Das casas aos salários, os cinco alertas de Bruxelas sobre Portugal

A Comissão Europeia fez recomendações e deixou alertas a Portugal no Pacote do Outono. Vê riscos nos salários públicos e no imobiliário e recomenda medidas "concretas" nas pensões.

O Orçamento do Estado português para o próximo ano e o novo plano orçamental de médio prazo foram avaliados pela Comissão Europeia e as conclusões são parcialmente positivas: Bruxelas entende que, em ambos os casos, a despesa líquida se enquadra dentro dos limites definidos.

No entanto, Bruxelas aproveitou a ocasião para insistir com algumas recomendações ao Governo. Uma delas teve resposta quase imediata da parte do ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento. Foi ainda o momento para deixar alguns alertas.

Fim do desconto sobre os combustíveis

A principal divergência de Portugal face ao esperado pela Comissão Europeia prende-se com os apoios de emergência à energia. Estes apoios foram criados na sequência da invasão da Ucrânia pela Rússia, em resposta à crise energética que então se instalou. Mas há, pelo menos, um ano que o Executivo comunitário insiste para os países substituírem medidas de caráter geral por apoios direcionados aos mais desfavorecidos.

Com 2024 a chegar ao fim e o mercado energético mais estabilizado, a Comissão Europeia voltou a apelar para que Portugal retire os apoios gerais à energia. Considerando que a proposta de Orçamento do Estado para 2025 não cumpre totalmente as recomendações, Valdis Dombrovskis, vice-presidente da Comissão Europeia, foi ao ponto de dizer que há melhores formas de “gastar o dinheiro dos contribuintes”.

Em causa está o congelamento da taxa de carbono, que, na prática, se traduz num desconto nos preços da gasolina e do gasóleo para todos os consumidores, tanto famílias como empresas. Este ano, o Governo já descongelou a taxa três vezes, mantendo, contudo, uma suspensão parcial da sua atualização (atualmente, a taxa de carbono está nos 81 euros por tonelada de CO2, abaixo dos 83,524 euros que seriam aplicáveis em 2024 caso esta não estivesse de todo congelada).

O Governo português fez coincidir os descongelamentos com semanas em que os preços dos combustíveis teriam maiores descidas, evitando, assim, que o descongelamento resultasse numa subida muito acentuada dos preços nas bombas.

Ora, perante o alerta da Comissão, o ministro das Finanças não tardou em rejeitar o fim imediato do desconto nos combustíveis. “Iremos analisar. Neste momento, o Governo não tem nenhuma decisão sobre isso. Entendemos que é importante manter o preço dos combustíveis baixo. O evoluir da situação [cotação do petróleo] e as próprias decisões da Comissão, que podem passar de recomendações a medidas com um peso maior sobre o país, condicionarão a atuação futura”, disse Miranda Sarmento.

Medidas concretas para as pensões

Na avaliação à proposta orçamental de Portugal, a Comissão Europeia faz ainda reparos ao que entende ser uma ausência de medidas para aumentar a sustentabilidade do sistema nacional de pensões. Esse entendimento é claro, com Bruxelas a referir que o Governo de Lisboa “não reporta nenhumas medidas concretas para a sustentabilidade de médio prazo do sistema de pensões”.

Atualmente, encontra-se em discussão pública, até ao dia 15 de dezembro, o Livro Verde para a Sustentabilidade do Sistema Previdencial. Este documento foi elaborado pela Comissão para a Sustentabilidade da Segurança Social, constituída em 2022 pela anterior ministra da tutela, Ana Mendes Godinho, ainda no Governo de António Costa.

Entre as medidas propostas pelos peritos, como resumiu o Expresso, está o fim da possibilidade de reforma após esgotado o subsídio de desemprego para quem tem entre 57 e 61 anos, bem como a subida da idade de acesso à reforma antecipada, tendo em conta que a idade legal e reforma sobe quase todos os anos (em 2025 vai subir para os 66 anos e sete meses, contra os 66 anos e quatro meses atuais).

Imobiliário vulnerável a “flutuações”

A crise habitacional em Portugal não é novidade para nenhum residente no país. As casas estão caras e as rendas também. Porém, numa das análises divulgadas pela Comissão Europeia esta terça-feira, Bruxelas nota que o número de licenciamentos de edifícios aumentou 6,6% no segundo trimestre deste ano, depois de uma queda expressiva de 19,4% no trimestre anterior.

Ainda assim, apesar deste “reportado aumento na construção residencial”, a “oferta habitacional ainda é insuficiente” para fazer face à procura. Bruxelas cita dados que mostram que, depois de um abrandamento nos preços das casas nos últimos dois anos, o mercado voltou a dar sinais de aceleração na primeira metade deste ano, passando de um crescimento de 7% entre janeiro e março para 7,4% entre abril e junho.

Sobre este tema, o executivo comunitário nota também que “o número de compradores com residência fiscal estrangeira” caiu 2,8% no segundo trimestre, sendo responsáveis por apenas 6,6% das transações. Estas, por sua vez, cresceram 10,4% em termos homólogos, e 14,1% em valor.

Mas, apesar de os bancos estarem “bem posicionados para absorver potenciais descidas nos preços do imobiliário”, a Comissão nota que o mercado imobiliário em Portugal é “vulnerável a flutuações económicas que podem impactar os preços”. Entre essas flutuações estão potenciais abrandamentos, variações nas taxas de juro e mudanças no emprego”.

Pressão na despesa com salários públicos

Por outro lado, a Comissão Europeia gostou do que viu no plano de médio prazo apresentado pelo Governo por respeitar a trajetória plurianual das despesas líquidas definida por Bruxelas de, em média, 3,6%. Mas deixou mais um aviso.

No entendimento de Bruxelas, “existem riscos para a implementação da estratégia orçamental indicativa do plano, que decorrem de riscos associados ao aumento das pressões sobre as despesas salários públicos e transferências sociais”, referiu o executivo comunitário no documento de avaliação ao plano português.

O recém-assinado acordo plurianual para a valorização dos funcionários públicos até 2028 prevê aumentos salariais em 2025 e 2026 de 56,58 euros para quem aufere até 2.620,23 euros. Nos ordenados superiores, a atualização será de 2,15%. Em 2027 e 2028, os incrementos nominais até aquele nível (39) da Tabela Remuneratória Única (TRU) em vigor serão de 60,52 euros ou de 2,3% para vencimentos mais altos.

Redução da burocracia fiscal

Ainda na avaliação à proposta orçamental portuguesa, a Comissão Europeia recorda as anteriores recomendações a Portugal para a adoção de medidas que visem a redução da burocracia no sistema fiscal.

“O Conselho também recomendou a Portugal que melhore a eficácia do sistema fiscal, em particular reforçando a eficiência da sua administração e reduzindo a burocracia administrativa associada”, lê-se no documento.

Sobre este ponto, ao contrário do verificado para o sistema de pensões, a Comissão Europeia reconhece que o Orçamento do Estado traz medidas que vão neste sentido, nomeadamente de “digitalização e automatização de processos” na Autoridade Tributária e Aduaneira.

Além disso, em outubro, o Governo aprovou medidas de reforma da Administração Pública, com o objetivo de continuar a “transformar a máquina do Estado para servir melhor, utilizando menos recursos dos contribuintes”.

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