salários mínimos e garantir uma harmonização do valor da RMMG entre os níveis salariais inferiores e superiores previstos na tabela de retribuições mínimas mensais, ao mesmo tempo que se minimizam os impactos da situação económica associada ao contexto internacional que atravessamos, designadamente em virtude do conflito militar na Ucrânia, acomodando com maior previsibilidade o efeito decorrente da RMMG para 2025″, acrescenta ainda a portaria.

Mas as razões invocadas pelo Governo não convenceram o patronato. A Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), presidida por João Vieira Lopes, que já se tinha oposto no ano passado, “considera que tendo em conta a desaceleração da inflação, do preço dos combustíveis e das taxas de juro, aliada ao contexto de incerteza sobre a evolução da economia mundial e instabilidade associada à guerra, a atualização salarial das categorias profissionais não abrangidas pela RMMG deve ser de 5%, conforme previsto no ‘Reforço do Acordo de Médio Prazo de Melhoria dos Rendimentos, dos Salários e da Competitividade'”, de acordo com a portaria.

A CIP alerta que associações sem fins lucrativos não vão conseguir pagar os aumentos em causa e defende que a atualização se deve cingir ao salário mínimo. A portaria indica que a confederação, liderada por Armindo Monteiro, salienta que o efeito da atualização de 7,89% “terá maior repercussão no terceiro setor, nomeadamente nas organizações não governamentais e sem fins lucrativos, as quais, pela sua própria natureza, dificilmente poderão suportar os encargos do aumento salarial projetado”.

“Considera ainda que face à atual conjuntura económica, à forte concorrência dos mercados, à tendência para a desaceleração da economia e à queda da produção industrial e ao aumento da taxa de desemprego, o acréscimo de 7,89% se revela contraproducente. Neste sentido, entende que a atualização salarial se deve ater ao aumento da RMMG determinado para o ano de 2024, conferindo-se a liberdade às entidades empregadoras abrangidas pela portaria de fixarem aumentos dentro do respetivo circunstancialismo económico e social.

Todos os anos, desde 1943, o Executivo aprova uma portaria que estabelece condições mínimas de trabalho para os trabalhadores administrativos sem contratação coletiva. No ano passado, o projeto de portaria foi publicada em junho e o respetivo despacho saiu em Diário da República no mês seguinte.

Este ano, com umas eleições à porta, espoletadas pela demissão do primeiro-ministro, António Costa, após saber que estava a ser investigado por suspeitas de corrupção, no âmbito da Operação Influencer, o Executivo antecipou os trabalhos e enviou, a 8 de março, para o Boletim do Trabalho e Emprego (BTE) a proposta de atualizações mínimas salariais, dois dias antes das eleições.

“Considerando a persistência da inflação e as suas consequências no atual contexto económico e social, promove-se a atualização da tabela salarial na mesma proporção da RMMG [remuneração mínima mensal garantida], o que correspondente a um acréscimo de 7,89% para todos os níveis da tabela de remunerações mínimas mensais”, lê-se na portaria de condições de trabalho agora publicada.

A proposta de atualização apresentada pela comissão técnica “é sustentada pela informação dos quadros de pessoal e por um conjunto de indicadores”:

  • Atualização do salário mínimo de 760 euros em 2023 para 820 euros em 2024, que corresponde uma subida de 7,9%:
  • Variação nominal média intertabelas anualizada no ano de 2023 de 6,9 %;
  • Índice de preços no consumidor (IPC) do ano passado, que se fixou em 4,3%, segundo o Instituto Nacional de Estatística;
  • O nível do IPC em janeiro de 2024, que aumentou para 2,3%;
  • As propostas dos parceiros sociais representados na comissão técnica.

A atualização salarial de 7,89% fica acima da proposta de aumentos estabelecido no reforço do acordo de médio prazo de melhoria dos rendimentos, dos salários e da competitividade, assinado com os parceiros sociais, de 5%. No entanto, a comissão técnica, criada pelo Executivo, entendeu que deveria dar um novo impulso “face à persistência da inflação e ao seu impacto nas despesas dos trabalhadores”.

Além disso, “com a atualização do valor da retribuição correspondente ao nível mais baixo da tabela salarial (fazendo corresponder a base da tabela de remunerações mínimas com o valor atual da RMMG)”, o grupo de trabalho “entende que ocorre também a necessidade de fazer repercutir esse aumento nos níveis remuneratórios subsequente”, segundo o diploma legal.

Aumentos entre 60 e 95 euros

A atualização das remunerações “tem o efeito de melhorar as condições mínimas de trabalho de um conjunto significativo de trabalhadores” que, segundo o relatório único/quadros de pessoal de 2022, eram 104.250 trabalhadores por conta de outrem a tempo completo, o que se traduz num aumento de 10.353 funcionários que integram este universo face aos 93.897 que beneficiaram do regime no ano passado, indica o diploma.

Analisando os 11 níveis salariais da tabela remuneratória destes trabalhadores, os aumentos oscilam, em termos nominais, entre 95,03 euros, para a categoria mais elevada, relativa a um diretor de serviços que auferia 1.201,97 euros mensais brutos e que salta para 1.297 euros; e 60 euros para a categoria mais baixa referente a um trabalhador das limpezas que ganhava o ordenado mínimo, de 760 euros, e que transita para os 820 euros, o novo valor da retribuição mínima garantida, segundo cálculos do ECO.

Os custos com aumentos salariais de pelo menos 5% ainda não podem ser majorados em 50% em sede de IRC, relativo ao benefício fiscal criado pelo Governo, mas o Executivo comprometeu-se com os parceiros sociais, no reforço do acordo de rendimentos, assinado em outubro de 2023, a incluir, nesta medida, as portarias de condições de trabalho, como é o diploma em causa. Resta saber o que fará o novo Governo de Luís Montenegro.

Subsídio de refeição acima da Função Pública, mas arrisca pagar IRS

O subsídio de refeição vai aumentar 0,39 euros ou 6,5%, passando de 6 para 6,39 euros, o que significa que este apoio diário vai descolar do valor praticado na Administração Pública (6 euros).

Mas é preciso ter em conta que este montante, que resulta num valor mensal de 151,8 euros, superior em 19,8 euros mensais face ao montante do ano passado, de 132 euros, vai passar a pagar IRS, porque ultrapassa o limite estabelecido para a Função Pública, caso seja pago por transferência bancária.

Isto significa que os 39 cêntimos diários ou 8,58 mensais de diferença terão de ser tributados, a não ser que a empresa efetue o pagamento do subsídio por cartão de refeição e aí o teto de isenção vai até 9,60 euros por dia ou 211,2 euros por mês, considerando 22 dias úteis. Ou seja, se o apoio for em cartão continua isento de IRS.

(Notícia atualizada às 13h43)

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