Reflexões sobre a relação entre direitos humanos e os critérios ESG

  • Rita Rendeiro e Rafaela Mendel
  • 5 Setembro 2024

Há quem entenda que os direitos humanos se enquadram apenas na dimensão social, ou seja, no “S” do ESG. Consideramos ser uma visão muito limitada.

Nos dias que correm, é quase impossível pensar em critérios ESG (Environmental, Social and Governance) sem quase imediatamente vir à mente o tema dos direitos humanos. Como sabemos, os critérios ESG têm impactos mais abrangentes do que apenas a proteção dos direitos humanos, mas acabam por ser um veículo catalisador destes direitos, como tem sido evidenciado pelas medidas legislativas europeias recentes. Os critérios ESG englobam as práticas de uma empresa nas dimensões social, de governança e ambiental, e surgem assim como um meio eficaz de proteção dos direitos humanos, porque crescentemente esses critérios influenciam as ações das grandes empresas, e, em certa medida, vão começando a integrar normas vinculativas.

Há quem entenda que os direitos humanos se enquadram apenas na dimensão social, ou seja, no “S” do ESG. Consideramos ser uma visão muito limitada da relação entre os dois temas, porque a verdade é que os direitos humanos são transversais aos critérios ESG, tanto que, em 2021, a Organização das Nações Unidas reconheceu expressamente que o acesso a um ambiente limpo, saudável e sustentável é um direito humano. Em nossa opinião, uma governança sólida prima pela ética e transparência, e acautela aspetos como a proteção de dados, o combate à corrupção ou o cumprimento das leis nacionais e internacionais, em que se incluem os direitos humanos. Sem a garantia dos direitos humanos, qualquer esforço para preencher os critérios ESG será incompleto, ou até insustentável.

A Declaração dos Direitos Humanos da ONU não é um documento jurídico vinculativo, embora sirva de base a outros documentos dessa natureza. Justamente, temos vindo a testemunhar uma evolução que se pauta por uma intensificação legislativa e regulatória com impacto na proteção dos direitos humanos, de que são exemplos, na Europa, o Regulamento da Taxonomia (o Regulamento UE 2020/852) ou a Diretiva CSDDD (Diretiva 2024/1760, publicada a 5 de julho de 2024).

Há mais de 5 décadas, Milton Friedman publicava “The Social Responsibility of Business Is To Increase Its Profits”. Desde então, tem sido trilhado um novo e complexo caminho, que coloca a responsabilidade social das empresas noutro patamar, impactando a sua imagem e posição no mercado, a sua atratividade para investimento e até talento. Vemo-nos, assim, cada vez mais distante de Friedman.

Na União Europeia em especial, logo numa das primeiras peças legislativas basilares do European Green Deal – o Regulamento da Taxonomia, que introduziu um sistema de classificação de atividades económicas sustentáveis do ponto de vista ambiental – foi patente que, a par de critérios ambientais, teriam de cumprir-se sempre critérios sociais e de governança, já que qualquer entidade teria de cumprir com as “minimum safeguards”, o que implica (ao nível da entidade, e não apenas da atividade), o alinhamento com as OECD Guidelines for Multinational Enterprises e os Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos. Esta é uma mudança de paradigma fulcral, já que o Regulamento da Taxonomia interliga-se, entre outros, com o Regulamento de Divulgação de Informações sobre Sustentabilidade (SFDR) e com a Diretiva de Reporte de Sustentabilidade Corporativa (CSRD), peças centrais no que toca a Finanças Sustentáveis. Na mesma senda, foi recentemente publicada, gerando polémica desde a sua primeira proposta, a Diretiva de Devida Diligência em Sustentabilidade Corporativa (CSDDD), que sujeita as grandes empresas abrangidas a obrigações de devida diligência em direitos humanos e aspetos ambientais, incidentes sobre as suas operações e a sua cadeia de valor, e ainda à adoção de planos de transição sustentável. Esta nova Diretiva formaliza muitos dos critérios ESG relacionados com a proteção dos direitos humanos, o que releva tanto mais quanto a mesma se aplica a entidades a operar dentro e fora da União Europeia.

Em suma, do artigo de Friedman até aos dias de hoje, é evidente uma mudança de paradigma acerca da responsabilidade social das empresas. O lucro está cada vez mais associado ao impacto positivo na sociedade, implicando, assim, a proteção dos direitos humanos. A CSDDD fortalece a responsabilidade das empresas em relação ao tema dos direitos humanos, enquanto o Regulamento da Taxonomia, a SFDR e a CSRD vêm trazer transparência adicional nesta matéria, dando-lhe palco juntamente com os critérios ambientais. Congratulamo-nos com esta evolução positiva, geradora de esperança num futuro em que todos possam viver com dignidade, segurança e justiça, sem comprometer as necessidades das gerações futuras. Sigamos esperançosos!

  • Rita Rendeiro
  • Advogada na CCSL e Sustainable Finance
  • Rafaela Mendel
  • Legal & Institutional Affairs Manager at Porto Business School

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