Debate do Estado da Nação: Costa ainda tem as respostas na ponta da língua?
O Governo chega ao debate sobre o Estado da Nação no seu pior momento. A capacidade de gestão política do primeiro-ministro será posta à prova.
Até junho, António Costa tinha as respostas na ponta da língua. O primeiro-ministro, reconhecido pela sua capacidade de gestão política, estava respaldado pelos partidos de esquerda no Parlamento, apoiado pelo Presidente da República e alavancado pelos dados da economia. Mas o incêndio de Pedrógão Grande marcou uma viragem na legislatura: de lá para cá os casos que colocam em causa o Governo sucedem-se e a pressão aumenta. O primeiro-ministro chega ao Debate sobre o Estado da Nação no pior momento desde o início do mandato. Ainda terá as respostas prontas?
Esta quarta-feira, perante os deputados, o primeiro-ministro vai tentar puxar pelos seus trunfos e gerir as fragilidades. Chega com um Governo em remodelação e as polémicas que têm marcado o calendário também não são de resolução simples, nem rápida. Com a capacidade de liderança posta à prova, o primeiro-ministro deverá concentrar-se no que já foi conquistado — como por exemplo a reversão dos cortes salariais aos funcionários públicos e o fim da sobretaxa de IRS — e tentar recentrar atenções no que falta fazer.
É de esperar que os parceiros da esquerda que apoiam o Executivo exijam mais compromissos por parte de Costa — nos últimos dias, BE e PCP têm-se esforçado por pedir responsabilidades ao Governo, embora sem colocá-lo em causa, ao mesmo tempo que têm procurado destacar-se das medidas de restrição orçamental.
Já o primeiro-ministro deverá sublinhar os projetos comuns com a esquerda, demonstrando contudo quais são os seus limites. Importa não esquecer que dentro de três meses o Executivo tem de apresentar uma proposta de Orçamento do Estado para 2018 que cumpra os compromissos assumidos com a Comissão Europeia (um défice de 1,5% do PIB), mas que agrade também a bloquistas e comunistas. “Quem lhe dá [ao Governo] a maioria não é a União Europeia,” avisou Mariana Mortágua, na semana passada.
As perguntas difíceis
“Obviamente que uma tragédia dessas dimensões secundariza os resultados obtidos no plano económico, social e orçamental (…) Estas duas dimensões acabam por compor inevitavelmente o que será o debate do Estado da Nação,” assumiu Pedro Nuno Santos, secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, em declarações à Lusa. O governante referia-se à tragédia de Pedrógão Grande e ao assalto à base de Tancos. Mas estas não são as únicas questões difíceis.
Galpgate
Foi o mais recente caso que estalou nas mãos do primeiro-ministro. Fernando Rocha Andrade, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e um dos elementos fundamentais para fechar o Orçamento do Estado do próximo ano, pediu para ser constituído arguido na investigação aos convites feitos pela Galp para levar governantes a ver a jogos do Euro2016. Nesse sentido, pediu a exoneração do Governo. O mesmo aconteceu com João Vasconcelos, secretário de Estado da Indústria, e Jorge Costa Oliveira, secretário de Estado da Internacionalização.
O primeiro-ministro aceitou os pedidos de exoneração, mas ainda não revelou quem serão os substitutos. De acordo com o Público (acesso condicionado), os atuais governantes poderão manter-se ainda por pelo menos dez dias, enquanto o Presidente da República não regressar da viagem ao México.
Outros secretários de Estado de saída
Não tem nada a ver com o caso Galp e as viagens ao Euro2016, mas o primeiro-ministro assumiu já que há mais governantes de saída. Outros secretários de Estado pediram para abandonar o Executivo e Costa aproveitará o momento para fazer uma mini-remodelação. Contudo, o chefe do Executivo mantém em segredo quantos responsáveis vão sair. E essa será uma fragilidade: o Governo apresenta-se ao Parlamento envolto em dúvidas sobre quem fica, e quem sai.
Cativações e cortes orçamentais
Não é novidade que o défice de 2016 caiu e que até ficou abaixo da meta: 2,1%, menos quatro décimas do que o limite imposto pela Comissão Europeia. Mas a forma como este resultado foi obtido — com o recurso a cativações — voltou à berlinda. Com a publicação da Conta Geral do Estado ficou claro que a despesa executada ficou mais de 940 milhões de euros abaixo do que estava orçamentado: um corte que conseguiu desagradar a gregos e a troianos. Costa terá de explicar como é que, em 2018, conseguirá continuar a baixar o défice e, ao mesmo tempo, baixar impostos e aumentar o financiamento aos serviços públicos.
Pedrógão Grande
O incêndio de Pedrógão Grande, que causou 64 mortes e mais de duas centenas de vítimas, foi o evento que marcou a viragem da legislatura. Num primeiro momento, a oposição teve pudor em aproveitar o tema para o combate político, mas quando o momento acudir às vítimas deu lugar ao momento do apuramento das responsabilidades, o CDS não hesitou em pedir a demissão da ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa. Também o PSD pediu ao Governo que assumisse as suas responsabilidades e retirasse consequências. Os partidos vão querer resultados sobre os inquéritos encomendados por Costa aos vários organismos. É possível que o primeiro-ministro leve respostas.
Assalto aos paióis de Tancos
O roubo de armamento de guerra foi o segundo evento, seguido, a colocar em causa a capacidade de o Estado garantir a segurança dos cidadãos. Depois de a resposta ao incêndio de Pedrógão Grande ter suscitado dúvidas sobre a capacidade de socorro dos organismos públicos, o roubo de Tancos lançou dúvidas sobre as funções de soberania do Estado. Os partidos da direita questionam a capacidade de liderança do Governo, acusam-no de ter falhado nas suas funções e responsabilizam o ministro da Defesa, Azeredo Lopes, por não ter agido de forma atempada para garantir a segurança do material. Esta terça-feira o primeiro-ministro reuniu-se com as chefias militares: o chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas e com os chefes dos três ramos militares, Exército, Marinha e Força Aérea. O ministro da Defesa estará também presente. Será que consegue alinhar respostas para amanhã?
As perguntas fáceis
O debate que o Governo vai querer fazer será centrado nas questões económicas. À semelhança do que já fez o ministro das Finanças na audição regimental da comissão parlamentar da sua especialidade, o primeiro-ministro deverá ir munido de números.
“Portugal está a crescer a um ritmo como nunca tinha crescido antes desde que está no euro e isso é um resultado muito relevante”, frisou Pedro Nuno Santos, esta terça-feira, à Lusa. O secretário de Estado lembrou a redução do desemprego, a criação de postos de trabalho, a saída do Procedimento por Défice Excessivo, a descida das taxas de juro.
“Depois de um ano em que o Governo batalhou para ganhar credibilidade do ponto de vista interno e externo essa batalha foi ganha”, defendeu, considerando que “desse ponto de vista o país está claramente melhor”. Esta será uma das linhas de argumentação do Executivo. Aqui ficam os principais trunfos.
Economia cresce
O PIB está a crescer acima do ritmo da zona euro, colocando Portugal novamente em convergência com os parceiros comunitários e levando as principais instituições a rever em alta as previsões para 2017. O Banco de Portugal, por exemplo, projeta uma subida de 2,5% do PIB para este ano, o valor mais elevado desde 2000. No primeiro trimestre a economia cresceu 2,8%.
Défice cai
O défice orçamental caiu para 2,1% do PIB em 2016 e com isso, juntamente com projeções de continuidade da diminuição do desequilíbrio orçamental, Portugal conseguiu sair do Procedimento por Défice Excessivo. Os primeiros dados do INE para o défice de 2017 são promissores, mostrando que a meta de 1,5% definida para este ano está ao alcance.
Desemprego cai
A taxa de desemprego já está abaixo dos dois dígitos (a estimativa preliminar do INE para maio aponta para 9,4%) e o mercado de trabalho tem vindo a dar sinais de melhoria. Nos primeiros três meses deste ano havia mais 145 mil empregos do que no mesmo período de 2016 e a maior parte deste emprego foi criada através de contratos para os quadros.
Perspetiva do rating melhorou
A Fitch já melhorou a perspetiva sobre a dívida da República portuguesa de estável para positiva, sinalizando desta forma que uma subida do rating poderá estar ao alcance de Portugal. Este é um sinal de que a credibilidade externa do país está a melhorar, um ganho conseguido através da melhoria dos resultados orçamentais e reforçado pelo empurrão da política expansionista do Banco Central Europeu.
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