Processo de António Costa ainda parado no DCIAP. Não há nenhum magistrado a investigar o caso

O inquérito que investiga o ex-PM de alegada prevaricação ainda não foi distribuído no DCIAP. Acórdão da Relação deita por terra os indícios contra Lacerda Machado, Escária e contra o próprio Costa.

O inquérito que investiga o ex-primeiro ministro António Costa está parado no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), não tendo ainda um magistrado do Ministério Público (MP) responsável pelo mesmo, apurou o ECO.

António Costa é suspeito do crime de prevaricação devido a uma lei alegadamente negociada entre João Tiago Silveira e João Galamba para beneficiar Start Campus. Segundo o Ministério Público, o ainda primeiro-ministro é suspeito da alegada prática do crime de prevaricação devido à aprovação do novo Regime Jurídico de Urbanização e Edificação no Conselho de Ministros do dia 19 de outubro de 2023.

Há precisamente uma semana, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu entregar a investigação relativa ao ex-primeiro-ministro, no âmbito da Operação Influencer, ao DCIAP. Ou seja, o processo de António Costa passou para a primeira instância, igual a qualquer cidadão, perdendo o foro especial de primeiro-ministro. Mas será investigado de forma autónoma às restantes investigações que envolvem Vítor Escária, Diogo Lacerda de Machado e Rui de Oliveira Neves.

Mas desde então nada aconteceu. Nem Costa foi ouvido nem tão pouco constituído arguido. Questionado pelo ECO/Advocatus, fonte oficial do gabinete de Lucília Gago, a titular da investigação criminal em Portugal, não deu qualquer resposta.

Antes de o processo ter sido enviado para o DCIAP, a defesa de António Costa, a cargo do advogado João Lima Cluny, enviou um requerimento para que o socialista fosse ouvido “com a maior celeridade possível” pela justiça portuguesa.

O ex-primeiro-ministro demitiu-se a 7 de novembro depois do seu nome ter sido citado num comunicado da Procuradoria-Geral da República sobre uma investigação judicial ao centro de dados de Sines e a negócios ligados ao lítio e hidrogénio.

Uma Operação influencer em que não houve influência?

Esta quarta-feira, os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) não encontraram quaisquer indícios de que tenha havido conversas entre António Costa e Diogo Lacerda Machado em que se “tenha falado, alguma vez, sobre a construção do data center em Sines”. O TRL decidiu contra o Ministério Público (MP) e manteve os arguidos da Operação Influencer apenas sujeitos a Termo de Identidade e Residência, a medida de coação menos gravosa prevista nas leis penais.

No acórdão a que o ECO/Advocatus teve acesso – com mais de 300 páginas – os magistrados explicam mesmo que o nome de António Costa não foi sequer invocado em “centenas de reuniões de trabalho” que Diogo Lacerda Machado realizou com a Start Campus. Contactado pelo ECO, o advogado de António Costa apenas disse que não faz “quaisquer comentários sobre o acórdão do Triibunal da Relação de Lisboa, hoje conhecido. Reitero apenas que, tal como o Dr. António Costa já afirmou publicamente e já solicitou formalmente, é nossa pretensão, o mais brevemente possível, esclarecer tudo o que o Ministério Público ainda possa entender relevante”.

Não faço quaisquer comentários sobre o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, hoje conhecido. Reitero apenas que, tal como o Dr. António Costa já afirmou publicamente e já solicitou formalmente, é nossa pretensão, o mais brevemente possível, esclarecer tudo o que o Ministério Público ainda possa entender relevante”

João Lima Cluny, advogado de António Costa

“Não há nos autos qualquer indício de que o arguido tenha falado, alguma vez, com o PM sobre o Projeto de construção e instalação do Data center, em Sines, pela empresa Start Campus; tão pouco com o seu amigo António Costa. Como jamais invocou o nome do PM, ou do seu amigo António Costa, em qualquer das muitas dezenas, ou mesmo centenas, de reuniões de trabalho em que participou com o Conselho de Administração e as equipas de colaboradores da Start Campus, com outras empresas, fornecedoras de bens e serviços para aquela, e com diferentes autoridades públicas, nacionais e da União Europeia”, diz a decisão do tribunal de segunda instância.

A única referência de algum episódio concreto que envolve António Costa terá sido a sua presença num evento de apresentação do projeto (do Data Center), depois do início da implementação do mesmo, no dia 23 de Abril de 2021, no qual também estiveram presentes, juntamente com o arguido Afonso Salema, o então Secretário de Estado Adjunto e da Energia João Galamba e o então Ministro da Economia Pedro Siza Vieira.

Os juízes consideram que deveria estar descrito “algum comportamento objetivo do primeiro-ministro passível de mostrar alguma recetividade ou predisposição para ouvir e acatar o que Diogo Lacerda Machado, o seu melhor amigo, teria para lhe dizer”. Seja em decisões sobre “políticas públicas e medidas legislativas no ambiente, nas energias renováveis, nos objetivos da transição energética e da transição digital, no campus de Data Center promovido pela Start Campus, S.A, no âmbito do Projecto Sines 4.0. ou sobre qualquer outro assunto da governação”. Mas tal não aconteceu.

Diogo Lacerda Machado, Vitor Escária, Nuno Mascarenhas, Afonso Salema, Rui de Oliveira Neves

 

Sobre Diogo Lacerda Machado, um dos principais arguidos da Operação Influencer, “nenhuma circunstância concreta relacionada com a forma de agir do Primeiro-Ministro e de interagir, no desenvolvimento da amizade entre ambos induz que António Costa tenha alguma vez pedido opinião ao seu melhor amigo para escolher ou demitir ministros e secretários de Estado”.

“Seria essencial que o MP tivesse conseguido descrever de forma empírica, objetiva, alguma situação, facto ou comportamento imputável ao arguido Diogo Lacerda Machado, dirigido ao Primeiro-Ministro, no sentido de tentar fazer com que escolhesse ou este ou aquele ministro ou secretário de Estado, ou que tenha tentado ou conseguido determinar o Primeiro-Ministro a agir fosse em que assunto da governação do País fosse, num ou noutro sentido escolhido por ele, arguido Digo Lacerda Machado”, concluiu o acórdão.

Deveria estar descrito algum comportamento objetivo do primeiro-ministro passível de mostrar alguma recetividade ou predisposição para ouvir e acatar o que Diogo Lacerda Machado, o seu melhor amigo, teria para lhe dizer. Seja em decisões sobre políticas públicas e medidas legislativas no ambiente, nas energias renováveis, nos objetivos da transição energética e da transição digital, no campus de Data Center promovido pela Start Campus, S.A, no âmbito do Projecto Sines 4.0. ou sobre qualquer outro assunto da governação. Mas tal não aconteceu”.

Juízes desembargadores da Relação de Lisboa

O que dizem os juízes de Lacerda Machado e Vítor Escária

O Tribunal da Relação de Lisboa manteve os arguidos da Operação Influencer apenas sujeitos a Termo de Identidade e Residência, a medida menos gravosa prevista nas leis penais. Assim sendo, o arguido Diogo Machado deixa de ter de pagar a caução de 150 mil euros e a obrigação de não se ausentar para o estrangeiro e Vítor Escária deixa de estar sujeito à obrigação de não se ausentar para o estrangeiro. O Tribunal terá então de entregar os passaportes a ambos.

“Nenhum dos factos adiantados se traduziam em crimes” e não ultrapassam “o desenvolvimento das funções de cada um dos intervenientes tendo todos eles atuado no âmbito das mesmas”, diz o comunicado enviado pelo tribunal. O Tribunal salientou, contudo, “que não existe legislação em Portugal sobre a atividade de lóbi, legislação que, a existir, evitaria muitas situações dúbias como algumas daquelas que foram apuradas nos autos”.

Na verdade, o Tribunal chama a atenção para “a incorreção de se tratarem assuntos de Estado à mesa de restaurantes olvidando procedimentos e esquecendo a necessidade de se documentarem as relações havidas entre representantes de interesses particulares e os governantes no âmbito das suas funções”, acrescenta. Concluiu assim o Tribunal “que os factos apurados não são, só por si, integradores de qualquer tipo criminal”.

O acórdão chama de “meras conjeturas” e “especulações” a conclusão das escutas telefónicas que, entendem os juízes desembargadores, só provam que os arguidos falaram ao telefone. E faz ainda uma crítica dura aos procuradores titulares do processo: diz que, no recurso, o MP alega factos que não eram sequer referidos no documento de apresentação dos arguidos a interrogatório, o que viola os deveres de “probidade e boa fé” a que o Ministério Público está especialmente obrigado.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Processo de António Costa ainda parado no DCIAP. Não há nenhum magistrado a investigar o caso

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião