“Nunca virarei as costas à defesa da profissão”, diz ex-candidato a bastonário, António Jaime Martins

A Advocatus conversou com o advogado, ex-líder do Conselho Regional de Lisboa da OA, que não exclui a possibilidade de se recandidatar a bastonário nas eleições antecipadas e marcadas para março. 

Advogado inscrito na Ordem dos Advogados desde 1996, fundador da ATMJ – Sociedade de Advogados, António Jaime Martins exerce advocacia nas áreas de Direito Bancário, Direito Imobiliário e da Construção e da Contratação Pública. É também árbitro em arbitragens ad hoc. Foi presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados (OA) nos triénios 2014-16 e 2017-2019 e vice-presidente do mesmo Conselho no triénio de 2011-2013 com os pelouros da formação, do acesso à profissão e do centro de arbitragem. E foi ainda candidato a bastonário da OA nos dois últimos atos eleitorais.

Membro convidado da Comissão de Acompanhamento do Código dos Contratos Públicos em representação da Ordem dos Advogados no triénio 2011-2013, Delegado nomeado junto do Tribunal de Contas no triénio de 2008-2010, Presidente do Conselho de Gestão do CAL – Centro de Arbitragem de Litígios Administrativos, Comerciais e Civis da Ordem dos Advogados no triénio 2008-2010.Foi também membro de Júris de Agregação na Ordem dos Advogados, de Júris de Avaliação de Auditores de Justiça no Centro de Estudos Judiciários e docente entre 1998 e 2003.

A Advocatus conversou com o advogado que não exclui a possibilidade de se recandidatar a bastonário da OA nas eleições antecipadas e marcadas para março.

António Jaime Martins, candidato a Bastonário da Ordem dos Advogados, em entrevista ao ECO/Advocatus - 08NOV22
António Jaime Martins, em entrevista ao ECO/AdvocatusHugo Amaral/ECO

Como avalia a proposta de pagamento de senhas de presença do CG?

Embora entenda que o nível de exigência e dispêndio de tempo no exercício de cargos na Ordem dos Advogados seja generalizadamente bastante elevado, quer em órgãos jurisdicionais, quer executivos, só o cargo de Bastonário admite a exclusividade e a remuneração.

A prática de remunerar cargos foi iniciada no mandato do bastonário António Marinho Pinto, com a qual nunca concordei, porque sempre entendi que o exercício de cargos na Ordem é um privilégio para um advogado/a e deve ser exercido de forma graciosa, como sempre fiz, aliás, ao longo de 12 anos.

A decisão do atual Conselho Geral remunerar de forma generalizada todos membros de órgãos da Ordem, com exceção das delegações – uma vez que o regulamento não prevê a remuneração dos seus membros, o que será, aliás, comparativamente, manifestamente injusto -, devia ter sido antecedida de um estudo financeiro prévio de suporte apresentado à classe para justificar a sustentabilidade da medida a curto, médio e longo prazo.

Tanto mais que, desde que o Estatuto da Ordem dos Advogados foi alterado no final do mandato do partido socialista, que há de acordo com os dados recentemente revelados por alguns dirigentes, uma diminuição drástica nas inscrições dos candidatos que caíram entre um terço e um quarto.

Parece-me que a medida é puramente eleitoralista para com os atuais e futuros membros de órgãos da Ordem, dado que o Conselho Geral preparou um cenário de eleições antecipadas, como agora se constata.

Mais tarde ou mais cedo, estou certo, se chegará à conclusão que, para suportar o pagamento de senhas de presença a todos os dirigentes da Ordem, se terá de aumentar as quotas aos advogados ou arranjar outras fontes de receita.

Aliás, creio que o recente Regulamento da Formação Contínua obrigatória e paga, aprovado recentemente pelo Conselho Geral, ao prever a obrigação dos advogados frequentarem anualmente 40 horas de formação paga na Ordem, é a consciência disso mesmo. Ou seja, o Conselho Geral pretende criar uma fonte de receitas para si e para os Conselhos Regionais, no caso destes, para não os ter de financiar, por decorrência da quebra das receitas do estágio e do pagamento das senhas de presença.

Não existe qualquer justificação legal para o Conselho Geral ter convocado eleições para março de 2025, a não ser, na minha leitura, a existência de alguma vantagem eleitoral conjuntural que a Senhora Bastonária e o Conselho Geral possam ter identificado na antecipação em 8 meses do sufrágio. Nada o exige ou justifica. Foi um mero juízo de oportunidade eleitoral”

E o investimento no imóvel de cerca de 3 milhões de euros?

Na minha leitura, classifico-o como um ato de perfeita loucura. E não são 3 milhões. São 5,5, milhões.

Três milhões para adquirir um imóvel para novas instalações do Conselho Geral, a ser financiado integralmente por saldos próprios, sem recurso a financiamento bancário e um investimento de 2,5 milhões de euros para novas instalações do Conselho Regional do Porto, também financiado por saldos de tesouraria anteriores.

De forma responsável, o Conselho Fiscal no parecer sobre o orçamento para 2025, recomendou a implementação de medidas que promovam a contenção de despesas e a reorganização interna, visando um equilíbrio orçamental sem recorrer a excedentes de anos anteriores para cobrir despesas criadas.

A utilização de saldos de tesouraria anteriores para cobrir défices e, na minha ótica, para realizar compra de instalações, quando se pode arrendar de acordo com as necessidades, constituem má prática na gestão dos recursos financeiros da Ordem dos Advogados.

Este Governo tem sido pouco favorável aos interesses da advocacia?

Não tenho essa opinião. O que a Ordem não tem conseguido é um diálogo profícuo com o Ministério da Justiça. Ou melhor, não tem conseguido sequer dialogar. O que é péssimo, quer para a profissão, quer para os cidadãos e empresas que representamos, quer para a justiça.

O mundo está a evoluir de uma forma muito rápida, a tecnologia e a IA vão entrar na Justiça e a Ordem está arredada da mesa do Ministério da Justiça. É trágico para a profissão, para quem representamos e para a justiça.

A advocacia deve ser um parceiro privilegiado do Ministério na criação de soluções efetivas para melhorar o sistema de justiça. Preocupa-me sobremaneira a introdução de IA na justiça sem qualquer participação da Ordem.

Como avalia a convocação de eleições antecipadas para órgãos da OA? É uma manobra política da BOA?

Não existe qualquer justificação legal para o Conselho Geral ter convocado eleições para março de 2025, a não ser, na minha leitura, a existência de alguma vantagem eleitoral conjuntural que a Senhora Bastonária e o Conselho Geral possam ter identificado na antecipação em 8 meses do sufrágio. Nada o exige ou justifica. Foi um mero juízo de oportunidade eleitoral.

Até porque tal dificulta ou mesmo impede o aparecimento de candidatos que não estejam já no exercício de cargos na Ordem, que dificilmente conseguirão reunir as condições necessárias como recolher assinaturas suficientes e compor as listas.

De qualquer forma, entendo que a Bastonária não tem competência estatutária para marcar eleições fora do período eleitoral ordinário fixado no Estatuto, o qual prevê no seu artigo 13.º, n.º 1 que “a eleição para os diversos órgãos da Ordem dos Advogados realiza-se entre os dias 15 e 30 de novembro, em data a designar pelo bastonário.”.

A fixação de data para a realização de eleições fora daquele período é, nos termos da al. f) do n.º 1 do art.º 44.º do EOA, uma competência do Conselho Superior (“al. f) Fixar a data das eleições para os diversos órgãos da Ordem dos Advogados, quando tal não seja da competência do bastonário;”). Pelo que, é provável que a realização do ato eleitoral possa ser posta em causa.

O Conselho Geral propôs-se, fundamentalmente, melhorar as condições de exercício do patrocínio e das defesas no SADT e efetivar a possibilidade de os advogados escolherem a entidade para a qual descontam, se a CPAS, se a Segurança Social. Até por o próprio Conselho Geral pretender interromper o seu mandato, nenhum dos dois objetivos foi concretizado”

Foi o responsável pela impugnação da tomada de posse do novo Conselho de Supervisão. Porquê?

Em devido tempo apresentei um recurso junto do Conselho Superior com vista à declaração de nulidade ou, assim não entendendo o Superior, com vista à anulação, das deliberações do Conselho Geral que aprovaram o Regulamento do Conselho de Supervisão e nomearam os membros do Conselho de Supervisão, pedindo cumulativamente a declaração da perda de mandato dos mesmos como decorrência da ilegalidade da nomeação. Neste último pedido, nada me move contra os membros nomeados, muito pelo contrário, mas é decorrência natural do vício de ilegalidade da nomeação, a que aqueles são alheios.

Com efeito, entendi que a aprovação de um regulamento em que o Conselho Geral confere a si próprio poderes para nomear um órgão a eleger nos termos do EOA por sufrágio universal direto e que para mais tem como competência fiscalizar a atuação de quem o nomeou, viola o Estatuto e a própria Lei Fundamental.

Gostaria, efetivamente, que o Conselho Geral tivesse junto do Governo tentado retirar do EOA o Conselho de Supervisão ou, tal não sendo aceite, pelo menos, que pugnasse pela alteração da sua composição, desde logo, tornando maioritária a presença de advogados na sua composição e que o presidente do órgão fosse um/a advogado/a.

Foi nomeado há dias também o novo Provedor da OA. Isso faz sentido acontecer agora?

Embora a pessoa nomeada, o Prof. Doutor Rui Pereira, mereça a maior consideração e estima, e até possa achar que tem o perfil certo para o cargo, creio que o momento não foi o indicado, por coincidir com a marcação das eleições.

António Jaime Martins, candidato a Bastonário da Ordem dos Advogados, em entrevista ao ECO/Advocatus - 08NOV22
António Jaime Martins, candidato a Bastonário da Ordem dos Advogados, em entrevista ao ECO/AdvocatusHugo Amaral/ECO

E que balanço faz deste ano e meio de mandato?

O Conselho Geral propôs-se, fundamentalmente, melhorar as condições de exercício do patrocínio e das defesas no SADT e efetivar a possibilidade de os advogados escolherem a entidade para a qual descontam, se a CPAS, se a Segurança Social. Até por o próprio Conselho Geral pretender interromper o seu mandato, nenhum dos dois objetivos foi concretizado.

Por outro lado, não é compreensível a atividade regulamentar do Conselho Geral nos últimos meses, estando a querer alterar o Estatuto por via regulamentar, como é o caso da criação de formação contínua obrigatória (40 horas), paga e avaliada para os advogados, quando o Estatuto não o permite. Nem a liberdade de exercício da profissão permite que uma qualquer avaliação intercalar possa de alguma forma comprometer ou pôr em causa o tirocínio a que os advogados foram sujeitos aquando do ingresso na profissão. Acresce que, a formação ministrada na Ordem deve ser gratuita, não pode ser obrigatória, nem muito menos pode ser avaliada.

Por fim fomos ontem surpreendidos, a propósito da marcação das eleições, com um recauchutado Regulamento Eleitoral, no qual se prevê que magistrados judiciais possam integrar órgãos jurisdicionais na Ordem dos Advogados. Ou seja, vamos ter magistrados a punir advogados por força de condutas adjetivas no exercício do mandato nos Tribunais, o que não é sequer permitido pelo Estatuto, pela Lei da Organização do Sistema Judiciário, ou pela Constituição, diplomas que preveem um conjunto de imunidades e garantias dos advogados, com vista a assegurar o exercício livre e independente da profissão, o que é colocado gravemente em causa se magistrados integrarem órgãos disciplinares, como o devido respeito que os mesmos me merecem.

Foi candidato em duas corridas eleitorais para BOA. Pretende candidatar-se de novo?

A minha vida profissional neste momento dificilmente se compadece com o exercício a tempo inteiro (ou quase) de um cargo executivo, mas nunca virarei as costas à defesa da Profissão. Vamos ver.

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