A ACEMEL aponta contradições no licenciamento de energias renováveis em Portugal. Afirma também que é preciso "oleá-lo" quanto às baterias, um negócio onde vê espaço para as comercializadoras.
O presidente da ACEMEL — Associação dos Comercializadores de Energia no Mercado Liberalizado condena o processo de licenciamento ao qual os projetos de energia estão sujeitos, assim como o chumbo recente de alguns destes, em decisões que considera contraditórias.
João Nuno Serra afirma que Portugal está a comparar mal com Espanha na questão do licenciamento, tanto de projetos fotovoltaicos como de baterias. Em relação a este último segmento, defende que as comercializadoras deveriam ter prioridade para ligar projetos de baterias autónomas à rede. Critica ainda a meta que o Governo definiu para o armazenamento no Plano Nacional de Energia e Clima, considerando-a pouco ambiciosa.
Foi anunciado que o Fundo Ambiental vai ser absorvido por uma nova agência, a Agência para o Clima, que vai fazer a gestão todos os fundos para o ambiente e energia. Parece-lhe positiva a criação desta agência? Ou entende que pode complicar de alguma forma a vida ao setor, na medida que se trata de uma novidade e uma nova gestão?
Eu penso que todos os organismos que se criarem para ajudar no licenciamento, e a concretizar de forma mais acelerada esta transição energética, são sempre bem-vindos. Mesmo a Entidade de Missão para as Energias Renováveis (EMER), achei muito oportuno do seu presidente de dizer que isto só se resolve com o licenciamento zero. E é verdade. Se nós não acompanharmos a velocidade da implementação dos projetos aqui dos nossos vizinhos espanhóis, podemos ficar para trás. De resto, já estamos a ficar para trás.
Estamos a ficar para trás em que medida? E quão para trás?
Na área, por exemplo, do solar fotovoltaico, Espanha consegue licenciar os projetos com muito mais rapidez que nós.
Porquê?
Não sei, são particularidades do território espanhol. A verdade é que nós somos confrontados com situações que são até caricatas. Há dois projetos do leilão do flutuante que levaram nega da APA. Ora, é a mesma APA que definiu as regras do caderno de encargos para o leilão do flutuante. Então em que é que ficamos? Isto é andar a brincar com quem quer investir. E isto desmobiliza completamente os investidores, não só nacionais como internacionais. Nós temos que tomar muita atenção ao que andamos a fazer. Podemos ter as nossas incertezas até à tomada de decisão. A partir do momento que tomamos a decisão, seja ela boa ou má, é para ir em frente. Por vezes mais vale uma má decisão do que uma não decisão. Porque isto é absolutamente nefasto para para o investimento.
E entrando também no tema das baterias. O nosso PNEC foi revisto e quase toda a gente aplaudiu os dois gigawatts que estão atribuídos às baterias. Pois eu não sou nada favorável a esse aplauso, porque nós vamos ficar para trás face à vizinha Espanha. Espanha tem no seu plano 22,5 gigawatts. E nós, para compararmos com Espanha, devíamos andar em torno dos 4 a 5 giga. Portanto, estamos a metade.
E como aceleramos?
Nós, comercializadores, por exemplo, somos dos atores no mercado que deviam ser priorizados para atribuição de pontos para ligar baterias standalone [autónomas]. Porquê? Porque nós temos a gestão diária das compras de energia. Temos que ter flexibilidade para gerir ou ajudar a gerir a rede. Hoje, um dos problemas que os comercializadores estão a ter são os chamados encargos da regulação, que é a fatura que a REN passa às comercializadoras no final do mês, sobre acionamentos que tem que fazer de centrais que dão serviço ao sistema, para repor a energia ontime [tempo real] na rede. Esses encargos subiram de 2021 para hoje em 3,5 vezes.
O que é que justifica essa subida?
Esta subida está relacionada com o facto do nosso mix energético ser cada vez mais renovável. Sendo renovável, é imprevisível. Entre barragens e baterias, é a forma que temos de dar serviço ontime quando é solicitada uma determinada potência e injeção de energia na rede. E nós, comercializadores, temos toda a capacidade de fazer inclusivamente esses investimentos para dar essa flexibilidade. Porque depois, para podermos mitigar os ditos encargos da regulação e para ajudarmos globalmente o sistema a diminuir esses encargos, é termos tecnologia para responder a isso. Dada a escassez que temos de sistemas, as centrais que colocam essa energia na rede hoje, em determinadas horas, pedem muito dinheiro para colocar essa energia.
E pediriam menos era se fosse uma solução com mais escala.
Mais densa.
E as baterias então precisam de licenciamento mais rápido. E apoios? Faltam?
Mais do que apoios, neste momento são precisos licenciamentos e forma para nós comercializadores acedermos ao mercado de serviços de sistema com tecnologia. Porque hoje nós estamos completamente vedados de ir ao outro lado da equação tentar minimizar o resultado. Porque não temos ferramentas para tal.
Já estavam previstos dois projetos standalone para este ano. Portanto, já é possível.
Sim, mas são sempre projetos piloto. E os projetos piloto têm sempre aquelas exceções nos licenciamentos. Mas Portugal neste momento já está muito atrás de Espanha nessa matéria, porque Espanha já licenciou alguns gigawatts de baterias e nós ainda estamos aqui nas fases piloto, quando devíamos já ter o processo de licenciamento todo muito mais oleado. Aguardamos com expectativa como é que se vai querer ter, apesar de tudo, os dois gigawatts de baterias em 2030.
Espera ter esse detalhe na sequência da aprovação do PNEC.
Sim, no início do ano temos de ter um caminho.
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“Negas” no licenciamento são “andar a brincar com quem quer investir”
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