Fórum Agricultura Sustentável: soluções e desafios

  • Capital Verde
  • 17 Maio 2024

Decorreu a 14 de maio, em Santarém, e contou com a presença de vários especialistas, entre os quais esteve o Ministro da Agricultura, José Manuel Fernandes.

O Centro Nacional de Exposições e Mercados Agrícolas (CNEMA) foi o palco do primeiro Fórum de Agricultura Sustentável, um evento organizado pelo ECO em parceria com a Câmara Municipal de Santarém, que reuniu, na manhã de 14 de maio, vários especialistas para discutirem o caminho da agricultura sustentável e os desafios para os agricultores.

“O ECO é um jornal de economia e a agricultura pertence à economia. Nós somos muito mais do que mercados financeiros, somos muito mais do que a vida no centro mais urbano, nós também temos este foco de que a agricultura faz parte da nossa economia, da nossa sociedade. E é muito por isso que decidimos organizar este primeiro fórum”, começou por dizer Diogo Agostinho, Chief Operating Officer do ECO.

Ainda na sessão de abertura, Margarida Oliveira, diretora da Escola Superior Agrária de Santarém, explicou que esta é “uma época de mudança”: “Uma mudança em que se preveem os maiores desafios colocados ao setor agrícola. Primeiro, com o crescimento de toda a população, somos chamados a produzir mais com menos. Enquanto a população mundial aumenta, a quantidade de terra arável per capita diminui, as alterações climáticas conduzem a fenómenos meteorológicos extremos, e, nalgumas regiões, a redução da precipitação leva a períodos de seca muito mais longos, sendo fundamental dispor de um plano nacional para o armazenamento e abastecimento eficiente de água“.

Nesse sentido, António Serrano, ex-ministro da Agricultura e Professor Catedrático na Universidade de Évora, realçou a Política Agrícola Comum (PAC), que permitiu o “acesso a alimentos que garantam a saúde das pessoas e preços baixos para o consumidor, que permitiu tirar a fome na Europa no pós-guerra, que introduziu inovação, tecnologia, o conhecimento na área dos agroquímicos, que permitiu aumentar a produtividade das nossas atividades. Sem tudo isso, não seríamos, à escala europeia, uma atividade que satisfizesse as necessidades da população”.

A agricultura sustentável tem de ser rentável

Após a sessão de abertura, seguiu-se o primeiro painel de debate, moderado por Mónica Silvares, editora executiva do ECO, que contou com a presença de António Serrano; Luís Mira, Secretário-Geral CAP; Nuno Serra, secretário-geral CONFAGRI; e Cristina Melo Antunes, Responsável de Negócio ESG e Green Finance: Santander Portugal, e teve como tema “Políticas Públicas: Como pode o Estado potenciar a agricultura sustentável? E o seu financiamento?”.

“A primeira coisa que a agricultura sustentável precisa é de ser rentável. Há, na política europeia, uma grande dose de utopias. O Green Deal é uma ambição da Comissão. É verdade que condicionou a decisão de determinadas políticas, mas, no que toca à agricultura, tinha um erro de base porque não foram feitos estudos de impacto das medidas que estavam ali colocadas. Muitas daquelas medidas, se fossem aplicadas, levariam a Europa a correr o risco de ter uma grande quebra na sua capacidade produtiva. E isso, numa altura em que estamos em guerra na Europa, é a última coisa que se pretende. Ninguém precisa mais do ambiente do que a agricultura, que depende dele para a sua capacidade produtiva, mas não é possível cumprir estas utopias no prazo em que estão colocadas a nível da agenda europeia”, alertou Luís Mira.

A mesma opinião foi partilhada por Nuno Serra, que afirmou: “Para haver sustentabilidade tem de haver um compromisso básico, que é a sustentabilidade económica financeira. Eu não sei o que o quadro político vai ter, mas este caminho da pressão verde vai ter menos força. O que os agricultores têm de fazer é reivindicar os seus interesses, assim como todos os outros setores fazem. Nós não somos diferentes, pelo contrário, temos sido é completamente prejudicados. O que eu acho é que grande parte destas políticas e destes movimentos têm a ver com políticas exógenas, e nós não podemos confundir aquilo que é a PAC com o que são as políticas ambientais que têm de ser feitas na Europa. Isto porque o restauro da natureza, o uso dos solos, o uso sustentável dos pesticidas, são políticas à parte daquilo que é o PEPAC“.

Por sua vez, Cristina Melo Antunes, Responsável de Negócio ESG e Green Finance: Santander Portugal, também afirmou que ” a sustentabilidade tem de ser rentável porque se não for rentável os produtores não estarão cá nos próximos 20 anos. Quando eu olho para um investimento, ele tem de ter uma rentabilidade a curto, médio e longo prazo, e tem que me permitir diferenciar. Portanto, os novos investimentos, sejam na agricultura, sejam noutros setores, a perspetiva tem de ser perceber como melhorar o negócio, como mudar a forma como atualmente se fazem as coisas para entrar na economia circular, no uso eficiente da água, mas tem que ser com o objetivo de me diferenciar, seja pelos custos, seja por fazer um produto diferenciado. A principal pressão que já se está a sentir no mercado é a pressão da cadeia de valor. E este ano essa pressão aumentou com a entrada em vigor da nova diretiva de suporte de sustentabilidade produtiva“.

Na mesma linha, António Serrano referiu, ainda, que “esta matéria impacta em toda a cadeia de valor e a distribuição é fortemente impactada com isso”: “É preciso saber que qualquer operador, nesta área da distribuição, para colocar à disposição do consumidor produtos com confiança para poderem ser vendidos e consumidos, há toda uma logística, que vai desde o campo às fábricas e até à prateleira, que é enorme. Claro que o interesse de toda a cadeia é a sustentabilidade. Todos têm de ser sustentáveis economicamente, em primeiro lugar, ambiental e socialmente. Já agora, tendemos a esquecer a componente social e o impacto da agricultura no território e a responsabilidade que ela tem na manutenção e na preservação do território é enorme“.

Otimização de recursos e a produtividade

No segundo painel do evento, dedicado ao tema “Combinar a otimização de recursos com produtividade das culturas”, participaram Gonçalo Santos Andrade, Presidente Portugal Fresh; Francisco Gomes da Silva, Diretor-Geral AGROGES; Abílio Pereira, Administrador Área Agrícola da Quinta da Lagoalva; e José Palha, Presidente da Direção da Associação Nacional de Produtores de Proteaginosas, Oleaginosas e Cereais (ANPOC). O debate foi moderado por Shrikesh Laxmidas, diretor adjunto do ECO.

“Eu, na minha faceta de agricultor, benefício da colaboração com a Universidade para a resolução de problemas que têm a ver com a qualidade do recurso, com a eficiência no uso do recurso, no caso do solo, um pouco também da água, e a forma como tenho, no sistema de agricultura que pratico, de otimizar a utilização do recurso. Claro que podíamos estar melhores do que estamos, mas eu acho que não devemos minimizar a importância daquilo que é feito hoje em dia em Portugal e que tem sido feito ao longo dos últimos 15/20 anos. Nós não conseguimos melhorar eficiências nem produtividades se não tivermos conhecimento e tecnologia. Não há outra forma“, disse Francisco Gomes da Silva.

A corroborar esta ideia estava Gonçalo Santos Andrade, que afirmou: “Portugal, ao longo dos últimos 10/15 anos, fez um percurso extraordinário. Acho que todas estas parcerias entre as empresas e as universidades têm tido uma evolução muito positiva. Nós, ao nível das organizações de produtores, que surgiram de acordo com a organização comum de mercado das frutas e legumes, em 1997, temos programas operacionais. Mas dentro dos programas operacionais do PEPAC, 2% do investimento do programa operacional tem que ser para investigação e desenvolvimento. E, portanto, isto às vezes também ajuda a acelerar alguns processos de investigação“.

“Este caminho de uma lógica de intensificação sustentável tem vindo a ser feito e não acho que seja negativo. E posso dar uma série de exemplos de coisas boas que têm vindo a acontecer, e começo por uma figura, que são os grupos operacionais, que têm de ter investigação e que obrigam a ter uma empresa agrícola, uma universidade e uma empresa para resolver um determinado problema. Parece-me que esta é das maneiras melhores de transferir conhecimento. No fim, tem de se fazer ações de divulgação desses conhecimentos e tem sido feito um grande trabalho nesta área pelos grupos operacionais. Por outro lado, muitas universidades candidataram-se ao PRR para estudos mais ligados com as alterações climáticas e com outras coisas”, disse, por sua vez, José Palha.

Nesse sentido, Abílio Pereira disse, ainda, que “há uma série de conhecimentos de produtos que estão a chegar à agricultura, sobre formas diferentes de rentabilizar, sobre como serem mais eficazes e eficientes, e sobre como continuar a aumentar as produções e a rentabilidade. E isto é muito importante porque a população mundial está a aumentar e temos de responder a essas exigências. Cada vez mais, vamos ter que produzir mais com menos”.

Biotecnologia ao serviço da sustentabilidade

Na segunda parte da conferência, houve espaço para um terceiro debate, moderado por Mónica Silvares, desta vez com o tema “Biotecnologia ao serviço da sustentabilidade”, no qual marcaram presença Andreia Afonso, cofundadora da Deifil e diretora do departamento de ID e de produção in vitro; Diogo Palha, Executive Board Member e CFO EntoGreen; e Tiago Costa, CEO Agricultural Business SOGEPOC.

“É sempre difícil dizer o que nós fazemos porque há alturas em que parece que a biotecnologia é uma espécie de ciência oculta, mas não é. Portanto, falando um pouco do nosso dia-a-dia, a Deifil é uma empresa que foi fundada em dezembro de 2010, está na fase da adolescência da biotecnologia, e o nosso principal foco e fonte de receita advêm da propagação em escala de árvores de fruto. Temos mais recentemente uma linha ornamental, mas o nosso foco são as árvores de fruto, isto utilizando a cultura in vitro. A partir de 2018, estabelecemos uma micoteca, uma coleção essencialmente composta por fungos para conjugar todas as ferramentas disponíveis para trabalhar a sustentabilidade e fornecer aos agricultores, não um produto, mas um ecossistema”, começou por dizer Andreia Afonso.

Por sua vez, Diogo Palha, da EntoGreen, explicou que a empresa utiliza um inseto, nomeadamente a mosca soldado negro, “que tem uma característica especial, já que é altamente digestora na sua fase de larvar, e o que fazemos é aproveitar subprodutos da indústria agroalimentar”. “Nós aproveitamos, e, com isso, fazemos uma mistura alimentar, da qual se alimenta a nossa larva, e depois, nesse processo, vai fazendo os seus dejetos, que são aproveitados para fazer um fertilizante, e, da própria larva, aproveitamos para fazer uma farinha proteica e um óleo para incorporar em alimentação animal”, disse.

Já Tiago Costa, da SOGEPOC, referiu a parceria que tem com a Universidade de Évora, que produz enxertos híbridos para os viveiros de nogueira: “Isso permite-nos ter uma planta mais forte, mais resistente ao diferente tipo de doenças, e aumenta o potencial produtivo dessa planta quando for enxertada pelas variedades que tivermos em consideração para a nossa perspetiva comercial. Esta colaboração é curiosa na medida em que, para já, não existe histórico da produção de plantas in vitro deste porte de enxertos em Portugal e não existe histórico na Europa. Este clone vem dos EUA”.

Desafios na transição dos fertilizantes

O último painel do evento, dedicado ao tema “Estratégia Farm to Work: Os desafios na transição dos fertilizantes” e moderado por Shrikesk Laxmidas, contou com a presença de Cristina Cruz, Professora Universitária da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa; Pedro Sebastião, Sales Manager AsfertGlobal; e Hartmut Nestler, Diretor Leal & Soares, SA (SIRO).

“Os negócios têm de ser sustentáveis economicamente. No caso da SIRO, nós transformamos matéria orgânica da floresta de todo o tipo e voltamos a introduzir na cadeia de valor, na plantação. E grande parte desse projeto foi feito sempre sem apoio financeiro. Foi praticamente autossustentável. Há muita maneira de trabalhar a natureza, que não só investir em grandes máquinas”, começou por dizer Hartmut Nestler.

Já Pedro Sebastião, da AsfertGlobal reforçou a importância da biotecnologia na transição dos fertilizantes: “Quando falamos de biotecnologia, há este novo conceito de biofertilizantes, onde se utilizam produtos à base de micro-organismos vivos, que conseguem fazer reduções de 20% a 30% da aplicação de adubos convencionais, sem que o agricultor perca rendimento. O que é mais difícil é o agricultor perceber isto e aceitar. Às vezes tem de ser dado um salto de fé”.

No entanto, Cristina Cruz, garantiu que a maior problemática está na falta de comunicação entre os diferentes agentes: A minha visão desta problemática é de uma maior cumplicidade entre os atores. Eu acho que os problemas são tão grandes e tão graves que somos poucos para resolvê-los, então a melhor forma é nós encontrarmos soluções de consílio, em que criamos soluções que não são de todo a melhor para cada um, mas são aquelas que têm o consenso e que são aplicáveis e é o que vai criar impacto. Eu acho que o grande desafio é conseguirmos esta comunicação e estas parcerias”.

No seguimento deste debate, Daniel Murta, Fundador e diretor geral da EntoGreen, foi ainda fazer uma apresentação sobre o seu projeto Olival Circular, que faz a reutilização do bagaço da azeitona. O objetivo desta solução é, acima de tudo, “devolver à terra nutrientes que, de outra forma, seriam perdidos e conseguir fazer isso retirando aquilo que é uma ameaça, e que, muitas vezes, pode parar os lagares, para o transformar naquilo que nós precisamos: recursos de fertilizantes orgânicos para os solos, mas também nutrientes para a nutrição animal e dar soluções a setores estratégicos. E fazemos isso em grande escala. Em Santarém, a capital dos insetos, já convertemos cerca de 36 mil toneladas de bagaço de azeitona em produtos finais, 2500 toneladas em proteína de inseto, 500 toneladas de óleo de inseto e sete mil toneladas de fertilizante orgânico“.

No final desta apresentação foi, ainda, atribuído o primeiro Certificado Olival Circular à AgriMendes, o parceiro da EntoGreen neste projeto, que, de acordo com Daniel Murta, “viu 100% do seu bagaço de azeitona convertido em proteína ou em fertilizantes“.

“100 mil agricultores ficarão livres de sanções, dos reports, da condicionalidade”

No encerramento da sessão, António Costa, diretor do ECO, referiu: “Decidimos fazer este evento em Santarém para descentralizar, para mostrar que a economia portuguesa é mais do que as empresas cotadas em bolsa, e que a agricultura e, em particular, esta dimensão da agricultura sustentável, merece ser reconhecida, divulgada, merece ser apoiada no que é a sua criação de valor e esse é o nosso compromisso”.

Por sua vez, Nuno Russo, vereador da Câmara Municipal de Santarém, revelou que “recentemente, foi realizado um diagnóstico da realidade agrícola, pecuária, florestal e agroindustrial no concelho de Santarém, que mostrou que mais de metade da água do concelho possui solos com grande potencial para a produção vegetal e mais de 60% dos solos têm aptidão para a produção agrícola. Até 2023, já foram investidos em medidas de apoio ao investimento agrícola, agroindustrial e florestal, 65 milhões de euros“.

Ainda na sessão de encerramento, a última intervenção ficou a cargo de José Manuel Fernandes, Ministro da Agricultura, que começou por dizer que “é verdadeiramente inaceitável que os agricultores ganhem menos de 40% que as outras classes profissionais”. “Temos de valorizar este setor. Em primeiro lugar, desde logo, temos de percecionar a sua mais-valia, que não é só económica, mas contribui também para o nosso turismo, a nossa gastronomia, a nossa cultura. Contribui para as nossas paisagens. É evidente que estes desafios que os agricultores enfrentam e o combate às alterações climáticas para que tenham sucesso exige uma palavra: gradualismo, que tem de estar acompanhado de um plano de ação”, continuou.

Para isso, o ministro garantiu que o PEPAC, que vai ser reprogramado até 30 de junho, vai ser muito útil para a PAC, que tem como objetivo a produção integrada, a eficiência, “elementos essenciais para a sustentabilidade”: “Práticas que nós queremos reforçar: a agricultura de precisão, mas que implica que os territórios possam ter acesso à internet e que haja elementos importantes, em termos daquilo que são investimentos necessários para a aquisição de meios”.

“Nós teremos um plano de armazenamento eficiente da água, onde queremos uma rede interligada. Nós sabemos que um dos problemas que temos é que só ficamos com 20% da água e tudo o resto deixamos ir para o mar. Temos neste âmbito e no âmbito regadio investimentos em curso e outros que vamos avançar. Já no âmbito da simplificação da PAC, que é um dos objetivos que temos, temos uma portaria que sairá rapidamente, precisamente para ajudar mais de 100 mil agricultores que ficarão livres de sanções, dos reports, da condicionalidade. Para além disso, aliviaremos as restrições que existiam, mas posso-vos dizer que a simplificação é um dos grandes objetivos que temos e, por isso, está no programa do governo os custos simplificados, o encontro de contas, e o pagamento contra faturas. Termino com um apelo para que todos participem nele para que o objetivo seja cumprido. Somos todos convocados para a sustentabilidade”, concluiu.

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