Confisco de bens está em marcha e foi tema de destaque na abertura do ano judicial
Entre os temas abordados na abertura do ano judicial esteve o confisco de bens. A ministra da Justiça e o procurador-geral da República já avançaram qual o caminho que querem seguir.
Uma reforma na justiça é anunciada, e esperada, há vários anos e é um dos temas que marca todos os anos a abertura do ano judicial. Este ano não foi exceção, e, entre os temas abordados, o combate aos crimes económicos e financeiros (onde se inclui o confisco de bens) foi recorrente. Pelo menos no discurso da ministra da Justiça e do procurador-geral da República, que este ano se estrearam na cerimónia de abertura solene do ano judicial que decorreu na segunda-feira, no Supremo Tribunal de Justiça.
Recordando que as vítimas de crimes económicos e financeiros ficam as suas vidas “desfeitas”, a ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice, sublinhou no seu discurso da sessão de abertura do ano judicial, que este tipo de criminalidade é uma “ameaça ao desenvolvimento socioeconómico do Estado”.
“Retira, direta e indiretamente, recursos, não só porque os subtrai da economia, como também porque exige meios ao erário público para ser investigada. A criminalidade económica compromete a credibilidade ao Estado e repele o investimento“, disse.
Mas uma coisa é certa, a governante garantiu que este mês ficará concluído o trabalho que reformula o instituto da perda alargada de bens, conhecido como confisco de bens. “Paralelamente, vamos criar um grupo de trabalho que se vai debruçar sobre matérias de promoção da celeridade processual e de combate aos expedientes dilatórios”, acrescentou.
O confisco de bens adquiridos por via de um crime tem como objetivo garantir a restituição/remoção integral do benefício gerado pela prática deste facto ilícito. Esta modalidade de confisco visa, no essencial, colocar o agente precisamente na situação patrimonial em que estaria se o crime não tivesse sido cometido.
Mas a titular da pasta da Justiça não foi a única a abordar o confisco de bens. Também Amadeu Guerra, procurador-geral da República desde outubro afirmou que a lei de política criminal continua a fazer parte das suas “preocupações”.
Amadeu Guerra avançou que já se encontra “elaborada” e “disponível”, no portal da Procuradoria-Geral da República (PGR), a estratégia do Ministério Público (MP) em matéria de recuperação de ativos para 2025. “Estamos empenhados em assegurar que é criada uma efetiva cultura de recuperação dos ativos para a criminalidade económico-financeira em Portugal”, disse.
Segundo o procurador, todos os magistrados do MP interiorizam a “indispensabilidade” de realizar uma investigação patrimonial e financeira tendente a confiscar aos criminosos as vantagens que obtiveram com a prática do crime. “Só deste modo conseguiremos intervir, eficazmente, numa das principais (senão a principal) causas da corrupção e crimes conexos”, assume.
Na sessão de abertura do ano judicial, Amadeu Guerra avançou ainda que o novo projeto terá como base a intervenção em quatro níveis: a formação especializada dos magistrados; a criação e aperfeiçoamento de instrumentos de organização e gestão interna, que promovam um efetivo incentivo à aplicação prática do confisco das vantagens do crime; a aposta nos mecanismos de cooperação judiciária internacional, especialmente ao nível da União Europeia; e o envolvimento efetivo do Gabinete de Recuperação de Ativos (GRA) e do Gabinete de Administração de Bens (GAB).
“Já reuni com o diretor nacional da Polícia Judiciária que se mostrou disponível e entusiasmado com a vontade de assegurar outra dinâmica ao GRA. Nomeadamente, dotá-lo de outros meios capazes de identificar, localizar, apreender e devolver aos cofres públicos, através do confisco, todos os benefícios económicos que os agentes do crime obtiveram”, referiu, assegurando que é ainda preciso reformular e conferir “maior agilidade” ao GAB.
Uma coisa é certa, Amadeu Guerra considera que os bens recuperados devem ser vendidos “mais rapidamente”, evitando que se degradem e percam valor, como acontece com os automóveis que permanecem anos a fio em armazéns. “A cooperação e articulação entre as entidades que intervêm no domínio da investigação patrimonial e financeira constitui um aspeto essencial da estratégia nacional de recuperação de ativos do MP”, acrescenta.
O presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco, apenas concordou que era importante combater a corrupção “sem ceder a populismos” e que o sistema judicial “deve comunicar melhor”. Já Marcelo Rebelo de Sousa sublinhou que se deve aproveitar o novo ciclo para a “exigência nacional” da reforma da justiça.
Que medidas tem a estratégia da PGR em matéria de confisco de bens?
- Formação específica e capacitação dos magistrados em matéria de investigação patrimonial e financeira e de recuperação de ativos;
- Criar regras uniformes em todo o Ministério Público, que sejam reflexo da criação de uma efetiva cultura de recuperação dos ativos do crime;
- Criação de redes de magistrados e de órgãos de polícia criminal e de pontos de contacto especialistas em recuperação de ativos;
- Criação de manuais, guias de boas práticas e plataformas digitais neste contexto;
- Propor mudanças legislativas para aumentar a eficiência do Ministério Público, designadamente através da sensibilização para a correta transposição da Diretiva (UE) 2024/1260 do Parlamento Europeu e do Conselho de 24 de abril de 2024 relativa à recuperação e perda de bens e pela adoção de outros mecanismos de recuperação de ativos, recomendados pelas instituições internacionais (v.g. UNODC);
- Maior intercâmbio com instituições internacionais, especialmente no contexto da União Europeia;
- Colaboração com o Conselho Superior da Magistratura, o Centro de Estudos Judiciários, e os diferentes Órgãos Polícia criminal, nomeadamente a PJ, em ações de formação inicial e contínua de magistrados e policiais;
- Avaliação da necessidade de criação de uma estrutura formal nacional centralizada num departamento da Procuradoria Geral da República para coordenação integral dos diferentes pontos de contacto;
- Acompanhar regularmente a existência de candidaturas a programas nacionais e internacionais de financiamento de projetos de formação e de implementação da eficácia na aplicação dos mecanismos de recuperação de ativos;
- Assegurar o intercâmbio de informação, formação e a articulação entre as redes nacionais e internacionais de recuperação de ativos;
- Criação de procedimentos eficientes de condução da investigação criminal e da investigação patrimonial e financeira tendente ao confisco com os diversos Órgãos de Polícia Criminal e com os Gabinetes que intervém neste
domínio e ainda com a UIF; - Promover a aplicação prática dos instrumentos normativos internacionais, em especial o Regulamento 2018/1805 do Parlamento Europeu e do Conselho de 14 de novembro de 2018 relativo ao reconhecimento mútuo das decisões de apreensão e de perda;
Agenda anticorrupção já contempla alterações no confisco de bens
Na Agenda anticorrupção – aprovada em junho pelo Governo – está previsto que os bens possam ser confiscados, mesmo que não haja uma condenação, em casos como os crimes terem prescrito, o arguido ter morrido ou estar em fuga.
O Governo pretende assim que os bens do arguido acusado pelo crime de corrupção possam ser confiscados por ordem de um juiz — que pode escolher quais os bens em causa — mesmo que não haja ainda uma condenação no processo. Esta possibilidade aplica-se nos casos em que os crimes tenham prescrito, se o arguido estiver em fuga ou tiver morrido.
Esta é uma das 32 medidas anticorrupção apresentadas e aprovadas há mais de seis meses. A criação de um novo mecanismo de perda alargada de bens pretende combater o enriquecimento ilícito, fazendo assim reverter a favor do Estado bens e proventos económicos da corrupção. Ou seja, assegurar que os corruptos não ficam com o produto da sua conduta criminosa.
A medida não surge apenas por iniciativa do Executivo, mas também por imposição europeia da diretiva aprovada em abril de 2024, e que Portugal tem que transpor até ao fim de 2027.
Diz a mesma que “os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para permitir a perda dos instrumentos, vantagens ou bens ou de vantagens ou bens que tenham sido transferidos para terceiros nos casos em que tenha sido iniciado um processo penal mas o mesmo não tenha podido prosseguir devido a uma ou mais das seguintes circunstâncias: doença, fuga ou morte do suspeito ou arguido ou em que o prazo de prescrição previsto no direito nacional para a infração penal em causa é inferior a 15 anos e expirou após o início do processo penal”.
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