Inflação deu “dividendo” de 9,3 mil milhões a Orçamentos de Costa
Receita adicional foi de 3,8 mil milhões de euros, em 2022, e de 5,4 mil milhões de euros, em 2023. Estudo avisa Executivo de Montenegro que montantes extra não se irão repetir nos próximos anos.
Os Orçamentos de António Costa beneficiaram de 9,3 mil milhões de euros em impostos e contribuições adicionais, devido à inflação. Em concreto, o aumento dos preços impulsionou a receita fiscal e contributiva do Estado em mais 3,8 mil milhões, em 2022, e de 5,4 mil milhões de euros, em 2023, segundo um estudo elaborado por Francisco Ruano, analista da Área de Monitorização e Supervisão Orçamental do Conselho das Finanças Públicas (CFP), publicado no blogue daquele organismo.
Ora este bónus não se irá repetir, salienta o autor, num aviso ao atual Executivo de Luís Montenegro. “Nos próximos anos, os exercícios de programação orçamental terão de se confrontar com taxas de crescimento da receita mais próximas da real dinâmica dos agregados macroeconómicos subjacentes”, alerta. Ou seja, os próximos Orçamentos do Estado devem já prever ritmos mais baixos de crescimento da receita, tendo em conta o arrefecimento do índice de preços no consumidor (IPC).
O aviso não é de somenos tendo em conta que o Estado já registou dois meses consecutivos de défice. Em abril, o saldo negativo disparou sete vezes para quase dois mil milhões de euros, embora ainda faltem oito meses de execução orçamental em que o número pode ou não ser atenuado.
No boletim de junho do ano passado, o Banco de Portugal já tinha dedicado um capítulo ao efeito direto do aumento da inflação sobre a receita fiscal e contributiva, no qual concluiu que, “do aumento da receita fiscal e contributiva em 2022 (11.156 milhões de euros), cerca de 30% (3.212 milhões de euros) resultou do aumento da inflação”.
O economista do CFP publica agora um relatório onde atualiza os valores de 2022 e quantifica ainda o impacto da inflação sobre a receita fiscal e contributiva em 2023. Assim, o “dividendo inflacionista’ (impacto do efeito preço adicional) ascendeu a 3.846 milhões de euros e a 5.440 milhões de euros nos anos de 2022 e 2023”.
“A magnitude deste ‘dividendo’ explica cerca de um terço e de dois terços da variação total da receita fiscal e contributiva nos respetivos anos”, destaca o antigo adjunto do então secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, agora deputado do CDS à Assembleia da República. Isto significa que, dos 11.154 milhões de euros de aumento de impostos e contribuições sociais, em 2022, 3.846 milhões vêm da inflação (34,5%). E que, da variação da receita fiscal em 7.948 milhões de euros, no ano passado, 5.440 milhões (65,7%) surgem à boleia do agravamento dos preços junto do consumidor. Somando o acumulado de 2022 e de 2023, chegamos a um adicional em impostos e contribuições de 9.286 milhões de euros.
De recordar que a receita em impostos e contribuições sociais, atingiu os 87.301,8 milhões de euros, em 2022, e os 94.963,8 milhões de euros, em 2023, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), o que se traduz numa carga fiscal de 36% e de 35,8%, respetivamente.
“O contexto de inflação particularmente elevado vivenciado nos dois últimos anos proporcionou a obtenção de importantes ganhos na receita fiscal e contributiva. Deste modo, quantificar a dimensão destes ganhos mostra-se relevante para determinar, o que, genericamente, se classifica como ‘dividendo inflacionista’. Esta classificação é aqui atribuída, na medida em que a receita adicional gerada não resulta: i) nem da evolução da atividade económica em termos reais; ii) nem da observância de um crescimento dos preços em linha com os objetivos de médio prazo do BCE e previamente antecipados pelos agentes económicos; iii) nem do impacto de medidas de política que visassem atingir uma consolidação orçamental de magnitude equivalente à conseguida pela materialização deste efeito”, explica o autor.
Do exercício realizado conclui-se que, “nos últimos dois anos, o efeito preço adicional ou ‘dividendo inflacionista’ contribuiu de modo substancial para o crescimento da receita fiscal e contributiva. Uma estimativa própria aponta para que o impacto global tenha ascendido a 1,6% do PIB em 2022 e a 2,0% do PIB em 2023“, indica Francisco Ruano.
Mais detalhadamente, verifica-se que o crescimento do contributo do “dividendo inflacionista” em 2023 se ficou a dever, em grande medida, “à receita adicional gerada através do IRS e das contribuições sociais”, aponta o economista. “Este ganho traduz a aceleração das remunerações médias”, em 8,3%, em 2023, e em 6%, em 2022, lê-se no mesmo relatório.
“Em sentido contrário, a desaceleração do deflator do consumo privado”, que passou de 7,1% para 5,1%, “e do índice de Preços do Consumidor”, que recuou de 7,8% para 4,3%, “implicou a redução do ‘dividendo inflacionista'”, de acordo com o estudo. O IVA foi o imposto mais afetado por estes fatores. Assim, a receita arrecadada com este tributo diminuiu de 1.405 milhões de euros, em 2022, para 939 milhões de euros em 2023.
De salientar que a quebra na arrecadação da receita do IVA (-3,8%) foi um dos fatores mencionados pela Direção-Geral do Orçamento (DGO) para justificar o défice registado em abril.
Por fim, o autor sinaliza que, “com a expectável moderação do ritmo de crescimento das remunerações e dos preços dos bens e serviços no ano de 2024 e seguintes, a margem para obtenção de acréscimos na receita desta magnitude tenderá a ser mais reduzida”.
“Esta perspetiva sugere que, nos próximos anos, os exercícios de programação orçamental terão de se confrontar com taxas de crescimento da receita mais próximas da real dinâmica dos agregados macroeconómicos subjacentes, uma vez que, os efeitos de ordem nominal tenderão a ser menos expressivos do que os recentemente observados”, sublinha o economista.
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