Arranca esta sexta-feira o maior evento de desportos do mundo. França investiu nove mil milhões para erguer Paris 2024. História mostra que organizar os Jogos Olímpicos não é um negócio rentável.
Conquistar a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos representa a glória eterna para um atleta. Mas a maior prova desportiva do Mundo está longe de ser um negócio propriamente vencedor para quem organiza o evento. Para erguer o Paris 2024, que arranca oficialmente esta sexta-feira, França gastou um valor estimado de nove mil milhões de euros. Agora terá pela frente uma missão olímpica para contrariar a história.
Nos últimos 60 anos, apenas três das 14 edições dos Jogos Olímpicos de Verão tiveram um saldo positivo, de acordo com o estudo “O défice estrutural dos Jogos Olímpicos e dos Mundiais”, da autoria de Martin Müller, David Gogishvili e Sven Daniel Wolfe, do Departamento de Geografia e Sustentabilidade da Universidade de Lausanne, na Suíça.
Nesta prova dos Jogos mais rentáveis, Los Angeles 1984 ganha a medalha de ouro: registou um lucro de quase mil milhões de dólares. Atlanta 1996 e Sydney 2000 também estão no pódio por terem fechado as contas com números positivos, segundo o mesmo estudo – que ainda não inclui os números de Tóquio 2020, que deverá ter representado um custo de quase 13 mil milhões de dólares.
Por seu turno, Montreal 1976 ganha a medalha de lata porque apurou o maior défice na história dos Jogos Olímpicos, com um saldo negativo de 5,7 mil milhões de dólares.
“Isto acontece porque quem organiza acaba por gastar muito dinheiro em infraestrutura especializada que tem um uso muito limitado depois do evento”, explica Martin Müller, um dos autores do estudo, citado pela Euronews.
Para estas contas os autores somaram os custos diretos com a organização e a construção dos estádios e recintos que acolheram a prova e as receitas diretas com bilheteira, direitos televisivos e acordos de patrocínio. A conclusão é a que se pode verificar no gráfico em baixo: Londres 2016 e Grécia 2004 foram uns embustes financeiros, tendo em conta a relação entre os gastos e os ganhos; máquinas de fazer dinheiro (cash cows) nem vê-las.
Jogos com pouco peso na dívida pública
A fatura de Paris 2024 ascende a cerca de nove mil milhões de euros, de acordo com as estimativas das autoridades oficiais, mas as contas finais estão longe de fechadas.
O comité organizador adiantou que teve um orçamento de 4,4 mil milhões de euros, dinheiro proveniente da venda de bilhetes, dos contratos televisivos e de patrocínio e do próprio Comité Olímpico Internacional (COI). Por exemplo, para a cerimónia de abertura, que terá lugar esta sexta-feira no rio Sena, o preço dos bilhetes varia entre 90 euros e 2.700 euros. Paris espera encaixar 1,1 mil milhões de euros com a bilhética. Já o contributo do COI ascende a 1,2 mil milhões de euros, incluindo 750 milhões relativos a direitos televisivos e 470 milhões relativos a parcerias.
Por outro lado, segundo a AFP, o governo francês e as autoridades locais já adiantaram financiamento público no valor de quase 2,5 mil milhões de euros, sobretudo para a construção de infraestruturas, como os recintos desportivos.
Apesar do esforço do erário público, Bruno Cavalier, economista-chefe da Oddo BHF, considera que o envolvimento direto do dinheiro dos contribuintes nestes Jogos “é relativamente limitado” e destacou que não será esta fatura que irá “mudar radicalmente” a dívida pública na ordem dos 3,2 biliões de euros.
França tem um dos maiores rácios da dívida pública da Zona Euro, superando os 110% do Produto Interno Bruto (PIB), acima inclusivamente do rácio de Portugal (100,4%) no final do primeiro trimestre, de acordo com o Eurostat.
Impacto económico superior a 6,7 mil milhões
O COI destacou que assumir apenas as receitas e custos diretos dos Jogos representa uma “forma simplista e inapropriada” de olhar para as coisas. Na verdade, as contas do professor Martin Müller e colegas não incluíram o impacto económico de cada evento. Para os Jogos de Paris 2024, o comité organizador acredita que vai fomentar o emprego, esperando que sejam “mobilizados mais de 181 mil postos de trabalho” por conta dos Jogos, incluindo novos empregos e empregos já existentes mas que estarão envolvidos no evento.
Um estudo do Centre de Droit et D’Économie du Sport concluiu que o evento deverá produzir benefícios económicos na região parisiense entre os 6,7 mil milhões de euros (no pior cenário) e os 11,1 mil milhões.
No melhor cenário, o estudo detalhou o impacto em três grandes dimensões: turismo (3,56 mil milhões de euros), construção (três mil milhões) e atividade económica relacionada com a organização do evento (4,58 mil milhões).
Contrariando um pouco este otimismo, o Deutsche Bank chegou à conclusão de que “os países organizadores dos Jogos Olímpicos e Campeonatos do Mundo raramente obtêm retornos económicos ou mesmo sociais positivos em relação aos investimentos públicos pesados em novos estádios e infraestrutura pública”.
Mesmo ao nível do turismo, há quem duvide do real impacto. Paris espera 15 milhões de visitantes para os Jogos. Porém, a capital francesa já é uma das cidades mais visitadas do mundo, sobretudo nos meses de verão. E as experiências de outras cidades que acolheram os Jogos Olímpicos como Londres e Pequim mostraram até uma queda na atividade turística. “Em Londres, por exemplo, os estudos concluíram que teve de facto menos turistas na cidade durante os Jogos Olímpicos de 2012 do que nos verões anteriores”, referiu Martin Müller.
Para o governador do Banco de França, François Villeroy de Galhau, os Jogos Olímpicos de Paris terão um impacto mais “psicológico” do que económico. Mas sublinhou que se a França melhorar a sua imagem para o exterior, poderá eventualmente esperar um aumento do interesse de investidores internacionais.
Internamente, os parisienses vão sentir perturbações no seu quotidiano. O preço do bilhete do metro aumentou temporariamente para 4 euros (custa 2,15 euros normalmente) para responder ao aumento da procura por parte dos turistas.
Para evitar complicações, o presidente da região de Paris, Valérie Précesse, aconselhou os locais a trabalharem a partir de casa nas próximas semanas, enquanto se espera que muitos aproveitem o tempo das férias de verão para fugirem da Cidade Luz nas próximas semanas.
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Paris gastou 9 mil milhões nos Jogos. Mas vale a pena?
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