Governo quer limitar férias e afinar pré-avisos de greve da Função Pública
Proposta do PSD e CDS no OE2025 visa impedir que funcionários gozem dias de pausa ao mesmo tempo e deverá obrigar os sindicatos a detalhar os serviços mínimos em áreas essenciais como a saúde.
O Governo quer impedir que todos os funcionários públicos de um determinado serviço gozem férias na mesma altura e pretende mudar as regras dos pré-avisos de greve que afetem necessidades essenciais, como a saúde, devendo obrigar os sindicatos da Função Pública a detalhar o número de trabalhadores para os serviços mínimos. A mudança consta de uma proposta de alteração do PSD e CDS ao Orçamento de Estado para 2025 (OE2025) que visa clarificar o âmbito do pedido de autorização legislativa, com validade de um ano, que o Governo inscreveu na proposta orçamental. Esta iniciativa estende-se também às baixas médicas dos funcionários inscritos na Caixa Geral de Aposentações (CGA) e às regras de mobilidade dos trabalhadores do Estado.
A proposta tenta esclarecer as pretensões do Executivo, mas ainda suscita várias dúvidas e não estará fechada, uma vez que as negociações sobre estas matérias com as três federações sindicais (Fesap, Frente Comum e STE) arrancam esta terça-feira de manhã, no Ministério das Finanças, com a secretária de Estado da Administração Pública, Marisa Garrido.
Depois de várias críticas dos sindicatos, mas também da oposição, designadamente do Bloco de Esquerda (BE) e do PCP, à omissão, no pedido de autorização legislativa, do sentido e extensão das mudanças em seis matérias da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, o ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, acabou por anunciar que já tinha solicitado “aos grupos parlamentares que suportam o Governo uma proposta de alteração para tornar mais explícito aquilo que o Governo pretende ter como autorização legislativa”, sinalizou aos deputados na passada sexta-feira, no Parlamento, no âmbito da apreciação na especialidade do OE2025. O diploma dos partidos da Aliança Democrática (PSD e CDS) deu entrada no site da Assembleia da República ainda na noite da passada sexta-feira.
Na audição parlamentar, Miranda Sarmento tentou tranquilizar a líder do BE, Mariana Mortágua, sobre o que a deputada classificou de “mistérios que pairam” no OE, mas em vão. “Precisamos de fazer pequenos acertos na lei relativamente à entrega de atestados médicos, à comunicação de greves, à dispensa de acordo do serviço de origem para a mobilidade e todos eles serão benéficos para os trabalhadores da Administração Pública“, assegurou o ministro das Finanças.
A garantia dada pelo responsável parece não convencer os sindicatos. Analisando a proposta de PSD e CDS que já indica o sentido e a extensão das alterações à lei, o secretário-geral da Federação de Sindicatos da Administração Pública (Fesap), José Abraão, conclui que “o diploma ainda levanta muitas dúvidas”, alertando que, “quanto mais se regulamenta, mais se condicionam direitos”.
Entre as seis matérias em causa, algumas são apenas clarificações, mas outras deixam pontas soltas na forma como foram expostas no articulado do diploma de PSD e CDS. Por exemplo, relativamente às férias, o objetivo é dividir ou ratear os trabalhadores por períodos diferentes para evitar o gozo de pausas na mesma altura. Na proposta da alteração lê-se que, o Governo fica autorizado a “aumentar o período de incidência para rateamento, como previsto no nº 6 do artigo 241º do Código do Trabalho, aplicável por remissão do artigo 126º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas“.
Ou seja, o Governo pretende remeter o diploma que regula a Função Pública para a norma que consta da lei laboral e que impede que todos os trabalhadores tirem férias ao mesmo tempo, de modo a que o serviço não encerre ou fique com escassez de recursos humanos para desenvolver a atividade. O Código do Trabalho estabelece que, “na marcação das férias, os períodos mais pretendidos devem ser rateados, sempre que possível, beneficiando alternadamente os trabalhadores em função dos períodos gozados nos dois anos anteriores”. Com esta medida, o Executivo poderá querer evitar o caos que se costuma verificar nas férias do verão com as urgências fechadas.
"Precisamos de fazer pequenos acertos na lei relativamente à entrega de atestados médicos, à comunicação de greves, à dispensa de acordo do serviço de origem para a mobilidade e todos eles serão benéficos para os trabalhadores da Administração Pública.”
No entanto, para o líder da Fesap, “esta é uma não questão, uma vez que os dirigentes máximos dos serviços já fazem a gestão de modo a que o período de férias não seja coincidente, dividindo-o entre os vários trabalhadores”. No entanto, a Lei de Trabalho em Funções Públicas não tem, de facto, a mesma regra do Código do Trabalho.
A proposta de lei visa ainda “aumentar o período de incidência para rateamento”, o que “pode significar um alargamento do prazo para ajustes nos mapas de férias que têm de ficar fechados a 15 de abril“, indica José Abraão. “São matérias que pretendemos ver esclarecidas assim como se o Governo está disposto a repor os três dias de férias que foram retirados durante o período da troika“, sublinha.
Em lado algum está escrito que se pretende restabelecer os três dias extra de férias por idade, e que permitia o gozo de 25 dias até aos 39 anos, de 26 dias até aos 49 anos, de 27 aos 59 anos e de 28 dias a partir dos 59 anos de idade. Do mesmo modo, não há referência alguma à retirada dos dias extra que se ganham por cada dez anos de serviço, além dos 22 dias normais, como temiam as estruturas sindicais.
No que diz respeito aos pré-avisos de greve dos sindicatos, “as dúvidas também são muitas”, alerta o líder da Fesap. A proposta de PSD e CDS determina que o Governo fica autorizado a exigir “a comunicação por escrito”, o que já decorre da lei, e acrescentou este ponto: “preferencialmente por meios eletrónicos”, isto é, por email. Esta matéria é pacífica para as estruturas sindicais. Já as condicionantes aos pré-avisos é vista com prudência.
O diploma prevê “a necessidade do conhecimento tempestivo da comunicação dos avisos prévios de greve que envolvam necessidades sociais impreteríveis é essencial para a promoção dos mecanismos legalmente previstos com vista à definição de serviços mínimos e meios necessários para os assegurar durante a greve”.
A Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas estabelece que o prazo mínimo para a comunicação do pré-aviso é de cinco dias. No entanto, “no caso de órgãos ou serviços que se destinem à satisfação de necessidades sociais impreteríveis”, como saúde ou transportes, “o prazo é de dez dias úteis”. Com a formulação dada pelo diploma dos partidos da Aliança Democrática (AD), o “Governo poderá querer que os sindicatos detalhem logo no pré-aviso o número exato de trabalhadores afetos aos serviços mínimos”, segundo José Abraão.
O dirigente sindical explica que, até agora, “o pré-aviso basta referir que o sindicato assegura os serviços mínimos, não sendo necessário indicar o número de trabalhadores”. “Só depois é que a DGERT (Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho) solicita essa informação ao sindicato. Se não houver acordo por parte do serviço em causa, a proposta de serviços mínimos é definida em tribunal arbitral”, salienta.
O Executivo poderá querer evitar a tragédia que aconteceu na sequência da greve dos técnicos de emergência pré-hospitalar do INEM e que terá provocado 11 mortes. No entanto, a proposta de OE entrou muito antes dessa paralisação, ainda que a clarificação do pedido de autorização legislativa por via de um diploma de PSD e CDS só foi entregue no Parlamento a 15 de novembro, já depois da greve às horas extraordinárias, que terminou no dia 7.
Baixa para doentes oncológicos e cardíacos alargada para 90 dias
Noutro conjunto de matérias, a proposta de alteração da AD visa apenas simplificar procedimentos e até melhorar alguns direitos dos trabalhadores, com é o caso das baixas médicas que serão alargadas. Neste momento, os funcionários públicos inscritos na Caixa Geral de Aposentações (CGA) com doenças como cancro, tuberculose ou doença cardíaca, só podem gozar de baixas de até 30 dias. Enquanto o limite da certificação da incapacidade temporária para os trabalhadores do Estado que descontam para a Segurança Social é de 90 dias.
O Governo pretende equiparar os dois regimes, aumentando o limite da validade das baixas médica de 30 para 90 dias dos funcionários inscritos na CGA, no caso de patologias mais graves e/ou prolongadas (cancro, doença cardíaca, AVC, tuberculose) tal como já acontece para os trabalhadores que contribuem para Segurança Social.
A proposta quer ainda alargar aos serviços de urgência dos hospitais, aos setores privado e social a emissão de baixas médicas para os funcionários públicos inscritos na CGA tal como já acontece no regime da Segurança Social. “Alargamento dos serviços competentes para a emissão dos certificados de incapacidade temporária para o trabalho, por motivo de doença, dos trabalhadores integrados no regime de proteção social convergente, em termos idênticos ao estabelecido para os trabalhadores integrados no regime geral da Segurança Social”, lê-se no mesmo diploma.
No caso da mobilidade dos trabalhadores do Estado para outra categoria ou carreira, a proposta pretende reforçar “as garantias processuais quanto à falta de decisão do dirigente máximo do serviço de origem, afigurando-se que o prazo de seis meses é razoável para que o serviço de origem prepare a saída do trabalhador”.
A Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas já estabelece que “é dispensado o acordo do órgão ou serviço de origem do trabalhador, para efeitos de mobilidade, quando tiverem decorrido seis meses sobre recusa de acordo do órgão ou serviço de origem, numa situação de mobilidade relativa ao mesmo trabalhador, ainda que para outro serviço de destino”. E lembra que “o prazo regra” é “de dez dias úteis previstos no Código do Procedimento Administrativo”. Contudo, “na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, o legislador não definiu qualquer prazo para o serviço de origem se pronunciar sobre os pedidos de mobilidade que lhe sejam dirigidos”, escrevem os deputados da AD.
A Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas já estabelece que “é dispensado o acordo do órgão ou serviço de origem do trabalhador, para efeitos de mobilidade, quando tiverem decorrido seis meses sobre recusa de acordo do órgão ou serviço de origem, numa situação de mobilidade relativa ao mesmo trabalhador, ainda que para outro serviço de destino”. E lembra que “o prazo regra” é “de dez dias úteis previstos no Código do Procedimento Administrativo”. Contudo, “na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, o legislador não definiu qualquer prazo para o serviço de origem se pronunciar sobre os pedidos de mobilidade que lhe sejam dirigidos”, escrevem os deputados da AD.
Para o líder do Fesap, “o Governo deverá querer forçar o dirigente de origem a tomar uma decisão no prazo máximo de seis meses, uma vez que, neste momento, não há essa obrigatoriedade”. “E muitos serviços deixam passar esse prazo e não se pronunciam”, salienta.
No que diz respeito à remuneração que será auferida pelo trabalhador que integre outro serviço em mobilidade, a proposta defende “a publicitação da oferta de mobilidade da possibilidade de remuneração pela posição remuneratória imediatamente seguinte àquela em que um trabalhador se encontre”. O dirigente sindical esclarece que “apenas nas ofertas de recrutamento, publicadas na Bolsa de Emprego Público, são indicados os salários que serão auferidas pelos trabalhadores”.
O diploma pretende ainda harmonizar as “normas aplicáveis ao posicionamento remuneratório nas situações de mobilidade, com vista à eliminação de problemas relacionados com a colocação de trabalhadores entre posições remuneratórias”.
Por fim, a proposta de autorização clarifica que os descontos para a Caixa Geral de Aposentações (CGA) incidem sobre a remuneração bruta do trabalhador, tal como definido pelo Estatuto da Aposentação. Deixa, por isso, de fazer sentido que, na Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas, se mantenha a possibilidade de o trabalhador optar “pela manutenção do regime de proteção social de origem, incidindo os descontos sobre o montante da remuneração que lhe competiria na categoria de origem”, como se lê na alínea b do número 3º do artigo 242º do diploma que regula o trabalho em funções públicas.
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