“O principal desafio do direito da saúde é o da sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde”

Manuel Durães Rocha, sócio e Cocoordenador do setor da Saúde, Ciências da Vida & Farmacêutico da Abreu Advogados, fala sobre os desafios da área do direito da saúde em Portugal.

Manuel Durães Rocha é sócio da Abreu Advogados e trabalha essencialmente nas áreas de propriedade intelectual, propriedade industrial e no setor farmacêutico, sendo igualmente agente oficial da propriedade industrial e mandatário europeu de patentes, acreditado junto do Instituto Europeu de Patentes e mandatário europeu de marcas acreditado junto do EUIPO.

Tem particular intervenção em litígios, quer judiciais quer arbitrais, relacionados com processos sobre a validade de direitos de patente e direitos de marca, assim como a infração de patentes, particularmente no domínio médico-farmacêutico, infração de marcas, design, concorrência desleal, CCP, proteção e transferência de segredos de negócio, proteção de software, de direitos de autor e direitos conexos com direitos de autor. Tem participado em diversos processos litigiosos transnacionais no âmbito da proteção de marcas e de patentes de invenção. Apoia ainda diversas empresas portuguesas em questões no âmbito das ciências da vida e, mais recentemente, nos temas relacionados com a proteção de dados pessoais e base de dados. Manuel é Sócio e está na Abreu Advogados desde 2017. Coordena as práticas de Propriedade Intelectual e Tecnologias de Informação da Abreu Advogados e foi distinguido pela IP Stars. Em entrevista à Advocatus, fala sobre a área de Life Sciences & Healthcare do escritório.

Quais os principais clientes do Departamento de Life Sciences & Healthcare da Abreu Advogados em termos de tipo: farmacêuticas, hospitais, clientes privados, médicos?

Ao longo dos anos a Abreu Advogados tem representado os interesses de um variado leque de entidades que atuam neste setor, como sejam as empresas farmacêuticas, as empresas fabricantes e distribuidoras de dispositivos médicos, os hospitais, as clínicas de diversos tipos, e mais recentemente, as empresas tecnológicas com especial enfoque na proteção de dados pessoais.

Os principais diplomas que regulamentam esta área em Portugal são suficientes?

Apesar de os instrumentos legais que caracterizam e regulamentam o setor da Saúde sejam robustos, enfrentam hoje o desafio de acompanhar o ritmo vertiginoso da inovação biomédica e tecnológica, evidenciando-se zonas de incerteza jurídica e, por isso, impõe-se uma constante atualização e densificação normativa dos mesmos, que tem sido, aliás, sistematicamente realizada.

Importa, contudo, reconhecer que a suficiência do quadro nacional não pode ser analisada isoladamente. O Direito da Saúde é, por natureza, profundamente influenciado pela coordenação normativa europeia, tanto no plano da harmonização interna entre Estados-Membros como no posicionamento da União Europeia enquanto ator global. A implementação do Regulamento Europeu de Avaliação de Tecnologias de Saúde (2021/2282), por exemplo, visa não apenas uniformizar critérios de avaliação e acelerar o acesso a inovações terapêuticas, mas também reforçar a capacidade da UE de se afirmar como “big player” no mercado internacional da saúde, promovendo padrões elevados de segurança, eficácia e equidade.

Neste contexto, a suficiência dos diplomas nacionais depende, cada vez mais, da sua articulação dinâmica com as diretivas e os regulamentos europeus, bem como da capacidade de resposta conjunta da UE a desafios globais, como a circulação de dados de saúde, a introdução no mercado de medicamentos inovadores e a defesa dos direitos das empresas e dos utentes num mercado globalizado. A transposição célere e eficaz das normas europeias, aliada a uma postura proativa na atualização do quadro interno, é condição essencial para garantir não só a segurança jurídica, mas também a competitividade e a sustentabilidade do setor da saúde em Portugal.

Como é que o Direito da Saúde se relaciona com a bioética?

A bioética procura refletir sobre os problemas concretos do bio humano, debruçando-se sobre os cuidados de saúde em geral, e orientando as decisões políticas, económicas, sociais e o Direito. Por outras palavras, a bioética está na génese do direito da saúde positivado.

Assim, trata-se de um referente que visa solucionar problemas jurídicos complexos. Um exemplo muito prático e recente da importância dos princípios éticos na tomada de decisões, está refletido na posição do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida relativa à situação de emergência de saúde pública provocada pela Pandemia Covid-19 – neste período, a tomada de decisões médicas (em particular, a alocação de recursos nos cuidados de saúde) deveria ser orientada pelos princípios éticos da necessidade, precaução, proporcionalidade, transparência, solidariedade e subsidiariedade. A proximidade aos princípios fundamentais do Direito é clara, espelhando os referenciais bioéticos.

Apesar de os instrumentos legais que caracterizam e regulamentam o setor da Saúde sejam robustos, enfrentam hoje o desafio de acompanhar o ritmo vertiginoso da inovação biomédica e tecnológica, evidenciando-se zonas de incerteza jurídica e, por isso, impõe-se uma constante atualização e densificação normativa dos mesmos, que tem sido, aliás, sistematicamente realizada”

Quais são os maiores desafios que o Direito da Saúde enfrenta atualmente, em Portugal?

O Direito da Saúde em Portugal depara-se atualmente com desafios complexos, que resultam da confluência de fatores internos e externos. Ainda que a coordenação europeia traga vantagens em termos de harmonização de standards e partilha de boas práticas, a constante inovação tecnológica e científica coloca uma pressão acrescida sobre o legislador nacional, que se vê obrigado a responder a realidades em permanente mutação, muitas vezes sem precedentes claros.

No plano nacional, destaca-se como principal desafio a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde. O envelhecimento demográfico, o aumento da prevalência de doenças crónicas e o custo crescente dos tratamentos – em particular os que resultam da inovação biomédica – colocam uma enorme pressão financeira sobre o SNS. A imprevisibilidade dos custos associados à adoção de novas tecnologias, frequentemente desenvolvidas e comercializadas em mercados globais, dificulta o planeamento orçamental e exige a criação de mecanismos de partilha de riscos e de avaliação rigorosa do custo-benefício. A este cenário acresce, ainda, a instabilidade do contexto geopolítico internacional, que afeta cadeias de abastecimento, preços de medicamentos e dispositivos médicos, e que pode comprometer a autonomia estratégica do sistema de saúde nacional.

A necessidade de garantir o acesso equitativo a cuidados médicos de qualidade, sem sacrificar a sustentabilidade financeira, obriga a uma reflexão profunda sobre os modelos de financiamento e a contratualização com o setor privado, com a imprescindível consideração dos fatores macro-económicos e da natural imprevisibilidade associada à evolução do conhecimento científico.

Como é que esta área tem acompanhado os avanços tecnológicos, como a inteligência artificial, a telemedicina e a edição genética?

O Direito raramente acompanha o ritmo do avanço tecnológico. No ramo do Direito da saúde, tal não é exceção. O recurso a soluções tecnológicas alimentadas por inteligência artificial («IA») começa, atualmente, a sedimentar-se no setor da saúde. Os sistemas de IA que se destinem a ser utilizados em seres humanos, e que sirvam um fim médico (nomeadamente, o diagnóstico, prevenção, e monitorização de uma patologia), serão enquadrados como dispositivos médicos, ficando sujeitos a este regime especial. De acrescentar que, sendo qualificáveis como um dispositivo médico, os sistemas de IA em questão serão, à partida, considerados como sistemas de IA de risco elevado ao abrigo do recente Regulamento de Inteligência Artificial.

No que respeita à genómica, colocam-se várias questões jurídicas e de política pública que carecem, ainda, de resposta. Falamos, a este propósito, do enquadramento da propriedade intelectual no ramo da genómica, mas também da regulamentação dos testes genéticos, e das terapêuticas baseadas na genómica. A inovação na edição genética, e, em geral, na genómica, tem vindo a aumentar a discriminação e a estigmatização genéticas, que, apesar de abrangidas pelo princípio geral da não discriminação, poderão carecer de proteção específica.

Por último, a telemedicina está hoje regulada especificamente em vários diplomas jurídicos, merecendo, no entanto, uma atenção redobrada no que respeita à privacidade dos pacientes, cibersegurança e responsabilidade médica.

Como lidar com os conflitos entre o avanço científico e os limites éticos e legais?

Para lidar com os conflitos entre o avanço científico e os limites éticos e legais, é essencial promover um diálogo contínuo entre os operadores de mercado que promovem a inovação, os órgãos legislativos e os cidadãos em geral.

O avanço tecnológico e científico desafia diariamente as construções jurídicas tradicionais, obrigando o legislador a refletir sobre a validade da inovação do ponto de vista da ética.

Veja-se, a título de exemplo, o caso da edição genómica de fetos e crianças. Em 2018, o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida condenou veementemente a modificação genética em embriões humanos, merecendo uma mais forte condenação a edição genómica em crianças. Esta condenação foi orientada pelo princípio da precaução, sustentando uma abordagem cautelosa à nova tecnologia, com receios dos seus efeitos secundários.

Todavia, em 2022, o Conselho parece ter optado por uma abordagem mais flexível, deixando à sociedade, “enquanto comunidade moral”, a definição dos limites do uso desta tecnologia.

Pelo exposto, torna-se evidente que o avanço científico fica balizado e enquadrado pelos limites legais, que refletem o referencial ético da sociedade. A evolução futura deve ser cautelosa, procurando evitar alterações radicais com efeitos distópicos para a sociedade em geral. Os conflitos devem ser resolvidos com sensatez e sabedoria.

Quais são os principais riscos jurídicos associados ao uso de dados de saúde em plataformas digitais?

Os dados de saúde são considerados pelo RGPD como uma categoria especial de dados. Tal significa que a sua especial sensibilidade merece uma proteção acrescida dos interesses e direitos dos titulares de dados.

O tratamento de dados de saúde por plataformas digitais, em geral, acarreta riscos acrescidos para o direito à privacidade do indivíduo, nomeadamente através da provável utilização dos mesmos para finalidades diferentes das finalidades para as quais foram inicialmente recolhidos. Esta atuação prejudica, desde logo, o consentimento informado e explícito do titular de dados, afetando a legalidade da operação de tratamento dos dados pessoais.

Por outro lado, não será de descurar a maior exposição dos dados de saúde a vulnerabilidades ao nível da cibersegurança, que poderão culminar em violações de dados pessoais. No caso dos dados de saúde, esta violação tenderá a ter um impacto mais grave nos direitos fundamentais do indivíduo, nomeadamente no que respeita ao direito à reserva da intimidade da vida privada.

Como é que o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) impacta o setor da saúde?

Conforme referido, o RGPD configura os dados de saúde como uma categoria especial de dados pessoais. Como tal, os operadores de mercado dispõem de fundamentos de licitude limitados para o seu tratamento, como o consentimento explícito do titular de dados.

Adicionalmente, o RGPD também admite o tratamento de dados de saúde que seja necessário por motivos de interesse público no domínio da saúde pública, como assegurar um elevado nível de qualidade e de segurança dos cuidados de saúde e dos medicamentos, sujeito a salvaguardas específicas dos direitos e liberdades dos titulares de dados, como o sigilo profissional.

Neste âmbito, é de notar que a investigação científica também merece um fundamento de licitude específico, facilitando o necessário tratamento de dados de saúde para a inovação no setor farmacêutico.

Por outro lado, o recente Regulamento relativo ao Espaço Europeu de Dados de Saúde veio reforçar os direitos dos pacientes titulares de dados de saúde já previstos no RGPD, através, nomeadamente, da conceção de um direito de “opt-out” do tratamento de dados de saúde por outro responsável pelo tratamento que não o original para a finalidade da prestação de cuidados de saúde.

Quais são as melhores práticas para garantir a segurança e a privacidade dos dados dos pacientes?

As melhores práticas de segurança cibernética e privacidade dos dados estão em constante evolução e deverão ser consideradas à medida que a tecnologia se for consolidando. Neste sentido, a lei estabelece os critérios e obrigações que os operadores devem considerar ao definir as medidas técnicas e organizativas de segurança.

O RGPD estabelece a obrigação dos responsáveis pelo tratamento dos dados e dos subcontratantes implementarem as técnicas mais avançadas para assegurar um nível de segurança do tratamento de dados adequado ao risco, indicando, para o efeito, técnicas de pseudonimização e cifragem dos dados.

Por sua vez, a lei de execução do RGPD prevê que o tratamento de dados de saúde e dados genéticos deve obedecer a um controlo de acessos rigoroso, baseado no princípio da necessidade de conhecer a informação. Como tal, as instituições prestadoras de cuidados de saúde estão legalmente obrigadas a implementar um sistema que garanta o acesso apenas a profissionais de saúde autorizados e que estejam diretamente a lidar com o caso do paciente. Ademais, a lei vem exigir que os profissionais que tenham acesso a estes dados pessoais estejam obrigados ao sigilo profissional, incluindo, especificamente, o caso dos estudantes de medicina.

Noutra perspetiva, aquando da definição das políticas de segurança a adotar, os operadores de mercado que atuem no setor da saúde deverão verificar a sua conformidade com a legislação em vigor relativa à cibersegurança. Neste ponto, é importante salientar que a Diretiva NIS 2 prevê uma obrigação de notificação de incidentes e a implementação de medidas de segurança rigorosas, impondo responsabilidades acrescidas sobre os órgãos de gestão e administração destas entidades.

A necessidade de garantir o acesso equitativo a cuidados médicos de qualidade, sem sacrificar a sustentabilidade financeira, obriga a uma reflexão profunda sobre os modelos de financiamento e a contratualização com o setor privado, com a imprescindível consideração dos fatores macro-económicos e da natural imprevisibilidade associada à evolução do conhecimento científico”

Que tipo de clientes é que o vosso escritório tem nesta área?

Empresas farmacêuticas, empresas fabricantes e distribuidoras de dispositivos médicos, hospitais, clínicas de diversos tipos, e mais recentemente, as empresas tecnológicas atentas à digitalização dos serviços de saúde.

Porquê a aposta nesta área?

A aposta da Abreu Advogados neste setor já vem de longe e explica-se porque o setor da saúde e as suas várias componentes, sendo essencial para melhorar a vida das pessoas, apresenta um vasto campo de intervenção para a advocacia, preventiva, transacional e contenciosa, que não podíamos deixar de percorrer como sociedade líder, apoiando os nossos clientes e defendendo os seus interesses. É ainda um setor que implica inovação, a qual está no ADN da Abreu Advogados.

Para resolver ou prevenir que tipo de situações?

A Abreu Advogados, no âmbito da sua atividade neste setor, vem apoiando os seus clientes na área das transações, na vertente regulatória e na fase contenciosa. A nossa experiência é variada e, por exemplo, vai desde o apoio à participação em concursos públicos, assessoria em operações de M&A, passa pela contratação, pelos litígios de patentes e pela responsabilidade civil médica.

O processo de regulamentação de novos medicamentos e tecnologias médicas em Portugal é eficaz?

Não obstante tratar-se de processos de complexidade variável, consoante as especificidades de cada caso, todos os medicamentos e dispositivos médicos são sujeitos a um escrutínio rigoroso – que se debruça sobre os seus perfis de eficácia e segurança clínica – baseado num denso quadro normativo europeu.

Um exemplo de uma viragem significativa na abordagem europeia à inovação em saúde, baseada no valor acrescentado de uma nova tecnologia, foi o Regulamento Europeu de Avaliação de Tecnologias de Saúde (2021/2282), que visou, acima de tudo, promover uma avaliação clínica partilhada e harmonizada entre os Estados-Membros, reduzindo a duplicação de esforços e acelerando o acesso dos utentes a terapias inovadoras.

A teleologia deste regime é clara: criar um verdadeiro mercado único de saúde digital, onde a avaliação da eficácia, segurança e custo-benefício das novas tecnologias é realizada de forma coordenada, transparente e baseada em evidência científica robusta. Para Portugal, isto significa não só a necessidade de adaptar procedimentos internos e reforçar a capacidade técnica do Infarmed, mas também a oportunidade de beneficiar de avaliações clínicas conjuntas e de partilhar informação estratégica com outros Estados-Membros.

Contudo, a implementação deste novo modelo não está isenta de desafios: persistem dificuldades na incorporação célere de medicamentos de elevado custo, nomeadamente aqueles destinados a doenças raras, e subsistem divergências entre as prioridades nacionais de financiamento e os critérios europeus de avaliação. A interoperabilidade dos sistemas de registo eletrónico de saúde, uma imposição da implementação do Espaço Europeu de Dados de Saúde, implicará ainda investimentos avultados e uma reestruturação significativa das infraestruturas digitais do SNS.

Quais são os desafios jurídicos relacionados com a indústria farmacêutica, como patentes e acesso a medicamentos?

A procura do equilíbrio entre o incentivo à inovação (através do exclusivo concedido pela patente) e o acesso aos medicamentos continua a fomentar a o debate doutrinário e litigância no âmbito do setor farmacêutico.

Aliás, o debate entre a eficiência do sistema das patentes e a defesa da saúde pública foi reavivado com a pandemia Covid-19, que demonstrou as complexidades e a importância dos interesses em jogo.

Nos últimos anos, os avanços significativos nas tecnologias de inteligência artificial e o crescente recurso às ferramentas de IA na investigação, evidenciam oportunidades transformadoras na investigação e nos ensaios clínicos de medicamentos, que são suscetíveis de modificar decisivamente os processos de I&D e os seus elevados custos no sentido de menor peso da intervenção humana e de custos.

As patentes ocupam um espaço vital na inovação médica e farmacêutica para a proteção das inovações técnicas e dos elevados investimentos que são efetuados para esse fim. Daí que a tutela legal da inovação continue a ser essencial para as empresas desta área e para o avanço da inovação em benefício da saúde.

Como é que os advogados desta área podem contribuir para a melhoria das políticas públicas de saúde?

O papel dos advogados no setor da saúde tem vindo a ganhar uma maior relevância, sobretudo pela necessidade de integrar lacunas legislativas ou regulamentares, de promover o compliance regulatório e de interpretar e aplicar os novos quadros regulamentares para setores recém-regulados (como a inteligência artificial ou a edição genética). Este papel é tanto mais relevante quanto mais frequentes se tornam os casos em que a inovação tecnológica desafia os limites do quadro normativo, obrigando a uma avaliação casuística e à ponderação de interesses conflituantes.

Assim, os seus contributos para a clarificação de conceitos e para o enquadramento de situações não previstas diretamente pelas normas teoricamente aplicáveis, alertam e guiam o legislador (nacional e/ou europeu) na atualização constante que este tipo de matérias impõe.

Não será de descurar a maior exposição dos dados de saúde a vulnerabilidades ao nível da cibersegurança, que poderão culminar em violações de dados pessoais. No caso dos dados de saúde, esta violação tenderá a ter um impacto mais grave nos direitos fundamentais do indivíduo, nomeadamente no que respeita ao direito à reserva da intimidade da vida privada”

Quais são as tendências futuras no Direito da Saúde e das Ciências da Vida?

O futuro do Direito da Saúde será, inevitavelmente, marcado pela necessidade de ainda mais regulamentação europeia e internacional, tanto no que respeita ao uso de novas tecnologias como à circulação de dados de saúde entre diferentes jurisdições. O desenvolvimento do Espaço Europeu de Dados de Saúde e a crescente mobilidade dos doentes exigem normas harmonizadas de privacidade, segurança e interoperabilidade, de modo a garantir a proteção dos direitos dos cidadãos num contexto cada vez mais digital e transfronteiriço.

Paralelamente, a sustentabilidade ambiental impõe-se como um desafio inadiável. O setor da saúde é um dos mais poluentes do mundo ocidental, responsável por uma parcela significativa das emissões de carbono e da produção de resíduos. A integração de critérios ambientais na gestão hospitalar, na contratação pública e na avaliação de tecnologias de saúde será, por isso, uma tendência dominante, exigindo legislação inovadora e mecanismos de monitorização rigorosa.

Também a procura e a implementação de melhores soluções técnicas e económicas concorrem para uma melhor prestação de serviços de saúde pelas entidades públicas , privadas e sociais, de qualidade e a preços justos.

Finalmente, o atual contexto geopolítico, parece abrir à União Europeia uma janela de oportunidade para se afirmar como polo de excelência científica e legislativa. A atração de talento internacional e o desenvolvimento de quadros legais avançados para a investigação biomédica e inovação tecnológica poderão posicionar a UE como referência global, mas também trarão desafios acrescidos em matéria de ética, propriedade intelectual e proteção de dados.

Quais são as áreas de atuação mais promissoras dentro deste campo?

O Direito da Saúde apresenta hoje várias áreas de atuação particularmente promissoras, refletindo a crescente complexidade e especialização do setor. O compliance regulatório, sobretudo na adaptação de instituições de saúde às novas exigências do Espaço Europeu de Dados de Saúde e às normas de cibersegurança, assume um papel central, exigindo conhecimentos técnicos e jurídicos avançados.

A propriedade industrial farmacêutica e médica é outra área em franca expansão, impulsionada pela inovação e pela competição global. A responsabilidade médica, por sua vez, encontra-se perante a possibilidade de novos paradigmas, resultantes da crescente automação e digitalização dos atos médicos.

A necessidade de acompanhamento especializado nestas áreas é, por isso, cada vez mais evidente, não só pela evolução constante da legislação, mas também pelas oportunidades de mercado criadas pela inovação.

A responsabilidade médica tem efeitos práticos nos tribunais portugueses (quer na vertente civil, quer na penal)?

A responsabilidade médica mantém um impacto prático significativo nos tribunais portugueses. Em sede de responsabilidade civil, a maioria das ações judiciais propostas contra profissionais e instituições de saúde resulta em arquivamento por insuficiência probatória, refletindo as dificuldades inerentes à demonstração da culpa e do nexo de causalidade. Para além disso, também a crescente complexidade dos casos, muitas vezes associados ao uso de novas tecnologias de saúde, tem vindo a desafiar os padrões tradicionais de apreciação da prova e a exigir perícias técnicas cada vez mais sofisticadas.

Na vertente penal, a utilização de sistemas de inteligência artificial e de dispositivos médicos conectados levanta novas questões quanto à imputação de responsabilidade, podendo conduzir a uma objetivação parcial da responsabilidade em situações de falha técnica ou erro algorítmico. A jurisprudência recente evidencia a necessidade de atualização legislativa, de modo a clarificar os critérios de diligência e a proteger adequadamente os direitos dos utentes num ambiente em rápida transformação.

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