O que está a correr bem e mal ao Governo nas contas públicas?

Abrandamento da economia e da inflação pode limitar receita fiscal. Despesa tem vindo a crescer e margem para o ano dependerá das medidas aprovadas no Parlamento.

O ano de 2023 terminou com um brilharete de Fernando Medina, que conseguiu alcançar um excedente orçamental — o segundo em democracia — e também uma redução da dívida pública. No entanto, no começo de 2024, as contas públicas passaram para o vermelho e Joaquim Miranda Sarmento, atual ministro das Finanças, enfrenta agora um défice que atingiu 1,9 mil milhões de euros em abril.

O que está a contribuir para esta viragem nas finanças públicas? Do lado negativo, existem pressões sobre a despesa e também uma menor dinâmica da receita fiscal, numa altura em que a inflação está a abrandar.

  • Abrandamento da atividade económica

Como destaca Carlos Lobo, ex-secretário de Estado e especialista em Finanças Públicas, “uma das principais razões para este défice é o “fenómeno do crescimento económico e da inflação não se fazerem sentir”, pelo que “o enquadramento estrutural mudou”.

No arranque do ano, a economia voltou a dar sinais de abrandamento no primeiro trimestre, com o PIB a alcançar um crescimento homólogo de 1,5% entre janeiro e março, face a um crescimento de 2,1% registado no último trimestre do ano passado.

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Esta desaceleração acaba por impactar os impostos diretos, com destaque para o IVA, que é afetado pelo desempenho da atividade económica: “A estimativa rápida do INE indica um abrandamento em cadeia no 1.º trimestre do ano, refletindo a desaceleração do consumo privado e do investimento”, salientou a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) no relatório sobre a execução orçamental no primeiro trimestre.

  • Receita com IVA quebra com estabilização dos preços

Na receita, destaca-se a quebra no IVA, um imposto que está “relacionado com a atividade económica e também com a inflação”, aponta Carlos Lobo. “Quando temos uma retração desses fenómenos, deixa de haver um aumento tão significativo”, nota.

A inflação elevada dos últimos anos contribuiu para um aumento da receita com IVA, por via da subida dos preços, nomeadamente da alimentação. No entanto, a inflação tem vindo a abrandar e a atingir um nível estável, o que se reflete numa menor receita com o IVA.

Se olharmos para os últimos dois anos, os Orçamentos de António Costa beneficiaram de 9,3 mil milhões de euros em impostos e contribuições adicionais, devido à inflação, segundo um estudo elaborado por Francisco Ruano, analista da Área de Monitorização e Supervisão Orçamental do Conselho das Finanças Públicas (CFP), publicado no blogue daquele organismo.

E é ao IVA que a inflação dá um maior impulso, segundo apontam também os dados do Banco de Portugal e da UTAO, que já alertava, no último relatório referente à execução orçamental no primeiro trimestre, quea receita do IVA contraiu 5,6%, mesmo considerando a cessação da medida do IVA Zero (560 milhões de euros), que beneficiou a cobrança”.

  • Crescimento da despesa permanente

A explicar o défice encontra-se também o crescimento da despesa, com destaque para a despesa permanente, que tem vindo a aumentar. Na síntese de execução orçamental, a Direção Geral do Orçamento (DGO) salienta que o crescimento da despesa em abril ocorreu à boleia dos aumentos para os funcionários públicos e das pensões.

No que diz respeito às atualizações salariais na Função Pública, registou-se o crescimento das despesas com pessoal em 8,6%, o que “é justificado pelos efeitos transversais comuns aos trabalhadores em funções públicas, e que se referem às medidas de valorização remuneratória, em vigor desde janeiro de 2024, às medidas de valorização intercalares ocorridas no ano anterior e, em menor grau, ao efeito do acelerador nas carreiras da Administração Pública”.

O crescimento da despesa com as remunerações dos funcionários públicos surge “no decurso de medidas de valorização remuneratória aplicadas desde janeiro de 2024”, como destaca o economista João Rodrigues dos Santos, ao ECO, a que se soma “um outro acréscimo de despesa relativo a medidas intercalares de valorização ocorridas ainda no ano anterior”.

Além disso, o Estado teve mais encargos com pensões, tanto devido à atualização no valor das pensões, bem como pelo “aumento do número de pensionistas, no regime geral”, como salienta a DGO.

Por outro lado, há ainda fatores positivos que dão algum alento à evolução das contas públicas, com destaque para o mercado de trabalho, que o governador Mário Centeno chegou a apelidar de um “dique” a segurar a economia e evitar uma crise em Portugal.

  • Mercado de trabalho ajuda a compor receita fiscal

As receitas provenientes do IRS e das contribuições continuam em níveis elevados, numa altura em que os salários têm vindo a aumentar e o mercado de trabalho está estável. Este contexto permite que a receita fiscal continue em níveis elevados, já que os trabalhadores continuam a descontar.

A UTAO também destacou, no relatório do primeiro trimestre, a “evolução positiva do IRS, que permaneceu resiliente mesmo após a entrada em vigor das medidas de alívio fiscal aprovadas no OE/2024, beneficiando da evolução favorável do mercado de trabalho”.

Em abril, o desemprego recuou pelo segundo mês consecutivo. A taxa fixou-se em 6,3%, valor inferior tanto face ao do mês anterior como ao do mesmo período do ano passado. Desde agosto que o desemprego não estava tão baixo, sendo que, apesar dos desafios dos últimos anos, o mercado de trabalho português tem mostrado sinais de resiliência, mantendo-se o desemprego próximo de mínimos históricos.

Excedente no final do ano está comprometido? Depende do Parlamento

Perante este arranque do ano menos favorável para as contas públicas, levanta-se a dúvida sobre se será possível repetir o excedente do ano passado. O abrandamento da economia e o aumento da despesa, nomeadamente com pensões e funcionários públicos, bem como o determinado pelas medidas aprovadas no Parlamento, colocam pressão nas finanças do país e dificultam a tarefa de Miranda Sarmento.

Como destaca o economista Pedro Braz Teixeira ao ECO, este contexto menos favorável no início do ano “claramente dificulta” o excedente no final do ano. Além disso, “ainda faz parte da herança” do anterior Governo “esta despesa acima do orçamentado”.

“Tudo isto já tornaria difícil o excedente para este ano, mas o risco maior é o que se está a passar no Parlamento”, argumenta o diretor do gabinete de estudos do Fórum para a Competitividade, já que “há coligações entre o PS e o Chega para aprovar reduções de receita e aumento de despesa”.

Isto é algo que “o Governo não controla”, nota. Assim, vive uma conjuntura económica “razoável”, mas com “riscos de poder deteriorar-se” e um problema político de gerir um orçamento que pode ser “torpedeado no Parlamento”.

Carlos Lobo também corrobora esta ideia, apontando que “a questão são as propostas que estão a ser discutidas na Assembleia”. “Se somarmos a descida do IRS, mais as portagens, mais o aumento dos vencimentos”, são tudo “situações que não estavam previstas na proposta orçamental”.

Tudo depende da margem que se tem, sendo também de salientar que “não somos obrigados a ter balanço zero ou superávite”, apesar de ser melhor ter as contas públicas saudáveis, até por questões como o rating da dívida, ressalva. Assim, será necessário “fazer tudo possível para crescer” a economia e compensar aumento da despesa.

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Miranda Sarmento também tinha destacado alegadas “despesas excecionais” aprovadas após as eleições pelo anterior Governo, que, para o economista João Rodrigues dos Santos, “deverão requerer da parte do atual Governo a respetiva validação, incluindo ao enquadramento legal das decisões”.

O especialista destaca ainda que “continuam a subsistir muitas incógnitas”, nomeadamente, relativamente ao contexto internacional. “Um saldo orçamental positivo será sempre possível, independentemente dos resultados até abril”, admite, mas, “num país com tantas dificuldades estruturais e altamente deficitário em matéria de produtividade, a implementação de políticas e de medidas tem custos muito impactantes”.

O Banco de Portugal também já alertou o Governo para seguir uma “política orçamental prudente”, numa análise presente no Boletim Económico de junho. Segundo os técnicos do banco central, esta estratégia visa “minimizar os montantes a refinanciar e o risco inerente através do reforço da credibilidade junto dos mercados”, lembrando que a subida da taxa de juro implícita em 2023 levou a que pela primeira vez desde 2014 os juros pagos tenham aumentado.

Existem, assim, vários fatores que a equipa de Miranda Sarmento terá de gerir para conseguir a sustentabilidade das contas públicas. O Governo ainda não revelou as previsões para este ano, mas já inscreveu números no Programa de Estabilidade, num cenário de políticas invariantes, que apontam para saldos orçamentais positivos nos próximos anos. Para 2024, o programa entregue por Miranda Sarmento a Bruxelas prevê um excedente de 0,3% do PIB em políticas invariantes.

Já Fernando Medina tinha preparado um Programa de Estabilidade para a entrega, caso ficasse demasiado em cima do prazo das eleições e da tomada de posse, que projetava um excedente de 0,7% do PIB. Este número era já superior à estimativa de 0,2% inscrita no Orçamento do Estado para 2024, que o ex-ministro ainda elaborou.

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