• Entrevista por:
  • ECO

Gestores devem promover “transparência e responsabilidade” no uso de Inteligência Artificial

António Lagartixo, CEO da Deloitte Portugal, defende uma "abordagem realista" no anúncio de iniciativas de inteligência artificial (IA) pelas empresas, mas diz que o entusiasmo é "justificado".

O CEO da Deloitte Portugal, António Lagartixo, confia que o entusiasmo em torno da Inteligência Artificial Generativa é “inteiramente justificado” e admite que “os gestores possam sentir uma necessidade acrescida de abraçar estas novas tendências tecnológicas”. Mas alerta que os conselhos de administração devem “promover uma cultura de transparência e responsabilidade em relação ao uso” desta tecnologia, “tanto internamente como a nível externo”, e que “deve ser adotada uma abordagem realista ao comunicar as iniciativas de IA” pelas empresas.

Em entrevista por escrito ao ECO, por ocasião dos Investor Relations and Governance Awards — que este ano pretende convocar os gestores para “um diálogo sobre as potencialidades da inteligência artificial no desenvolvimento humano” –, António Lagartixo revela como esta tendência tecnológica está a permitir à própria consultora “otimizar processos”, “fornecer insights mais precisos e rápidos” e “criar soluções personalizadas e inovadoras para os desafios” dos clientes. “O tecido empresarial tem ainda um caminho a percorrer na adoção da inteligência artificial, mas há um entendimento comum entre os líderes das empresas de que a tecnologia é um imperativo”, atira.

No último ano e meio, todas as conversas sobre inovação e desenvolvimento tecnológico acabam por desaguar no tema da IA Generativa. O entusiasmo justifica-se?

A ascensão da Inteligência Artificial Generativa tem sido, de facto, uma área de grande entusiasmo e interesse nos últimos tempos, e por boas razões. A IA Generativa representa um avanço significativo no campo da inteligência artificial, permitindo a reprodução de padrões existentes juntando-lhe a criação de conteúdo completamente novo e original.

Esse entusiasmo a que se refere é justificado por diversas razões. Em primeiro lugar, a IA Generativa tem o potencial de revolucionar várias indústrias, desde a criação de arte e entretenimento até a inovação em design de produtos e serviços. Especificamente no setor da consultoria, a IA Generativa é uma ferramenta relevante para otimizar processos, fornecer insights mais precisos e rápidos, ou para criar soluções personalizadas e inovadoras para os desafios dos clientes, permitindo às organizações gerar ideias inovadoras de formas antes inimagináveis. A rapidez na obtenção de respostas permite também focar a componente humana noutras áreas, também importantes, como o são o olhar original, criativo e inovador que cada um de nós traz e que é insubstituível.

Acredito, por isso, que o entusiasmo em torno da IA Generativa é inteiramente justificado, uma vez que representa o ultrapassar de uma fronteira importante na interceção entre criatividade humana e tecnologia avançada. No entanto, é importante reconhecermos que esse entusiasmo também traz desafios e questões éticas que deveremos abordar com responsabilidade de forma a garantir que podemos colher os benefícios da tecnologia de forma responsável, sustentável e inclusiva.

Sente que esse entusiasmo está a provocar uma pressão demasiado grande sobre os gestores para que anunciem novidades no campo da IA, mesmo que não o sejam verdadeiramente ou que não estejam suficientemente maduras?

É compreensível que, com o crescente entusiasmo em torno da IA, os gestores possam sentir uma necessidade acrescida de abraçar estas novas tendências tecnológicas. Essa pressão é também resultado da enorme competição que existe no mercado, das expectativas dos investidores ou dos clientes ou simplesmente da necessidade de demonstrar liderança e visão estratégica.

A visão que defendo é que deve ser adotada uma abordagem realista ao comunicar as iniciativas de IA das empresas, garantindo a transparência sobre o estado atual da tecnologia, os desafios enfrentados e as expectativas em relação aos resultados. Mas o caminho deverá ser sempre com olhos postos no futuro, sabendo que a integração da IA nas empresas vai ser uma realidade cada vez mais presente e que, efetivamente, marcará a diferença.

Há, no entanto, boas notícias neste campo em Portugal. Os nomeados nas categorias Sustainability Initiative Award e Transformation Award da edição deste ano dos IRGAwards são excelentes exemplos de empresas e projetos que se destacaram ao longo de 2023 e que tiveram um impacto relevante nas organizações e na melhoria das condições do mercado português em geral. A transformação, a inovação e a sustentabilidade são forças independentes, mas profundamente interligadas que são hoje essenciais ao crescimento das empresas. A resiliência e adaptação aos desafios à medida que se gere a relação entre estas forças são sem dúvida fatores diferenciadores para as empresas que procuram ser líderes.

E há sem dúvida inúmeros exemplos de boas práticas no setor empresarial português, com muitas empresas a destacarem-se na capacidade de transformação como resposta aos desafios emergentes e à constante evolução dos mercados – com impactos positivos e muito significativos na melhoria das condições do governo societário ou do mercado, no ambiente ou na sociedade.

A visão que defendo é que deve ser adotada uma abordagem realista ao comunicar as iniciativas de IA das empresas.

Como é que os conselhos de administração devem olhar para a IA no imediato? Que recomendações pode dar aos seus colegas gestores?

Devem olhar para a IA no imediato com uma perspetiva de longo prazo e uma abordagem estratégica. Em linha com o tema da edição deste ano dos IRGAwards, parece-me que um caminho a seguir é o de olharmos para a inteligência artificial não como uma tecnologia isolada, mas sim como parte verdadeiramente integrante da estratégia de negócios da empresa. É fundamental investir tempo e recursos para entender profundamente o potencial da IA para transformar os negócios e os desafios associados à sua implementação, e garantir que esta esteja alinhada com os objetivos de longo prazo da empresa e contribua para a criação de valor sustentável.

No fundo, deve ser adotada uma abordagem proativa e estratégica em relação à IA, garantindo que esta seja integrada de forma eficaz na estratégia de negócio da empresa e gerindo os riscos associados de forma responsável. Os conselhos de administração devem ainda promover uma cultura de transparência e responsabilidade em relação ao uso da IA, tanto internamente como a nível externo.

A IA também traz consigo uma série de desafios – é preciso que os potenciais riscos de decorrentes desta tecnologia sejam identificados logo no início de qualquer projeto ou implementação para que a organização e as equipas de desenvolvimento possam criar, desenvolver e implementar proativamente um sistema ajustado às necessidades, fiável e de confiança.

Tudo isto não significa que não seja importante arriscar, fomentar a inovação e a experimentação. A IA é uma tecnologia em rápida evolução, e é importante que as empresas estejam abertas à inovação e à transformação, o que inclui todos os colaboradores – e aqui cabe também aos conselhos de administração encorajar uma cultura que valorize a experimentação e a aprendizagem contínua, colocando as empresas na vanguarda da tecnologia.

Dados oficiais do INE mostram que são muito poucas as empresas em Portugal que dizem usar tecnologias de IA, e que as grandes empresas recorrem muito mais a IA do que as PME. Como é que se muda este paradigma, sendo que a maioria das empresas que não usam IA citam a falta de conhecimento na organização e os custos?

Naturalmente, como em todos os períodos de grande disrupção, o tecido empresarial tem ainda um caminho a percorrer na adoção da inteligência artificial, mas há um entendimento comum entre os líderes das empresas de que a tecnologia é um imperativo. Prova inequívoca dessa perceção é o estudo da Deloitte State of Gen AI in the enterprise, que avalia o sentimento dos gestores nesta matéria, e onde ficou patente que a maioria dos inquiridos (79%) acredita que a Inteligência Artificial Generativa vai obrigar a uma transformação profunda nos próximos três anos.

A mudança e a adaptação a uma nova realidade são inevitáveis, o ritmo a que essa mudança acontece é que irá certamente variar consoante a dimensão das empresas ou até do próprio setor. O tecido empresarial nacional é maioritariamente composto por PME, com menor capacidade de investimento e uma adoção mais cautelosa de novas estratégias e processos. Igualmente, é reconhecido que setores mais tradicionais são mais avessos à mudança, mas também essas empresas vão ser impactadas pela tecnologia, ainda que de forma mais gradual.

Contudo, para mudar o paradigma e aumentar a adoção de tecnologias de IA nas empresas portuguesas é essencial investir, em primeiro lugar, numa estratégia de sensibilização e capacitação para educar os líderes e profissionais sobre os benefícios e as aplicações práticas da IA. Os estudos mostram que a IA é amplamente conhecida e até muito utilizada – mais de metade dos portugueses (68%) já utilizou uma ferramenta de IA, a maioria (74%) para motivos pessoais, e 38% para motivos profissionais, de acordo com dados de 2023 da Deloitte. Da mesma forma, os utilizadores reconhecem os riscos da IA, mas uma “lacuna de preparação” abrange riscos estratégicos, operacionais e éticos. À medida que o uso cresceu, também aumentou a consciência dos vários riscos da IA – desde tendências não intencionais até à determinação da responsabilidade. O que parece não ter crescido o suficiente é a adoção de ações específicas para ajudar a mitigar esses riscos, mesmo por parte dos utilizadores mais qualificados.

Como em todos os períodos de grande disrupção, o tecido empresarial tem ainda um caminho a percorrer na adoção da inteligência artificial, mas há um entendimento comum entre os líderes das empresas de que a tecnologia é um imperativo.

Esta edição dos IRGAwards desafia os gestores a um “diálogo sobre as potencialidades da IA no desenvolvimento humano”. Como pretende lançar essa discussão e qual é a sua própria visão?

A edição deste ano dos IRGAwards é dedicada ao tema Upscaling human strength. Acho particularmente interessante que o título utiliza a expressão upscaling, referente a um aumento, um redimensionamento, uma ampliação ou expansão. Não falamos de uma limitação ou mesmo, em linha com alguns dos receios que se têm feito sentir em torno da inteligência artificial, de uma substituição do potencial humano pelo potencial das máquinas. Pelo contrário, ambos se podem – e devem – complementar.

O nosso propósito com a 36ª edição do prémio, num contexto de transições e transformações críticas, nomeadamente a tecnológica, é convocar os líderes empresariais portugueses para um diálogo sobre as potencialidades da inteligência artificial no desenvolvimento humano e sobre a melhor forma de explorar e manter a vantagem competitiva da IA. Aliás, posso dizer pela nossa lista de nomeados que com estes prémios vamos destacar um conjunto de empresas e pessoas que tiveram um contributo realmente significativo para tornar o mercado e economia portuguesa mais dinâmica, robusta e socialmente mais responsável. A transformação digital e a sustentabilidade deixaram de forma muito rápida de ser apenas opções estratégicas longínquas ou até mesmo intangíveis, para passarem a ser o critério para a sobrevivência das empresas e dos negócios, e hoje a inteligência artificial prepara-se para assumir um papel semelhante.

Que tipo de ferramentas é que a IA coloca à disposição das pessoas contribuindo para o seu “desenvolvimento humano”? Dê exemplos.

No contexto empresarial, a IA oferece uma série de ferramentas que podem impulsionar o desenvolvimento humano e o crescimento das organizações. Um exemplo é a utilização de ferramentas de análise de dados baseadas em IA para auxiliar na tomada de decisão das empresas. Estas permitem às empresas extrair insights valiosos e críticos de grandes volumes de dados, permitindo uma tomada de decisão mais informada e orientada por métricas específicas, o que pode melhorar a eficiência operacional, ajudar a identificar oportunidades de crescimento e mitigar potenciais riscos.

Chatbots e outras ferramentas alimentadas por IA podem igualmente fornecer apoio automatizado e personalizado aos clientes, melhorando a experiência do cliente, reduzindo os tempos de espera e libertando os funcionários para lidar com questões mais complexas e específicas. Alia-se assim um aumento de produtividade à capacidade de proporcionar experiências mais individualizadas e personalizadas, de acordo com as necessidades específicas do cliente. Uma outra potencialidade da IA capaz de aumentar a produtividade em contexto empresarial são os assistentes virtuais baseados em IA, para ajudar os funcionários a gerenciar melhor seu tempo, organizar agendas, agendar reuniões e até mesmo realizar tarefas administrativas simples.

O que é que a IA pode fazer pelo setor da consultoria? Como é que a estão a aplicar internamente na Deloitte?

A IA tem, de facto, um potencial transformador no nosso setor, no entanto não é uma tecnologia desconhecida para nós. Nos últimos anos, a Deloitte tem vindo a implementar de forma relevante diversas tecnologias com base em IA, procurando monitorizar, estudar e perceber de maneira próxima quais as melhores abordagens para poder retirar o máximo proveito de todas as potencialidades. O impacto da Inteligência Artificial é uma matéria na qual temos vindo a investir fortemente, mesmo antes de ganhar o destaque que agora é conhecido.

Para além das iniciativas internas, que nos têm permitido agilizar processos e obter ganhos de eficiência consideráveis, o nosso grande valor acrescentado diz respeito às diferentes soluções tecnológicas que temos vindo a desenvolver para os nossos clientes. Temo-nos posicionado de forma clara nos temas de inovação e criação de serviços de valor acrescentado, e vindo a solidificar o nosso posicionamento como líderes nas áreas tecnológicas, particularmente na Inteligência Artificial. O recente anúncio da criação do Hub internacional de Generative AI em Portugal é disso um excelente exemplo. A partir de Portugal, vamos suportar clientes em mais de 47 países da Europa e África, ajudando-os a desenvolver estratégias e soluções com base nesta tecnologia de ponta. Isto significa que a partir de Portugal vão ser lançadas as bases para muitas das transformações que irão ocorrer à escala global em termos da aplicação da Inteligência Artificial no contexto das empresas.

Uma das principais áreas de aplicação é a análise de dados. Com a IA, podemos processar grandes volumes de dados de forma mais eficiente e identificar padrões e tendências que podem orientar as recomendações e estratégias para os nossos clientes. Outra aplicação importante da IA na Deloitte é na área de previsão de dados: usamos algoritmos de machine learning para prever resultados e tendências com base em dados históricos, permitindo que os nossos clientes tomem decisões mais informadas e estratégicas.

Além disso, exploramos continuamente novas formas de utilizar a IA para criar soluções inovadoras e disruptivas para os desafios específicos dos nossos clientes. Isto inclui o desenvolvimento de modelos preditivos personalizados, a automação de processos e a criação de ferramentas de análise analítica avançada.

A IA desempenha neste momento um papel cada vez mais importante na transformação do setor da consultoria, e na Deloitte estamos comprometidos em aproveitar todo o seu potencial para fornecer serviços de alta qualidade e valor acrescentado aos nossos clientes.

  • ECO

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Gestores devem promover “transparência e responsabilidade” no uso de Inteligência Artificial

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião