Afinal, trabalhadores qualificados estão mesmo a fugir de Portugal?

Portugal tem recebido imigrantes qualificados, mas isso não significa que esteja a conseguir travar a saída dos seus licenciados. Um em cada quatro licenciados decide emigrar, calcula João Cerejeira.

Cerca de um quarto dos licenciados portugueses está a sair do país à procura de melhores oportunidades, o que mostra que Portugal não está a conseguir reter uma fatia considerável dos seus jovens qualificados. E embora esteja hoje a atrair, em contrapartida, imigrantes com o ensino superior concluído, regra geral, estes assumem empregos “mais básicos ou menos qualificados”, não compensando, portanto, necessariamente as saídas dos licenciados portugueses.

A preocupação em torno da chamada fuga de cérebros não é recente, nem um exclusivo do Governo de Luís Montenegro. Mas Mário Centeno (governador do Banco de Portugal, ex-ministro das Finanças de António Costa e experiente economista na área do trabalho) fez correr tinta este mês ao contrariar a maré, dizendo que, afinal, Portugal tem conseguido ser um “recetor líquido” de licenciados.

Em reação, em audições parlamentares sobre o Orçamento do Estado para 2025, tanto o ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, como a ministra do Trabalho, Maria do Rosário Palma Ramalho, reiteraram que a retenção de qualificados em Portugal é um problema, tendo o líder da bancada do CDS-PP, Paulo Núncio, exigido mesmo que Mário Centeno “retifique” as suas declarações.

Afinal, quem tem razão? Comecemos pelos números usados por Mário Centeno. Numa conferência do Banco de Portugal, o governador sublinhou, por um lado, que, nos últimos oito anos, a população ativa com formação superior aumentou, em média, em 70 mil indivíduos por ano e, por outro, que saem pouco mais de 50 mil diplomados das universidades portuguesas (públicas e privadas).

A confirmar-se, significaria que Portugal estava a conseguir reter os seus licenciados e até a atrair estrangeiros com qualificados, ficando com um saldo líquido positivo de 20 mil trabalhadores com ensino superior qualificado.

No entanto, os números do Instituto Nacional de Estatística contam outra história. De acordo com os dados do gabinete de estatísticas, no último ano, das cerca de 5,4 milhões de pessoas que constituíam a população ativa portuguesa, cerca de 1,7 milhões tinham formação superior. São mais do que em 2022, sim. Mas a subida é de 43,2 mil pessoas.

População ativa com formação superior atinge 1,7 milhões de pessoas

Fonte: INE

Considerando os últimos oito anos, a população ativa com ensino superior tem aumentado, sim, mas o crescimento, em média, tem sido de 58,5 mil pessoas por ano, abaixo dos 70 mil identificados pelo governador do Banco de Portugal.

Por outro lado, no que diz respeito aos diplomados, os números da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC) revelam que, no ano letivo de 2022/2023, saíram das instituições de ensino superior nacionais (públicas e privadas) mais de 95 mil diplomados. Em média, nos últimos oito anos letivos, diplomaram-se 84 mil pessoas por ano em Portugal.

Mais de 95 mil diplomados saíram das universidades no ano letivo de 2022/2023

Fonte: DGEEC

É um número bem superior aos 50 mil indivíduos apontados por Mário Centeno, mas essa discrepância é fácil de explicar. Se olharmos apenas para os licenciados, no ano letivo de 2022/2022 saíram das universidades portuguesas quase 52 mil jovens qualificados, em linha, então, com o número salientado pelo ex-ministro das Finanças.

Mesmo olhando somente para os licenciados, como faz Mário Centeno, em 2023, por exemplo, esse número superou o aumento da população ativa com formação superior em Portugal, o que significa que, afinal, o saldo não foi positivo, mas negativo.

E a discussão não acaba aqui. Olhemos agora para os dados da emigração. Mais uma vez, a fonte é o INE e as suas “Estatísticas Demográficas” relativas a 2023. Nesse ano, 33.666 pessoas saíram de Portugal para residir no estrangeiro por um período igual ou superior a um ano (são os chamados emigrantes permanentes), das quais 42,3% com o ensino superior. É o correspondente a 14.240 pessoas.

O número de diplomados é cerca de 50 mil em média, por ano. Diria que um em cada quatro dos licenciados estão a sair do país.

João Cerejeira

Professor da Universidade do Minho

Com base nestes dados e nos dos diplomados, o economista João Cerejeira, da Universidade do Minho, calcula que cerca de um em cada quatro licenciados estão a emigrar.

Contas feitas, mesmo que estejam a entrar imigrantes qualificados em Portugal, tal não significa que a fuga de cérebros seja uma ilusão. Os dados mostram que uma fatia considerável de qualificados está a sair do país.

Imigrantes compensam saídas de nacionais?

Portugal não tem apenas dito “adeus” aos seus jovens qualificados. Tem também dito “olá” a imigrantes qualificados. Tanto que, num boletim recente do Banco de Portugal, estava indicado que a população estrangeira empregada tinha em média qualificações académicas mais elevadas que a população portuguesas.

Mas João Cerejeira deixa um alerta: “a questão é perceber se estas pessoas vão fazer os trabalhos que os portugueses qualificados desempenhariam, se tivessem ficado em Portugal”. Segundo o professor universitário, regra geral, quem chega a Portugal assumem “empregos mais básicos ou menos qualificados“, como forma de entrada no mercado de trabalho nacional.

Ou seja, contar com mais licenciados, mestres ou doutores entre a população ativa e na população empregada não significa necessariamente que estes indivíduos estejam a desempenhar funções mais complexas e que contribuem para o crescimento da produtividade e da economia.

João Cerejeira defende, além disso, que seria preciso comparar os perfis dos qualificados que saem e que ficam (as áreas de estudo nas quais têm as suas qualificações), mas os dados são parcos, sobretudo, no que diz respeito às competências dos emigrantes.

Os europeus altamente qualificados não vêm para trabalhar, vêm para se reformar ou investir.

Gonçalo Saraiva Matias

Presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos

Por outro lado, Gonçalo Saraiva Matias, presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) e especialista em migrações, avisa que há europeus altamente qualificados que estão, sim, a chegar a Portugal, mas não vêm para trabalhar. Antes, vêm passar a sua reforma ou investir.

O referido boletim do Banco de Portugal mostrava, a propósito, que os jovens portugueses tendem a ser mais qualificados que os jovens imigrantes, enquanto os imigrantes mais velhos tendem a superar as qualificações dos portugueses de idade mais avançada.

“Algo que sempre quis fazer é um saldo de qualificações“, afirma Gonçalo Saraiva Matias, referindo-se a um balanço entre os emigrantes e imigrantes qualificados que deixasse claro, por fim, que setores estão a perder mais licenciados e quais estão a beneficiar das entradas.

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