Governo nomeia para a TAP sem avaliação da CReSAP
O Governo já escolheu os nomes que vão representar o Estado na TAP. Há um acordo entre o Estado e os acionistas privados, mas o Governo considera que a avaliação da CReSAP não é necessária.
O Governo não vai enviar à CReSAP os nomes propostos para representar o Estado no conselho de administração da TAP, com base no decreto-lei 133/2013, artigo 9º, que estabelece as regras aplicáveis ao setor público empresarial e as bases do estatuto das empresas públicas, afirmou ao ECO uma fonte autorizada do Ministério do Planeamento. Dito de outra forma, o Governo considera que a TAP não é uma empresa pública ou equiparada e que, por isso, os seus gestores estão isentos de avaliação e parecer prévio da CReSAP.
Como o ECO revelou em primeira mão, Miguel Frasquilho vai ser o chairman da empresa em nome do Estado e Diogo Lacerda Machado vai ser administrador não executivo. Além disso, o Estado vai indicar também os nomes de Esmeralda Dourado, Ana Pinho, Bernardo Trindade e António Menezes. São seis administradores, que serão acompanhados por outros seis, indicados pelo Estado. E a nova administração vai tomar posse no próximo dia 30 de junho.
Com base em todos as informações públicas conhecidas e até nas declarações políticas de ministros aquando da reversão da privatização maioritária da TAP, o Estado tem poderes de influência nas decisões estratégicas da companhia.
Ainda não é conhecido o acordo parassocial estabelecido entre o Estado e o consórcio privado Atlantic Gateway, que tinha 61% do capital e passou a ter, com base neste novo acordo, 45%. Os trabalhadores têm 5% e o Estado tem agora os outros 50%. Mas sabe-se por exemplo que o conselho de administração é paritário entre representante do Estado e representantes do acionista privado (6/6) e que o chairman é indicado pelo Estado e tem voto de qualidade em caso de empate nas decisões.
Ora, o que diz o artigo 9º do referido decreto-lei 133/2013? De acordo com o número 1 este artigo, “existe influência dominante [do Estado] sempre que as entidades públicas referidas nos artigos 3.º e 5.º se encontrem, relativamente às empresas ou entidades por si detidas, constituídas ou criadas, em qualquer uma das situações seguintes:
- a) Detenham uma participação superior à maioria do capital.
- b) Disponham da maioria dos direitos de voto.
- c) Tenham a possibilidade de designar ou destituir a maioria dos membros do órgão de administração ou do órgão de fiscalização.
- d) Disponham de participações qualificadas ou direitos especiais que lhe permitam influenciar de forma determinante os processos decisórios ou as opções estratégicas adotadas pela empresa ou entidade participada”.
Se nas alíneas a) a c), o governo tem argumentos para defender o estatuto privado da TAP, já a d) suscita dúvidas. Aliás, o argumento do governo para reverter a privatização foi, precisamente, a capacidade de o Estado manter uma influência nas decisões estratégicas da companhia. “O Estado será sempre o maior acionista da TAP, para sempre, como deve ser”, afirmou, à data, o ministro do Planeamento e Infraestruturas, Pedro Marques, citado pelo Público. E o próprio primeiro-ministro fez, por diversas vezes, referência à necessidade de o Estado ter uma palavra decisiva na gestão estratégica da TAP.
No entanto, confirmou uma fonte oficial do Ministério do Planeamento ao ECO, é este o decreto-lei que prova o estatuto privado da TAP e, por isso, a dispensa de apresentação dos nomes para o conselho de administração por si indicados à comissão de avaliação, a CReSAP, que tem poderes para fazer avaliações e dá pareceres não vinculativos para cargos da administração pública e para os gestores públicos.
Nesta segunda-feira, o deputado do CDS, Pedro Mota Soares, suscitou a questão da CReSAP, sem qualquer resposta do governo. “Não nos passa sequer pela cabeça que o Governo proceda a estas indicações sem ter previamente consultado a própria CReSAP”, afirmou o deputado e dirigente do CDS-PP Pedro Mota Soares, numa declaração aos jornalistas, na Assembleia da República.
O Presidente da República, por seu lado, preferiu centrar a discussão nas próximas nomeações, pediu até uma revisão da lei, para garantir uma forma de escolha de acordo com o modelo de CReSAP, o que indica que sabe a intenção do governo de não levar estes nomes àquela comissão de avaliação. “Sugiro um debate para o futuro sobre um modelo como a Cresap. Há muito tempo que me agrada”, disse o Presidente.
O ponto interessante é para o futuro. Talvez valha a pena pensar para os administradores executivos de empresas onde está o Estado, que é que antes da decisão pelo Governo haja uma audição por parte de uma entidade independente que se pronuncie sobre os nomes propostos.
Questionada pelo ECO sobre se no seu entendimento estas nomeações se encaixam na esfera dos gestores públicos, fonte oficial da CReSAP diz que cabe ao Governo responder. Questionada ainda se vai tomar a iniciativa de averiguar o caso, a mesma fonte autorizada da CReSAP diz que “não tem competências” para o fazer. A entidade diz apenas que “não recebeu solicitação para a elaboração de pareceres sobre esta matéria” e que “a competência de pedir os pareceres (que não são vinculativos) é do Governo“.
Outra fonte contactada pelo ECO, que já integrou a própria CReSAP, salientou contudo que o que está causa na apresentação de nomes à comissão não é o estatuto da empresa, mas do próprio gestor público. Sendo um gestor público, a lei é inequívoca: A CReSAP tem de ser ouvida previamente às nomeações. “Como é que o governo justifica que está a nomear seis administradores em seu nome, e para representar os interesses do Estado, e não os considera gestores públicos?”. A trama adensa-se. É que, até agora, não houve qualquer decreto-lei a isentar os gestores da TAP do Estatuto do Gestor Público, como se verificou no caso da Caixa Geral de Depósitos e da equipa de António Domingues. A lei foi alterada para poupar os gestores bancários ao Estatuto do Gestor Público.
O que diz o Estatuto do Gestor Público e, particularmente, “o diploma [que] modifica as regras de recrutamento e seleção dos gestores públicos”? Em 2012, o governo de Pedro Passos Coelho fez, através do decreto-lei 8/2012 alterações ao Estatuto do Gestor Público, precisamente para garantir que uma nova entidade independente tem a responsabilidade de avaliar os candidatos a gestores indicados pelo governo para aquelas funções.
O que diz exatamente a lei, no seu preâmbulo? “Em matéria de recrutamento e seleção dos gestores públicos, pretende-se assegurar a observância de critérios de transparência, isenção e mérito. Nesse sentido, comete-se a uma entidade independente, a Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública, a avaliação curricular e o parecer sobre a adequação de perfil da personalidade a propor para exercer o cargo de gestor público, os quais devem acompanhar a proposta de designação apresentada ao Conselho de Ministros pelos membros do Governo responsáveis pela área das finanças e pelo setor de atividade onde se insere a empresa pública”.
Claro, voltamos à questão de saber quem é que cabe no Estatuto do Gestor Público. No diploma de 2007, assinado por José Sócrates, estabelece-se, que é gestor público “quem seja designado para órgão de gestão ou administração das empresas públicas”. Mas logo no número 2, acrescenta-se também que as regras aplicam-se “aos titulares de órgão de gestão de empresa participada pelo Estado, quando designados pelo Estado”. No caso, o Estado tem uma participação de 50%. Ainda assim, refere a mesma fonte oficial, o entendimento do governo é outro: “O art. 2º, sobre a aplicação do Estatuto de Gestor Público aos titulares de órgão de gestão de empresa participada pelo Estado, exclui taxativamente a aplicabilidade do art.º 13º da mesma Lei, sobre o processo de nomeação, com submissão de pedido de parecer à CRESAP”. Este artigo 13º, com efeito, exige o parecer do Estatuto do Gestor Público, mas não é citado quando se refere a gestores de empresas participadas.
De resto, a mesma fonte oficial referiu ao ECO que, aquando da privatização, entraram dois administradores em nome do Estado na TAP e não consta do processo qualquer parecer da CReSAP. À data, o Estado tinha 39% do capital, os outros 61% estavam nas mãos do consórcio Atlantic Gateway. E o Estado não tinha nem chairman, nem a paridade de administradores no conselho.
Perante a polémica das nomeações do governo para a administração da TAP, o próprio consórcio privado que tem 45% da TAP e a gestão executiva da companhia, liderado por David Neeleman, divulgou um comunicado em que sublinha a sua natureza “privatizada e privada”.
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