Depois do “pacotão”, startups e fundos pedem mais medidas ao Governo

Medidas de incentivo ao investimento nacional privado em private equity e em VC e reformular programa de stock options são algumas das recomendações após ser conhecido o pacote para acelerar economia.

Na hora de dar uma nota ao pacote de medidas do Governo para acelerar a economia, o ecossistema de empreendedorismo divide-se entre o “muito positivo” e o “mediano”, mas são unânimes num pedido: há que acelerar o passo da implementação das medidas e carregar a fundo no processo de desburocratização para que o impacto pretendido chegue ao mercado.

“Após um anúncio da envergadura deste Programa, o mais importante é assegurar a implementação eficaz e célere das medidas, de forma clara e desburocratizada, para que sejam realmente transformadoras para o ecossistema early stage e permitam aos empreendedores baseados em Portugal um ambiente facilitador dos seus projetos e da sua ambição”, aponta Lurdes Gramaxo, presidente da Investors Portugal e partner da Bynd VC.

“Um passo na direção certa” é como António Dias Martins avalia o “Programa Acelerar a Economia”. “Estas medidas endereçam algumas das preocupações e desafios colocados ao Governo por representantes dos principais atores do ecossistema, incluindo a Startup Portugal, no sentido de fomentar um ambiente favorável ao empreendedorismo e à inovação, e são um sinal positivo para o ecossistema empreendedor em Portugal, mostrando um compromisso e aposta sólida no mesmos”, considera o diretor executivo da Startup Portugal, organização sem fins lucrativos que esteve envolvida, por exemplo, no desenho da chamada Lei das Startups.

Após um anúncio da envergadura deste Programa, o mais importante é assegurar a implementação eficaz e célere das medidas, de forma clara e desburocratizada, para que sejam realmente transformadoras para o ecossistema early stage e permitam aos empreendedores baseados em Portugal um ambiente facilitador dos seus projetos e da sua ambição.

Lurdes Gramaxo

Presidente da Investors Portugal e partner da Bynd VC

Miguel Santo Amaro deixa um alerta à navegação no pós-anúncio do ‘pacotão’. “Sublinho a necessidade urgente de estabelecer uma estratégia a longo prazo para startups e scaleups portuguesas, adaptando-as ao ambiente competitivo global”, diz o fundador da Coverflex, scaleup que já está a operar em Espanha e Itália, depois de ter fechado uma ronda de 15 milhões.

“É essencial melhorar a literacia financeira da população e reformular o programa de stock options (garantindo a elegibilidade de todos os fundadores e rever o período de detenção exigido aos trabalhadores), transformando-o num verdadeiro elevador social que contribua significativamente para a economia e a sociedade portuguesa”, atira o fundador.

O que diz o ecossistema do ‘pacotão’

Do conjunto de 60 medidas anunciado pelo Executivoalgumas delas visando especificamente o ecossistema de empreendedorismo –, Lurdes Gramaxo destaca as “relacionadas com a dedução fiscal das mais-valias obtidas por pessoas singulares na capitalização de empresas, o alargamento da participation exemption ou a dedutibilidade do goodwill”, que classifica como “fundamentais para atrair mais capital para o empreendedorismo e dinamizar o setor empresarial, especialmente porque fomentam a concentração de empresas, possibilitando maior escala e mais competitividade.”

“As promessas de um novo regime de atração de talento são especialmente importantes para não só atrair talento internacional, como também para promover a retenção do talento nacional”, realça ainda a presidente da associação de fundos de investimento em early stage.

Miguel Alves Ribeiro não se mostra tão entusiasmado com a bondade do regime de atração de talento anunciado. O IFICI+ – medida inspirada no regime dos residentes não habituais, eliminado no ano passado pelo Executivo liderado pelo PS – prevê taxar apenas 20% rendimentos de trabalho obtidos, em Portugal, por cientistas e investigadores não residentes, estrangeiros ou emigrantes portugueses, que não moram no país há pelo menos cinco anos.

Mais do que implementar iniciativas para atrair talento estrangeiro — algo que é importante para trazer diversidade e mais know-how —, acredito que devemos focar em reter o talento nacional”, atira o fundador da sheerMe. “Portugal possui profissionais incríveis, mas os incentivos atuais dão prioridade à atração de estrangeiros, em vez de oferecer melhores condições aos nossos brilhantes profissionais, mantendo-os no país para contribuir com o crescimento nacional”, continua.

“Os incentivos do Estado parecem desalinhados com as necessidades dos portugueses, que buscam pagar menos impostos, receber salários que permitam cobrir o custo de vida, como aluguer e compra de imóveis, e, em última análise, ter uma vida melhor”, reforça. “Parece que estamos a incentivar as pessoas a deixar Portugal por alguns anos para depois voltar com benefícios”, critica o cofundador da scaleup já com operação no Brasil e Espanha.

Os incentivos do Estado parecem desalinhados com as necessidades dos portugueses, que buscam pagar menos impostos, receber salários que permitam cobrir o custo de vida, como aluguer e compra de imóveis, e, em última análise, ter uma vida melhor. (…) Parece que estamos a incentivar as pessoas a deixar Portugal por alguns anos para depois voltar com benefícios.

Miguel Alves Ribeiro

Cofundador da sheerMe

O SIFIDE podia ser uma forma de incentivar a vinda de talento no país, mas também a fixação de portugueses, combatendo a fuga de cérebros. “Todas as empresas que têm SIFIDE e têm esse certificado deveriam ter benefícios de contratação quer seja nacional ou internacional. Isso faz sentido e ajudaria a trazer e manter talento”, defende Miguel Alves Ribeiro.

O reforço dos fundos SIFIDE está entre as mexidas feitas pelo Governo visando dar maior liquidez ao ecossistema. Embora, considere que há “alterações que poderão ser positivas” — como é o caso do “alargamento dos prazos de investimento de três para cinco anos, um timing mais apropriado ao ritmo de investimento das empresas e aos períodos de investimento dos fundos” –, Stephan de Moraes, recém-eleito presidente da Associação Portuguesa de Capital de Risco (APCRI), considera que há ainda trabalho por fazer para dar nova força a este mecanismo.

Deveriam ser introduzidas outras medidas para impedir distorções de mercado, convocar mais capital privado que não seja mera poupança fiscal e alinhar interesses para tornar as empresas portuguesas mais inovadoras e competitivas”, diz.

“O SIFIDE tem de ser um instrumento mais equilibrado, com os incentivos corretos e mais úteis ao país. Já transmitimos ao Governo a nossa disponibilidade para colaborar na definição das melhorias adicionais que são necessárias”, reforça o responsável da associação que reúne ramos da indústria dedicados ao private equity, ao venture capital e aos Fundos de Reestruturação.

O SIFIDE tem de ser um instrumento mais equilibrado, com os incentivos corretos e mais úteis ao país. Já transmitimos ao Governo a nossa disponibilidade para colaborar na definição das melhorias adicionais que são necessárias.

Stephan de Moraes

Presidente da APCRI

O anúncio de um novo fundo de investimento de deep tech, com foco na sustentabilidade, é também olhado como “positivo” pelo presidente da APCRI. “A questão é que a maior ou menor possibilidade de sucesso desse fundo dependerá do tipo de entidade a que for entregue esse fundo, bem como do seu tipo de gestão. Acreditamos que o êxito pode ser maximizado se esse fundo para deep tech for gerido por operadores privados com experiência relevante na área”, ressalva. Sobre o fundo pouco ainda se sabe e, até ao fecho deste artigo não foi possível obter junto do Ministério da Economia, informação sobre qual o montante previsto, a entidade gestora e para quando está previsto o seu arranque.

Mesmo sem serem ainda conhecidos grandes detalhes sobre este fundo, essa é uma das medidas do ‘pacotão’ destacadas por Rodrigo Bourbon, fundador da startup Condoroo. Esta medida juntamente com os benefícios fiscais anunciados para atrair talento estrangeiro qualificado, as mudanças no SIFIDE, o reforço do “Call Innov-ID da Portugal Ventures” e a reformulação do sistema de classificação das atividades económicas, são “medidas que terão grande impacto na maneira como, nós, empreendedores, olhamos para o mercado português como uma oportunidade para a criação e desenvolvimento dos nossos negócios”.

Contudo, embora considere o programa apresentado pelo Governo “um sinal positivo”, para o CEO da Condoroopodemos ser ainda mais ambiciosos, posicionando Portugal como um polo atrativo para talento e investimento global.” E elenca um conjunto de outras medidas que, do seu ponto de vista, ainda falta dar resposta: “Incentivos para investimentos em startups, nomeadamente a implementação de algo semelhante ao Qualified Small Business Stock dos EUA, que permite a investidores isenção parcial ou total de ganhos de capital em investimentos de longo prazo em startups qualificadas” ou “um esquema como o Enterprise Investment Scheme (EIS) do Reino Unido, que oferece isenções fiscais a investidores que compram ações de startups, poderia atrair mais investimento, assim como acompanhamento e know-how.” Ou, contribuindo para a atração e retenção de talento, uma revisão do IRS. “Numa fase inicial, as startups oferecem salários mais baixos mas, à medida que crescem, a necessidade de contratar e aumentar salários é fundamental. A estrutura atual do IRS reduz significativamente a margem líquida desses aumentos, o que constitui um obstáculo à escalabilidade”. Mas sobretudo, “a redução da burocracia”.

Prioridade máxima? Reduzir burocracia

Essa é, de resto, a principal aposta a ser feita, aponta Humberto Ayres Pereira para quem o impacto do pacote é “mediano”. “Tem algumas coisas giras, mas muito pouco que possa criar uma explosão de inovação”, considera o cofundador da Rows que dá, no entanto, nota “muito” positiva ao incentivo a mais doutorados nas empresas – “muito interessante para startups” –, bem como a mais investigadores e docentes como acionistas de startups. “Precisamos muito de levar a inovação ao nível seguinte. Nem todos os investigadores (PhD) têm perfil para startups, mas os que têm vão ser super valiosos”, argumenta. “Interessante” é como classifica a dedução fiscal de custos com capitalização às mais-valias e dividendos. “Faz com que quem vende ações de startups etc. possa reinvestir mais desse dinheiro em novas empresas. No fundo equipara para pessoas individuais uma parte do benefício de se ter uma empresa de investimento onde se acumulam os ganhos para reinvestir”, diz.

Mas há que fazer uma “desburocratização agressiva da gestão de uma empresa”, defende. “Estamos mal no ranking ‘Ease of Doing Business”. Há que perseguir agressivamente a meta de ficar melhor, seguindo o exemplo de países Europeus líderes em desburocratização.” Por exemplo, no que toca aos pagamentos ao Estado, há “demasiadas referências Multibanco, referências de pagamento de impostos especiais, etc. Nada disso funciona em bancos internacionais. Há que implementar pagamento via IBAN para tudo”, sugere o cofundador da scaleup que, em maio, fechou uma ronda de 8 milhões e que tem nos EUA 35% das vendas e em mercados como Alemanha e Reino Unido outro terço das receitas.

Miguel Alves Ribeiro alinha pela mesma ideia de agilidade e simplificação. “Para que esses incentivos sejam realmente eficazes, é crucial reduzir a burocracia envolvida e acelerar a entrega dos recursos financeiros às startups. Atualmente, os processos de candidatura são excessivamente complexos e demorados, e os fundos demoram muito para chegar a quem precisa. Resolver essas questões deve ser uma prioridade máxima. Não basta anunciar iniciativas; elas precisam funcionar e gerar um impacto real”, argumenta o cofundador da SheerMe.

O compromisso do Estado em pagar em 30 dias foi “um dos anúncios que mais me impressionou”. Para empresas como a MyCareforce, que trabalham com o setor público, é uma medida de extrema importância e que dará uma confiança acrescida para trabalhar com empresas públicas.

Pedro Cruz Morais

CoCEO da MyCareforce

E, por falar a que a liquidez chegue a tempo e horas, Pedro Cruz Morais, coCEO da MyCareforce, plataforma que liga enfermeiros a turnos em estabelecimentos de saúde, destaca o compromisso do Estado em pagar em 30 dias como “um dos anúncios que mais me impressionou”. E explica porquê. “Para empresas como a MyCareforce, que trabalham com o setor público, é uma medida de extrema importância e que dará uma confiança acrescida para trabalhar com empresas públicas.”

“Seria muito interessante o Governo ouvir o mercado e os principais players em vários setores para conseguir analisar quais as reais dificuldades existentes e assim chegar a melhores propostas e soluções”, aponta Vasco Pereira Coutinho. “A redução drástica do IRC para novas empresas e novos projetos, a redução fiscal para apoio a determinados setores e indústrias ao invés da atribuição dos créditos fiscais, são algumas ideias que deveriam ser estudadas”, aponta o CEO da Lince Capital que, no início do ano, anunciou um fundo de 146 milhões dedicado a startups nacionais inovadoras com projetos de I&D.

Há outras medidas para o ecossistema empreendedor, no domínio fiscal, financiamento, desburocratização e internacionalização que foram propostas pela Startup Portugal e estão a ser avaliadas e preparadas. Estamos empenhados em manter e fortalecer a cooperação com o Governo para enfrentar os desafios persistentes deste ecossistema.

António Dias Martins

Diretor executivo da Startup Portugal

António Dias Martins aponta igualmente outras medidas quando instado sobre o que mais poderia ser endereçado no futuro para dinamizar o empreendedorismo. “Há outras medidas para o ecossistema empreendedor, no domínio fiscal, financiamento, desburocratização e internacionalização que foram propostas pela Startup Portugal e estão a ser avaliadas e preparadas. Estamos empenhados em manter e fortalecer a cooperação com o Governo para enfrentar os desafios persistentes deste ecossistema”, adianta o diretor executivo da Startup Portugal.

Stephan de Moraes elenca também alguns aspetos de melhoria. “O Governo terá de preparar um pacote de medidas específicas para incentivar o investimento nacional privado em private equity e em venture capital, adequando os instrumentos públicos às melhores práticas internacionais. Deverão ser criados mecanismos que atraiam os investidores institucionais portugueses e estrangeiros para aplicarem ativos na indústria nacional de venture capital, tal como sucede com muito sucesso nos ecossistemas empreendedores mais desenvolvidos do mundo”, aponta o presidente da APCRI.

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