Classificar faturas no ato da compra e garantia para reembolso do IVA geram controvérsia
As 30 medidas de simplificação fiscal são vistas como um conjunto de intenções por patrões, liberais e contabilistas que criticam falta de ambição do Governo.
Patrões, liberais e contabilistas aplaudem o pacote de simplificação fiscal lançado pelo Governo, mas criticam a falta de ambição. Em concreto, a Confederação do Comércio e Serviços (CCP) e a Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC) consideram que a prestação de garantia para acelerar o reembolso do IVA vai agravar a burocracia. E a classificação das faturas de despesa de trabalhadores independentes como sendo de atividade empresarial no ato da compra poderá levantar dificuldades junto dos comerciantes, sinalizam os contabilistas.
“Face aos custos de contexto que as empresas globalmente suportam, as medidas de simplificação anunciadas frustram as expectativas criadas com o anúncio de uma verdadeira agenda para a simplificação fiscal, esperando-se que este seja apenas o primeiro passo”, resumiu o presidente da CCP, João Vieira Lopes, em comunicado enviado esta sexta-feira às redações.
A Confederação Empresarial de Portugal (CIP) está mais otimista, mas não deixa de apontar falhas. “Poder-se-ia, efetivamente, ser ainda mais ambicioso. Entre as propostas da CIP – Confederação Empresarial de Portugal que não foram incluídas nesta agenda, apontamos, por exemplo, a concentração de todas as solicitações de informação estatística apenas na IES [Informação Empresarial Simplificada], eliminando outras obrigações com finalidade idêntica; a concentração da informação relativa a pagamentos de rendimentos numa única obrigação declarativa; e a eliminação da necessidade de intervenção do revisor oficial de contas ou de contabilista certificado independente nos procedimentos de recuperação de IVA”, indicou ao ECO o diretor-geral da CIP, Rafael Rocha.
Do lado dos trabalhadores independentes, a Associação Nacional dos Profissionais Laborais (ANPL) vê “com bons olhos” a agenda de simplificação fiscal, mas considera que se trata “apenas de um anúncio de um conjunto de medidas que necessitam de concretização”, sinalizou o porta-voz da ANPL, João Ascenso, em declarações ao ECO. Para além disso, este “pacote não dá resposta a todos os problemas burocráticos com que os profissionais liberais se deparam”, salienta.
Os profissionais laborais elogiam a possibilidade “classificação imediata das faturas da atividade empresarial” e a “simplificação dos procedimentos para abertura de atividade” nas Finanças, mas anotam que ainda não é conhecida a forma como estas medidas se irão aplicar no terreno.
Também a bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC), Paula Franco, olha com alguma cautela para a estratégia do Governo. “Qualquer medida no sentido da simplificação dos contribuintes e das empresas é de saudar. Mas é negativo ver que são 30 medidas sem nenhuma estar legislada. É um conjunto de intenções e depois não sabemos o que vai ser exatamente”, alertou.
Comércio e contabilistas criticam prestação de garantia para acelerar reembolso do IVA
A OCC e a CCP estão alinhadas na crítica a uma das medidas que visam acelerar o reembolso do IVA através da prestação de uma garantia de igual valor junto da Autoridade Tributária.
O pacote de simplificação fiscal, aprovado pelo Executivo de Luís Montenegro, prevê a revisão das regras dos pedidos de reembolso do IVA, designadamente os requisitos exigidos para que possa ser efetivado, de modo a que o processo possa ser automático mediante a apresentação de uma garantia por parte do contribuinte.
Quando o IVA a devolver é elevado, isto é, acima de 30 mil euros, normalmente há uma inspeção por parte do Fisco para avaliar a declaração apresentada, o que atrasa o reembolso do imposto. Com a entrega de uma garantia em dinheiro de igual valor ao imposto a receber, o reembolso pode ser logo ativado, sem atrasos.
Para a confederação patronal, liderada por Viera Lopes, esta medida “não corresponde a simplificação de procedimentos, mas a um reforço das garantias da AT”. “A garantia a prestar neste contexto tem presentemente um limite de seis meses e passará, aparentemente, a ser mantida até ao final do procedimento de inspeção, qualquer que seja o seu prazo. Recorda-se que o essencial para as empresas era a revisão do controverso regime dos reembolsos do IVA, quando são suspensos segundo critérios que não são dados a conhecer aos sujeitos passivos”, esclarece.
A bastonária da Ordem dos Contabilistas, Paula Franco, também considera que a prestação de garantia para agilizar o reembolso do IVA uma medida negativa. “A garantia é algo que é extremamente burocrático, por isso, não me parece que vá simplificar ou melhorar a vida das empresas”, reforça.
Apesar destas críticas, a CIP considera que esta medida positiva, tendo sido inclusivamente defendida pela confederação junto do “grupo de trabalho criado pelo Executivo com a missão de identificar, avaliar e propor medidas neste domínio”, destaca Rafael Rocha.
Serviços terão de mudar software para identificar despesas de foro profissional
Outra das medidas que está a gerar alguma controvérsia é a possibilidade de os recibos verdes poderem classificar as faturas como sendo de atividade empresarial logo no ato da compra. “É bom para os trabalhadores independentes, mas pode ser uma dor de cabeça para o comércio que vai ter de se adaptar. Ainda são necessários vários esclarecimentos para perceber como é que isto vai funcionar”, salientou a bastonária da OCC.
Paula Franco reconhece que a possibilidade de separar “a faturação da atividade empresarial da individual é positiva”, contudo avisa que “esta alteração vai obrigatoriamente levar a um ajustamento e a uma necessidade de alterar os softwares de todas as empresas que emitem faturas”.
A ANPL está mais confiante e considera que, “à semelhança do que aconteceu no passado com a obrigatoriedade de perguntarem se era necessário emitir fatura, os serviços de comércio se irão adaptar bem” à mudança. “Para além disso, os serviços de comércio e serviços funcionam normalmente com softwares certificados pela Autoridade Tributária pelo que esta opção terá de ser criada em sistema”, argumentou o advogado e fiscalista da associação, João Ascenso.
O pacote de simplificação fiscal anunciado pelo Governo prevê que os trabalhadores a recibos verdes vão passar a poder indicar, no momento em que pedem uma fatura, se aquela despesa faz parte do seu âmbito pessoal ou profissional. Deixarão, assim, de ter de passar horas a classificar faturas, no momento da entrega anual de IRS, acabando-se com aquilo que o ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, considerou “um calvário”.
O Governo aprovou esta quinta-feira, em Conselho de Ministros, uma agenda com medidas de simplificação fiscal. A maior parte (80%) visa reduzir os custos de contexto, isto é, diminuir a burocracia; 36% tem como missão aumentar a transparência e a compreensão das obrigações tributária; e 30% pretende melhorar a qualidade dos serviços prestados.
Da simplificação dos reembolsos do IVA e das regras de faturação eletrónica, às regras para pagamento do IUC cuja liquidação passa a ser feito em fevereiro ou em duas prestações, passando pelo alargamento dos prazos de validade das certidões de não dívida, são as 30 medidas que visam melhorar a relação de empresas e trabalhadores com o Fisco.
O ministro das Finanças já indicou que o pacote terá “um custo de implementação muito reduzido”. Do conjunto das 30 medidas, Miranda Sarmento mencionou que “algumas obrigam a alterações legislativas, algumas das quais da competência do Governo e outras da Assembleia da República, com prazos mais longos”. Há ainda outras medidas, “mais complexas, que obrigam a desenvolvimentos aplicacionais e alterações de procedimentos”, continuou.
“É um trabalho que vamos desenvolver nos próximos dois anos e cada uma dessas medidas, assim que estiverem operacionais, serão comunicadas aos contribuintes. Vamos fazer esse reporte, essa prestação de contas ao longo da implementação desta agenda”, assegurou durante o briefing do Conselho de Ministros.
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