Frases escolhidas: avisos, críticas e outros incómodos de Medina Carreira
Não gostou de ser ministro das Finanças e reconheceu que, na verdade, nunca o ambicionou. Defendeu que Portugal precisa de recuperar a indústria e a agricultura para deixar de ser um país pobre.
Medina Carreira era o economista incómodo: quase sempre crítico, sem pruridos, frontal. Deu diversas entrevistas onde criticou as opções escolhidas pelos governos em funções e fez questão de alertar para problemas estruturais e de longo prazo de Portugal. Mas também falava se si com desassombro. O ECO selecionou algumas frases e excertos de entrevistas que ajudam a recordar como pensava o ex-ministro das Finanças. Medina Carreira morreu esta segunda-feira, aos 86 anos.
Jornal i, 23 de outubro de 2015
“O que digo é: seja qual for o Governo que aumente a despesa pública, faz o país correr um risco gravíssimo no plano internacional. Condeno essa política, pura e simplesmente. E acho que quem a praticar corre o risco de nos levar à ravina outra vez.”
A 4 de outubro as eleições legislativas tinham dado a vitória à coligação do PSD/CDS-PP, mas com apenas 36,9% dos votos os dois partidos não conseguiram aprovar o seu Programa de Governo na Assembleia da República. Apesar de Pedro Passos Coelho ainda ter tomado posse a 30 de outubro, à data da entrevista já decorriam as negociações entre o PS, BE, PCP e PEV para encontrar posições conjuntas que permitissem sustentar um Governo socialista minoritário, liderado por António Costa.
Revista Sábado, 23 de junho de 2011
“Gostaria imenso de ter sido guarda-freios da Carris [em criança]. Tinha uma tia-avó que me servia de carro elétrico, ia a embalá-la e a conduzi-la.”
Não gostou de ser ministro das Finanças: “Apanhámos o fluxo das asneiras e das consequências do PREC e o Governo a fazer o mínimo, porque o que tinha de fazer era impopular. Aumentar os juros, desvalorizar o escudo, isso levou seis meses. Precisávamos de o fazer em duas semanas.”
Sobre o estado do ministério quando assumiu funções, em 1976: “Depois do 25 de abril criou-se uma infinidade de grupos de trabalho, não havia salas disponíveis, até o gabinete do ministro estava ocupado. Uma das primeiras medidas que tomei foi fazer um despacho: esses grupos tinham 15 dias para apresentar trabalho, programa e resultados. Se não apresentassem, eram dissolvidos. Foi tudo posto na rua em 15 dias.”
Medina Carreira contou estes episódios numa entrevista de vida, à revista Sábado.
Expresso, 6 de novembro de 2009
“Move-me o facto de ser cidadão de um país pobre, pouco educado, sem a perceção disso, e que não sai da cepa torta. Por ser assim, escolhe dirigentes que não são os mais aconselháveis para o ajudar a sair do lodo em que está metido.”
“Não sou pessimista. Chamam-me assim porque, para me responderem, tinham de ir trabalhar, estudar os números, raciocinar. Limitam-se a chamarem-me pessimista e dão repercussão a essa ideia. É a coisa mais estúpida deste mundo e é a fórmula cómoda de tentar anular o meu pensamento.”
Move-me o facto de ser cidadão de um país pobre, pouco educado, sem a perceção disso, e que não sai da cepa torta. Por ser assim, escolhe dirigentes que não são os mais aconselháveis para o ajudar a sair do lodo em que está metido.
Sobre a sua popularidade: “Sinto isso na rua. As pessoas abordam-me. Se me derem uma hora na televisão, viro muita gente do avesso! O problema é que a gente que precisa de ser virada não o quer ser. Este sistema de vida é bom para eles.”
“As nossas escolas são fábricas de analfabetos. No meu tempo, os alunos com a quarta classe davam menos erros do que alguns ministros agora. A escola, hoje, é mais uma das falsificações do regime. O ensino é uma farsa para apresentar estatísticas.”
“O socialismo e a social-democracia são hoje fraudes completas. O Louçã é um social-democrata armado em revolucionário, o Jerónimo disfarça um pouco, Sócrates, Ferreira Leite e Paulo Portas são todos sociais-democratas. Mas, simplesmente, não há social-democracia sem dinheiro.”
“Em Portugal, nos últimos 40 anos, deixou de se produzir pesca, agricultura, minas e indústria. Hoje, os serviços representam 70%. Se não mudarmos a estrutura produtiva, reforçando o setor primário e o industrial, não conseguimos vencer estas dificuldades económicas.”
Jornal de Negócios, outubro de 2009
“A minha ambição na vida pública era, é, ajudar a perceber e a resolver as coisas de interesse coletivo. E isso justifica a minha desilusão crescente. Estes partidos, com cada vez menos qualidade, com gente cada vez menos qualificada, pegam só no que é mais vistoso, no que rende mais votos, e não vão ao cerne dos problemas nacionais. O país está num afundamento sistemático, os políticos estão muito mal preparados. Alguns nem têm profissão, o que é mau sinal.”
“Acreditava que a liberdade era uma fonte inspiradora e um princípio de legitimação da ação política. Havia razões para ter esperança. Tínhamos ideias, pessoas, um país e esperança. Hoje não temos ideias, pessoas, um país e esperança. Esse é o contraste entre 26 de abril de 75 e outubro de 2009.”
“Sem uma sustentação económica não se é livre. Com um desemprego brutal não se é livre. Com 700 mil funcionários públicos, com medo que o colega vá denunciá-lo. Com um SIS que não sei bem o que é que faz. Tudo isto está atamancado. Receio muito, se a economia continuar como está, que dentro de anos tenhamos uma crise muito, muito grave.”
Não sou nada zangado! Tenho é a certeza de que se o país mantiver este rumo, a sociedade vai ser muito pior do que alguma vez imaginámos a seguir ao 25 de Abril.
“Temos um ensino que é uma vergonha. A escola inclusiva quer dizer: um sujeito, quer queira quer não queira, quer estude quer não estude, quer saiba quer não saiba, tem de estar ali. Isto inquina toda a qualidade do ensino. Porque nós somos diferentes nas aspirações, nas capacidades. É natural que uns andem para diante e outros fiquem para trás – isto é da vida.”
“Não sou nada zangado! Tenho é a certeza de que se o país mantiver este rumo, a sociedade vai ser muito pior do que alguma vez imaginámos a seguir ao 25 de Abril.”
Em 2009, Medina Carreira ia regularmente à Sic Notícias, fazia sucesso no YouTube e os seus livros esgotavam. José Sócrates preparava-se para tomar posse no seu segundo Governo, que duraria menos de dois anos, terminando em 2011 com o pedido de resgate à troika. Nesta altura a crise financeira internacional, marcada pela falência do Lehman Brothers, em 2008, já estava a chegar à economia.
Antena 1, 3 de outubro de 2008
“Com este sistema democrático nós vamos ficar pobres. A minha dúvida não é isso, nós vamos ficar pobres. Agora, até há cerca de um ano eu pensava, vamos ficar pobres, e quietinhos aqui encolhidinhos e tal a ver o bom sol e a boa sardinha. Agora estou convencido que vamos ter perturbações sociais muito grandes. Porque à pobreza estão a juntar-se sinais de uma grande imoralidade na vida pública.”
A falência do Lehman Brothers tinha acontecido em setembro de 2008, na sequência da crise do subprime, que rebentou em 2007, nos Estados Unidos. Em Portugal, o travão no crescimento económico já se sentia: a economia avançaria apenas 0,2% em 2008, entrando em recessão em 2009.
Público, 12 de julho de 2004
Durão Barroso “desertou… Sabe que os pretextos, às vezes, servem para dourar as pílulas. Com o compromisso que tinha a deserção é imperdoável.”
Durão Barroso tinha deixado a liderança do Governo português para assumir o cargo de presidente da Comissão Europeia, onde ficaria durante dez anos. Em 2003 a economia portuguesa tinha estado em recessão, com o PIB a encolher 0,9%. A saída do então primeiro-ministro foi criticada por muitos como uma atitude de abandono do país, num momento em que se atravessava uma crise económica. O cargo de primeiro-ministro foi assumido por Pedro Santana Lopes, mas Jorge Sampaio, então Presidente da República, acabaria por dissolver o parlamento. Nas eleições legislativas antecipadas, José Sócrates conquistou a maioria absoluta para o PS.
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