O presidente do CES, Luís Pais Antunes, entende que "não existe competição entre a Concertação e o Parlamento", mas reconhece que acordo com parceiros sociais pode facilitar negociação orçamental.
O Governo quer fechar um acordo sobre valorização salarial e crescimento económico na Concertação Social antes de entregar no Parlamento a proposta de Orçamento do Estado para o próximo ano, mas ainda não é certo se será possível um entendimento com as centrais sindicais e as confederações patronais. “É cedo para dizer que não há acordo. É cedo para dizer que há acordo“, atira o presidente do Conselho Económico e Social (CES), que, ainda assim, acredita que há condições para um entendimento.
Em entrevista ao ECO — no dia anterior ao encontro entre o primeiro-ministro Luís Montenegro e o secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos –, Luís Pais Antunes defende que “o país ganhava” com esse acordo e admite que até a negociação orçamental seria facilitada, embora deixe claro que não há “uma competição” entre a Concertação e o Parlamento.
Por outro lado, questionado sobre a possibilidade da Confederação Empresarial de Portugal (CIP) voltar a ficar de fora (como aconteceu na revisão do acordo feito pelo Governo de António Costa), o ex-secretário de Estado do Trabalho alerta que um entendimento que não conte com os parceiros que são “importantes na geometria da sociedade é mais fraco”.
Esta é uma de três partes da entrevista do presidente do CES ao ECO. Pode ler as declarações de Luís Pais Antunes sobre o Orçamento do Estado para 2025 aqui, e a sua posição sobre o próprio Conselho Económico e Social aqui.
Um dos temas mais quentes, neste momento, na Concertação Social é o acordo sobre valorização salarial. Acredita que é possível chegar a um consenso entre os parceiros sociais?
Acredito, desejo e acho que, objetivamente, há condições para se fazer esse acordo. Muito mais do que isso, não poderei dizer. As negociações estão a decorrer. Há uma vontade dos diferentes parceiros e do Governo DE chegar a um entendimento. É cedo para dizer que não há acordo. É cedo para dizer que há acordo. Acho que o país ganhava com isso. Uma parte das incertezas em que vivemos, não apenas nacionais, mas também internacionais, justificam-no.
Entrou-se num mecanismo, não de revisão de acordos, mas de novos acordos anuais. Faz sentido?
Este não é um novo acordo. É uma atualização.
O acordo foi revisto pelo Governo há um ano. Agora há uma revisão da revisão, mas que tem uma natureza diferente, porque é um Governo diferente e porque parte de um ponto que é o facto de há um ano a CIP ter ficado fora do acordo, o que já não acontecia há muito tempo. É uma atualização do ponto de vista formal, mas é um novo acordo na prática, ou não?
Acho que a questão é um pouco semântica, a de saber se é novo ou não. Qualquer revisão de um acordo existente acaba por ser um novo acordo. O acordo que foi celebrado era para a legislatura e ia até 2026. O Governo em funções disse que iria respeitar esse acordo e que acha que pode ser útil propor um entendimento. Percebo a questão, mas não lhe atribuiria tanta importância quanto isso. Em condições normais, os acordos de longo prazo, as metas claras e definidas para um futuro alargado são uma vantagem. Mas a evolução da sociedade, a dinâmica da economia, a própria situação geopolítica obrigam praticamente todos os anos a afinar um bocadinho. Temos de nos habituar a viver com maior jogo de cintura, maior maleabilidade.
Ficar um parceiro de fora de um acordo de Concertação é sempre um falhanço. É um falhanço para o Governo, para os parceiros do lado sindical, para os parceiros do lado patronal.
Os sinais que viu destas primeiras reuniões apontam para que haja um acordo e um regresso da CIP a esse acordo?
Não consigo, não quero e não posso responder a essa questão, porque acho que não devo. As negociações estão a decorrer.
Mas ficar a CIP de fora seria um falhanço deste Governo?
Ficar um parceiro de fora de um acordo de Concertação é sempre um falhanço. Não é para o Governo, é um falhanço para o mecanismo de concertação. É um falhanço para o Governo, para os parceiros do lado sindical, para os parceiros do lado patronal. Nunca é bom.
O mercado, digamos assim, incorporou que a CGTP não está no acordo. Não incorporou que a CIP não está.
Em tese, um acordo de Concertação do qual não fazem parte parceiros que são importantes, digamos, na geometria da sociedade é mais limitado, mais fraco.
O contexto político ajuda a reforçar o papel da Concertação? O quadro parlamentar que existe pode apoiar a Concertação como uma ponte de diálogo político e de validação política do Governo, alternativa ao próprio Parlamento?
Alternativa, nunca será. Não acho que exista uma competição ou uma concorrência entre a Concertação e o Parlamento. O Parlamento continua a ser o centro e a sede do poder legislativo.
Mas o Governo pode procurar na Concertação a base social de apoio que não é refletida no Parlamento?
Isso não é novo. Lembro-me que, quando era deputado, não votei contra medidas que tinham sido propostas pelo poder então em funções, porque essas propostas incorporavam acordos que já tinham sido celebrados na Concertação Social. Claro que os Governos, e bem, se apoiam em soluções que conseguem encontrar junto com os parceiros sociais na Concertação. Não é uma coisa nova.
Nesse sentido, fez sentido o Governo deixar claro, na sua proposta de acordo, que quer baixar o IRC e alargar o IRS Jovem, apesar de esses serem dois pontos sensíveis na negociação com o PS, no âmbito do Orçamento do Estado para 2025?
São dois planos distintos. Uma coisa é aquilo que se vai discutir na Concertação social, outra coisa é aquilo que se vai discutir no Parlamento.
A natureza da discussão é diferente, mas as medidas, neste caso, são as mesmas.
Não me façam a pergunta se a negociação de um acordo na Concertação Social facilita a discussão orçamental. Objetivamente, sim. Agora, significa que daí vai resultar necessariamente um determinado desfecho no Orçamento? Não, porque são duas estradas paralelas. Só se encontram no infinito. No limite, qualquer uma das opções é passível de acontecer. Pode haver acordo na Concertação e não haver no Orçamento. Pode haver desacordo na Concertação e o Orçamento passar.
Há a perceção que começa a ser transversal que é preciso esticar a manta, e não cair no erro em que estávamos a cair, que era começar a ter um salário mínimo encostado ao médio.
O Governo anunciou que quer um acordo antes da entrega da proposta de Orçamento do Estado. Está a tentar fechar primeiro um acordo para depois discutir outro. Está à procura da validação política da Concertação para ganhar força. Isto é uma forma correta de usar a Concertação Social?
Não posso, nem devo responder a essa questão. Do ponto de vista do presidente do CES, essa é uma questão que não entra no universo das suas competências. As estratégias negociais do Governo são um tema de negociação. Cada um tem os seus objetivos. Sempre foi assim nos acordos, sempre será. Não vou estar a fazer um juízo de valor.
Em relação ao conteúdo da proposta de acordo, ouvi-o em junho dizer que é preciso descolar o salário médio do salário mínimo, e que isso só se consegue se a economia crescer. As medidas colocadas em cima da mesa vão nesse sentido, estimular a economia?
Não me vou pronunciar sobre o conteúdo de um acordo que ainda está em discussão. Se acho que esse é um tema que devia estar e está em cima da mesa, é, objetivamente. Não há ninguém que não ache que o salário mínimo deve aumentar. Tem vindo a aumentar, e é bom que continue a aumentar. Também há a perceção que começa a ser transversal que é preciso esticar a manta, e não cair no erro em que estávamos a cair, que era começar a ter um salário mínimo encostado ao médio. Aquilo que está em cima da mesa e aquilo que está a ser discutido é esticar um bocadinho a manta.
Isto é, subirem os dois.
Para subirem os dois, para assegurar que não há esse efeito de estreitamento.
Nos últimos anos, o país discutiu, sobretudo, o salário mínimo e muito pouco o salário médio. Como é que se muda esta discussão?
Muda-se mudando. Começando a ter nas discussões uma presença mais forte, mais explicada da importância de ter um salário médio mais destacado do salário mínimo. Até há muito pouco tempo, o foco da conversa era sempre o salário mínimo. Neste momento…
Nestes meses de experiência na presidência do CES, é perceptível para si uma mudança na discussão? Uma mudança de foco para o salário médio?
Não falaria já em mudança do foco. Diria que no horizonte onde praticamente só apareciam as palavras salário mínimo, neste momento está a começar a entrar no ecrã o tema do salário médio. Acho que cria um desafio maior. Se a subida do salário mínimo, tal como ela tem vindo a ser projetada sensivelmente desde a saída limpa, obriga a um maior dinamismo da economia, esse desafio ainda é maior com o crescimento do salário médio. À medida que o leque salarial vai aumentando, as necessidades de crescimento da economia são maiores. O grande desafio é que estamos num contexto político e económico – não apenas em Portugal, mas mais internacional e europeu –, em que os desafios do crescimento económico são muito difíceis. Há o risco de estarmos a pôr muito peso num dos pratos da balança, que é o da valorização salarial, mas não ter leverage suficiente para o fazer. É um risco sério.
Aumentar salários, mas também fixar contrapartidas?
Não chamaria contrapartidas. É criar as condições. No passado, houve muitas metas e muitas decisões que foram fixadas, quer em acordo de Concertação, quer em acordos à margem da concertação, que pura e simplesmente não produziram efeitos. O papel aguenta tudo. Houve acordos que eram extremamente ambiciosos e, depois, a coisa não funcionou.
Mexeu-se demasiado a legislação laboral.
Em maio de 2023, foram feitas dezenas de mudanças à lei do trabalho. O novo Governo já disse que as quer revisitar. Faz sentido estar a mexer com tanta frequência na legislação? Fará sentido reverter a Agenda do Trabalho Digno?
Mexeu-se demasiado a legislação laboral. É fundamental perceber se as alterações que vão sendo introduzidas na lei, às vezes por razões que que a razão desconhece, produziram efeitos e alcançaram os objetivos, ou, como muitas vezes acontece, estão a conduzir precisamente ao inverso daquilo que se pretendia. Nessas situações, é boa ideia atalhar caminho e voltar ao ponto de partida? Sim.
É o caso?
Não sei, porque há muito pouca monitorização. É muito recente. Há coisas que já se conseguem perceber. Agora, por sistema, isto não funciona como os bolos de bolacha, nos quais se vai pondo camada sobre camada. Sobretudo sem fazer uma análise séria. Acho importante fazer isso e perceber, em discussão com os parceiros, se eles se reveem nos resultados. Aí há de facto um caminho a fazer.
Onde é que se veem já sinais de mudança?
Neste momento, para o bem e para o mal, começa a perceber-se um pouco melhor qual o espaço do conceito de contrato de trabalho. Já há muitas decisões sobre a qualificação de uma determinada relação como contrato de trabalho ou não. A lei tem vindo a ser alterada, já foi alterada várias vezes e – não quero ser excessivamente crítico – acho que cada vez que se altera as dificuldades aumentam e as coisas tornam-se menos claras.
Por exemplo, na negociação coletiva, o objetivo era estimulá-la. Conseguiu-se isso?
Tenho ideia que várias das alterações que foram introduzidas nos últimos anos pouco ou nada contribuíram para aquilo que era um desejo partilhado por todos, que é o de revitalizar a contratação coletiva. Há visões diferentes sobre qual é a materialidade e qual é o conteúdo dessa revitalização. Grande parte das medidas que foram adotadas não alcançou esse objetivo. Aí há mais do que elementos para se fazer uma análise mais geral. Há coisas que foram numa boa direção, outras, pura e simplesmente, não estão a funcionar. É um exercício que faz sentido. Temos uma cultura fraca de avaliação e de reapreciação. Não é só noutros domínios que existe falta de accountability. Também há na produção legislativa e nas políticas públicas, onde acho que a intervenção do CES devia ser bastante mais reforçada.
Os sindicatos insistem que sem a revogação da norma da caducidade da contratação coletiva nunca será possível estimular a negociação. É por aí?
Voltar ao sistema que existia de não retirar quaisquer consequências do termo do prazo normal de vida de uma convenção é a pior solução que se pode adotar. A solução não pode ser acabar com o tema da caducidade das convenções coletivas ou fazer depender a grande cidade do acordo entre as partes, que significa voltarmos ao princípio. Pura e simplesmente dizer que um acordo, uma vez celebrado, é eterno… Em todos os ramos da vida, isso acabou. Em vários domínios, fomos avançando para incorporar a volatilidade das coisas. A solução não é acabar com a questão da caducidade.
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