Investidores desvalorizam (para já) instabilidade política

O caminho feito na redução do rácio da dívida pública desde 2014 por diferentes governos e o compromisso já assumido tanto por PSD como por PS no controlo da dívida dão confiança aos investidores.

A instabilidade política é geralmente vista como um fator negativo para a economia de um país, mas no caso de Portugal, os investidores parecem estar a desvalorizar as recentes turbulências. “O mercado de capitais não está a emitir qualquer sinal de alarme, pelo que não considera que exista um risco derivado do chumbo do Orçamento do Estado para 2025”, refere Vítor Madeira, analista da XTB ao ECO.

Apesar da possibilidade de um chumbo do Orçamento do Estado para 2025, que poderia levar o país a uma gestão em duodécimos ou a eleições antecipadas, os mercados financeiros mantêm-se relativamente calmos com o spread das yields face à Alemanha a manterem a sua trajetória habitual, com as taxas de juro das obrigações do Tesouro a acompanharem a média do mercado.

“É melhor haver Orçamento do que não haver, mas também é preciso desdramatizar a gestão em duodécimos”, refere Filipe Garcia, economista e presidente da IMF, lembrando que “Espanha tem duodécimos há mais de um ano e o spread das yields em relação à Alemanha não para de estreitar”

Esta aparente contradição é explicada pelos fortes dados estruturais da economia nacional, tanto em matéria de crescimento e situação orçamental, e pelo nível do controlo da dívida e da despesa pública, que tem sido suportado por um consenso político generalizado pelos partidos do “arco da governação”.

“A preocupação dos investidores em relação a Portugal não é tanto a instabilidade política, mas em perceber se a filosofia que está na construção do Orçamento, nomeadamente em termos de controlo da despesa e do controlo da dívida se mantém, e a mim parece-me justo considerar que sim”, refere Filipe Garcia, economista e presidente da IMF – Informação de Mercados Financeiros

O peso da história recente no controlo da dívida pública

Na última década, Portugal tem apresentado uma trajetória consistente de redução do rácio da dívida pública que tem merecido o aplauso dos investidores. Esse caminho, que foi trilhado por diferentes governos ao longo deste período, resultou numa dívida pública equivalente a 97,9% do PIB no final do ano passado. Foi a primeira vez desde 2009 que o rácio da dívida face ao PIB ficou abaixo dos 100%.

Este marco é um sinal do progresso económico do país e da eficácia das políticas de consolidação orçamental implementadas ao longo da última década, que não só continua a merecer a confiança dos investidores, mas também se revelou num ponto central para as três principais agências de rating colocarem a República novamente no nível de dívida do patamar “A” a partir de março.

Esta tendência de descida do rácio da pública portuguesa face ao PIB nominal e o excedente orçamental em 2023 justificam a confiança dos investidores na dívida soberana nacional, premiando-a com uma sucessiva descida do spread face à dívida alemã”, refere Paulo Monteiro Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, notando ainda que, “eventualmente, não será o chumbo do Orçamento ou a vigência temporária de um potencial regime de duodécimos que poria em causa esta fidúcia.”

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Um dos elementos mais tranquilizadores para os investidores é claramente o amplo consenso entre os principais partidos políticos portugueses sobre a importância de manter o controlo da despesa e da dívida pública.

Este acordo tácito transcende as divergências partidárias e tem sido um pilar da estabilidade económica do país. E será também um “trunfo” que Miguel Martín, presidente do IGCP, levará em novembro até potenciais investidores asiáticos no roadwhow que a Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública tem planeado na Ásia.

“Uma desaceleração da economia nacional ou uma recessão num dos grandes blocos económicos globais, tais como a China, os EUA ou a União Europeia, seriam bem mais penalizadores [face ao chumbo do Orçamento] para a dívida pública portuguesa e para a perceção de uma divergência mais duradoura face à dívida pública core, a alemã”, destaca Paulo Monteiro Rosa.

Portugal no contexto europeu

A turbulência política que assola diversos países não é apenas um espetáculo mediático ou um tema de debates acalorados. Ela representa uma ameaça real e tangível ao progresso económico e à estabilidade dos mercados financeiros, desde logo por criar um ambiente de desconfiança generalizada, afetando diretamente as decisões de investimento dos agentes económicos.

Empresários e investidores tendem a adotar uma postura mais conservadora quando o horizonte político e económico é nebuloso, reduzindo ou adiando investimentos em novos projetos e expansões. Essa retração nos investimentos leva a uma desaceleração económica, com impacto direto no mercado de trabalho e na redução no crescimento do PIB.

A disfunção política pode levar rapidamente os mercados financeiros a ficarem nervosos, fazendo com que os investidores duvidem da vontade de um governo em honrar a sua dívida“, conclui um trabalho académico de 2014 que reflete sobre o impacto do risco político internacional nas yields das obrigações do Tesouro em 34 países (Portugal incluído) com base em 109 crises políticas internacionais entre 1988 e 2007.

É preciso salientar que nem a atual existência de um governo minoritário, com uma das mais frágeis bases parlamentares nas últimas décadas, foi capaz de abalar a confiança dos investidores na trajetória de consolidação das contas públicas portuguesas.

Paulo Monteiro Rosa

Economista sénior do Banco Carregosa

Em França, o anúncio de eleições legislativas antecipadas em julho levou a uma subida acentuada das taxas de juro da dívida francesa — que chegaram mesmo a ultrapassar as portuguesas em alguns prazos — que, aliado a uma política económica pouco preocupada em controlar a dívida pública fez com que o spread das obrigações do Tesouro francês face à Alemanha tenha disparado desde o verão.

O caso italiano é também paradigmático. A instabilidade política crónica do país tem levado a frequentes subidas dos juros da dívida pública, como aconteceu em 2018 com a formação de um governo populista ou em 2022 com a queda do executivo de Mario Draghi.

Portugal está longe destes cenários, acreditam os analistas argumentando com dados do mercado. E nem mesmo num cenário de duodécimos a situação deverá descampar.

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Risco da gestão por duodécimos e de eleições antecipadas

É melhor haver Orçamento do que não haver, mas também é preciso desdramatizar a gestão em duodécimos”, refere Filipe Garcia, lembrando que “Espanha tem duodécimos há mais de um ano e o spread das yields em relação à Alemanha não para de estreitar”, com o economista a lembrar que tanto Portugal como Espanha atravessam um período de crescimento económico bastante distinto dos países do centro da Europa.

Apesar da aparente tranquilidade, é importante não subestimar os riscos associados a uma potencial gestão orçamental por duodécimos. Como já se observou este ano, mesmo com um Orçamento do Estado em vigor, o Parlamento tem demonstrado uma tendência para aprovar alterações significativas.

“Numa situação de duodécimos, baseada no OE2024, existe o risco de iniciativas parlamentares desvirtuarem o espírito original do orçamento”, nota ainda Filipe Garcia, mas sublinha que esse cenário não seria dramático, lembrando que a gestão por duodécimos pressupõe iniciativas parlamentares e cativações, que garantem o contínuo funcionamento do Estado.

Os investidores parecem estar claramente mais interessados em perceber se a filosofia que tem norteado a construção dos últimos Orçamentos, nomeadamente em termos de controlo da despesa e da dívida, se manterá. E, neste aspeto, há razões para otimismo.

É preciso salientar que nem a atual existência de um governo minoritário, com uma das mais frágeis bases parlamentares nas últimas décadas, foi capaz de abalar a confiança dos investidores na trajetória de consolidação das contas públicas portuguesas”, sublinha Paulo Monteiro Rosa.

Atualmente, o spread das yields das obrigações do Tesouro a 10 anos face às congéneres alemãs é de apenas 57 pontos base, muito mais baixo dos 103 pontos base que apresentava em dezembro de 2022, mas também abaixo dos atuais 79 pontos base de França, 80 de Espanha e 132 de Itália. “Os investidores internacionais confiam na trajetória nacional, mas o país tem que se acautelar, reformar, para não colocar em causa esta confiança depositada nos últimos anos”, conclui Paulo Monteiro Rosa.

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