Igualdade de género em Portugal em seis gráficos e testemunhos

  • Juliana Nogueira Santos
  • 23 Julho 2017

Entre remunerações, posições de decisão e tempo não remunerado, como se ilustram os números da igualdade de género em Portugal?

Se, em 2015, 52,6% da população residente era do género feminino, os dados relativos à formação, à remuneração média, ao uso do tempo e à representação política deviam apresentar valores semelhantes.D.R.

“A maior parte das mulheres acha que não há discriminação, mas se elas soubessem que para as mesmas funções há diferenças…” As palavras são de Filipa Larangeira, antiga responsável de recursos humanos na Uniplaces e, agora, empreendedora. As provas são da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG), que divulgou os dados relativos à igualdade de género no nosso país.

Se, em 2015, 52,6% da população residente era do género feminino, os dados relativos à formação, à remuneração média, ao uso do tempo e à representação política deviam apresentar valores semelhantes. Contudo, não é isto que conclui o estudo. As mulheres, ainda que em maior número, recebem menos que os homens, trabalham mais sem serem pagas e têm menor representação nos órgãos de decisão.

Mas como se ilustram, em números e gráficos, estas conclusões? E que histórias contam? O ECO destacou seis gráficos estatísticos que fazem parte deste relatório e conta seis histórias que se cruzam com eles.

Remuneração média de base por género (2015)

Fonte: CIG

Em 2015, uma mulher ganhava em média 824,99 euros por mês, enquanto um homem auferia 990,05 euros, existindo assim uma diferença de 16,7% entre sexos. Ao ECO, Filipa Larangeira aponta dois motivos para estes valores: “Não há uma intenção de lesar as mulheres nas empresas, há simplesmente um prolongar de um mau hábito. Por outro lado, as mulheres não se sabem valorizar.”

"As mulheres não se sabem valorizar logo, não arriscam, não negoceiam os seus salários, não percebem o impacto que as suas competências têm nas organizações e vão-se deixando ficar.”

Filipa Larangeira

As diferenças de género estendem-se para além da remuneração, com a empreendedora a afirmar que a autoconfiança masculina é bem mais alta que a feminina: “As mulheres não se sabem valorizar logo, não arriscam, não negoceiam os seus salários, não percebem o impacto que as suas competências têm nas organizações e vão se deixando ficar.”

Pela experiência que tem na área dos recursos humanos, Filipa reconhece os casos práticos. “Uma mulher só se candidata a uma função quando preenche 70% dos requisitos. Um homem, assim que vê 30% completo, atira-se de cabeça e candidata-se“, exemplifica.

A diferença de rendimentos torna-se ainda mais elevada quando se fala em funções de quadros superiores: o relatório da CIG mostra que, nos postos de chefia, os homens ganham mais 26,4% que as mulheres.

Tempo médio do trabalho não pago (2015)

Fonte: CIG

Os dados de 2015 mostram que são as mulheres que continuam a dedicar mais tempo às tarefas não pagas, ou seja, àquelas que dizem respeito à casa e ao cuidado dos outros. Em média, as mulheres trabalham mais uma hora e 45 minutos por dia que os homens. Pelo contrário, os homens dedicam mais 27 minutos do seu dia ao trabalho pago, segundo os dados divulgados pela Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género.

Será por isto, e pela necessidade que as mulheres têm de decidirem entre seguir carreira e constituir família, que a idade média da mãe ao nascimento do primeiro filho tem avançado, tendo alcançado os 30,3 anos em 2016, segundo dados da Pordata.

Pessoas diplomadas em TIC, por género (2014)

Fonte: CIG

As Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) são uma das áreas em que mais se sente a desigualdade entre géneros, quer seja na formação, quer seja no mercado de trabalho. Entre os jovens que concluíram o Ensino Superior em 2014 na área das TIC, apenas 19,8% eram do género feminino.

Mariana Moura Santos, designer, empreendedora e fundadora do projeto Chicas Poderosas, é a primeira a afirmar que as mulheres devem estar onde elas querem, seja numa cozinha ou na liderança de uma empresa. “A sociedade está distribuída sob a forma de man’s world, quer queiramos quer não, e as próprias mulheres têm isso incutido no ADN. É difícil percebermos que podemos mudar o paradigma do que a sociedade espera de nós”, afirma ao ECO.

"Temos de aprender a mexer-nos digitalmente para fazer com que as nossas histórias e a nossa voz cheguem mais longe.”

Mariana Moura Santos

É aí que entra a tecnologia: “As novas tecnologias estão aí, acessíveis a toda a gente, portanto é uma questão de alguém querer apropriar-se dessa capacidade de manusear e fazer coisas. Isto faz com que seja importante haver cada vez mais mulheres em tecnologia”, garante Mariana.

“Temos de aprender a mexer-nos digitalmente para fazer com que as nossas histórias e a nossa voz cheguem mais longe”, conclui Mariana. E não seriam só as vozes das mulheres a chegar mais longe: o relatório da CIG avança ainda que, se o número de mulheres na tecnologia fosse igual ao dos homens, o PIB iria avançar cerca de 9.000 milhões de euros anualmente.

Presidentes de Câmaras Municipais, por género (2013)

 

Fonte: CIG

A representação local era, em 2013, um campo em que o género feminino não mostrava a sua maioria demográfica. Das 308 Câmaras Municipais que estão espalhadas pelo país, apenas 23 tinham na sua presidência mulheres.

Evolução da participação de mulheres na composição inicial dos Governos

Fonte: CIG

Até à entrada do século XXI, a percentagem de mulheres que integrava as composições iniciais dos Governos Constitucionais portugueses ficava-se por apenas um dígito, sendo que chegou a atingir os 0% no II Governo Constitucional, liderado por Mário Soares.

Por entre ministras, secretárias e subsecretárias de Estado, o Executivo de António Costa é o que regista um número maior de mulheres na sua composição, efetivando-se numa percentagem de 30,5%. Graça Fonseca é uma das secretárias de Estado que entra nesta conta, sendo adjunta da ministra Maria Manuel Leitão Marques na pasta da Modernização Administrativa.

"O que é importante é normalizar as questões, é torná-las auto evidentes aos olhos das pessoas, porque nada na vida se consegue se for só os governos a fazerem algo.”

Graça Fonseca

“No meu Ministério somos duas mulheres e um homem, a nível de instituições e gabinetes há mais mulheres que homens”, enumera a secretária de Estado. “O que é importante é normalizar as questões, é torná-las auto evidentes aos olhos das pessoas, porque nada na vida se consegue se for só os governos a fazerem algo”, continua Graça Fonseca, em declarações ao ECO.

Para esta, o primeiro passo pode ser dado pelo Executivo, “mas também tem de haver uma dimensão proativa da sociedade civil a nível da educação, dos exemplos que se dão e da forma como transmitimos às novas gerações que a igualdade é algo que é natural.”

Proporção de mulheres nos conselhos de administração das empresas do PSI-20 (abril 2016)

Fonte: CIG

Dos 18 conselhos de administração das empresas cotadas no principal índice nacional à data de abril de 2016, a percentagem de membros do género feminino era de 14%. Na mesma altura, a média dos 28 países da União Europeia estava nos 23%.

E se o gráfico não fala por si, as palavras são deixadas por Sara Falcão Casaca, professora e investigadora do ISEG e ex-presidente do CIG: “A empresas do PSI-20 apresentam um dos valores mais baixos de representação de mulheres nos seus órgãos de decisão em toda a União Europeia, salvo algumas exceções”, afirmou ao ECO.

"Pesa muito o facto de as nomeações, as indicações, os convites para estes lugares ocorrerem no quadro de circuitos de poder relativamente fechados onde são os homens que predominam.”

Sara Falcão Casaca

Para a investigadora da área das relações de género nos mercados de trabalho, podem existir discriminações não conscientes, que, ao parecerem neutras, vão formando um ‘telhado de vidro’ e impedem as mulheres de fazerem parte deste grupo. “Pesa muito o facto de as nomeações, as indicações, os convites para estes lugares ocorrerem no quadro de circuitos de poder relativamente fechados onde são os homens que predominam”, observa Sara Falcão Casaca.

Com a lei das quotas de género a avançar a ritmo acelerado, as empresas vão ser obrigadas a contratarem mais mulheres, tanto para os órgãos de fiscalização como para os conselhos de administração. Para a investigadora Sara Falcão Casaca, esta determinação é nada mais nada mesmo que uma imposição, visto ser necessário “introduzir uma pressão vinculativa, reguladora, para que se caminhe de forma mais rápida para um cenário de equilíbrio”.

Mais tempo para mudar os gráficos

Dados do Fórum Económico Mundial apontam para que sejam precisos mais 170 anos para a paridade económica por género seja atingida a nível mundial. No ano passado este valor encontrava-se nos 118 anos, o que anuncia uma inversão nos processos de garantia de igualdade.

Ainda assim, os primeiros passos parecem estar dados. Ao serem as mulheres a saírem em maior percentagem das faculdades com cursos superiores, “a próxima geração de líderes é, inevitavelmente de mulheres”, garante Filipa Larangeira. “Não porque estão a ser dadas mais oportunidades mas porque não há escolha”, conclui.

A lei das quotas também trará muitas mudanças a um campo que tem de se tornar menos normativo e mais progressista, como garante Sara Falcão Casaca: “Uma sociedade só pode ser progressista, socialmente justa, quando também o poder for partilhado por homens e mulheres. É tempo de acelerar esse percurso…”

O relógio está a contar.

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