“Já somos a principal empresa europeia de drones, o objetivo é ser a mundial”, diz CEO do novo ‘unicórnio’ português

Ricardo Mendes, CEO da Tekever, diz que 70% dos trabalhadores da fabricante de drones estão em Portugal. Nos próximos três anos, o unicórnio conta investir 100 milhões em compras à indústria do país.

É o mais recente unicórnio nacional e o primeiro, dos atuais sete, na área de deftech. A Tekever dá o salto para uma valorização acima dos mil milhões de euros para alimentar a sua expansão europeia, num momento em que o continente enfrenta sérios desafios de segurança e as relações com o ‘amigo americano’ — parceiro crucial quando se fala de defesa — estão repletas de tensão.

Para Ricardo Mendes, fundador e CEO da Tekever, empresa produtora de drones, a missão é clara. “A Europa tem aqui um desafio muito grande ao longo dos próximos anos para criar capacidades soberanas na área de segurança e defesa, em particular nestas áreas tecnológicas. E nós, como empresa europeia temos um papel muito importante a cumprir”, diz. E a meta é posicionar a empresa made in Portugal como líder mundial.

Portugal continuará a ter foco central. Hoje dos cerca de mil trabalhadores, com mais de 20 nacionalidades, 70% estão em Portugal, mercado onde contam investir nos próximos três anos, incluindo 2025, cerca de 100 milhões de euros em compras à indústria. Mudar sede também não está nos planos. “Não faz parte dos nossos planos no curto prazo fazer isso. Nem no curto, nem no médio, não temos nenhum plano para o fazer.”

Anunciaram uma ronda, que vos catapultou para ‘unicórnio, para impulsionar a vossa expansão a nível europeu. Quais são os planos?

Estamos numa fase de expansão muito grande e o tempo assim o exige. Ou seja, nós trabalhamos sobretudo no mercado da defesa e da segurança. E na área dos sistemas autónomos somos a maior empresa europeia na área de segurança e defesa. Existe neste momento uma necessidade muito grande de empresas com dimensão europeia que possam ajudar os países europeus a aumentar a segurança da Europa, em particular nas áreas da autonomia, dos sistemas autónomos e da inteligência artificial.

É exatamente o que fazemos. Estamos já num processo de alargamento, de expansão muito grande — vamos chegar às 1.200 pessoas antes do final deste ano, um crescimento muito grande, mas temos vindo a crescer já há bastantes anos — e esta ronda de financiamento vem, no fundo, ajudar-nos a acelerar ainda mais essa capacidade de expansão. Comunicamos também um grande projeto que estamos a lançar em Inglaterra, mas vamos lançar outros noutros países.

Portanto, é, acima de tudo, para fortalecer uma estratégia de expansão muito agressiva, que tem a ver com a expansão da equipa, tecnologia, produtos. No fundo, aumentar a presença da Tekever em todas as áreas.

Só o ano passado — em 2025 será mais —, comprámos em Portugal, penso que cerca de 12 milhões de euros. E nos próximos três anos — não cinco, como é o plano que estamos a apresentar para a Inglaterra —, incluindo 2025, vamos comprar em Portugal, à indústria portuguesa, cerca de 100 milhões de euros, se não for mais. A massa salarial da Tekever em Portugal este ano vai ser à volta dos 40 milhões de euros.

No Reino Unido têm um plano de a cinco anos investir 400 milhões de libras e criar mais de 1.000 postos de trabalho. Disse que têm planos para outros países. Pode detalhar?

A Tekever é uma empresa europeia. Estamos neste momento em Portugal, nascemos em Portugal, estamos no Reino Unido desde 2013, em França, na Ucrânia, vamos estar em mais países. O nosso plano é expandir por toda a Europa. Para dar uma ideia, em Portugal…

Era também o que ia perguntar. No meio de tudo isso, como fica Portugal?

Temos muitas centenas de pessoas em Portugal, é a nossa maior base. Trabalhamos muito com a indústria toda em Portugal. Só o ano passado — em 2025 será mais —, comprámos em Portugal, penso que cerca de 12 milhões de euros. E nos próximos três anos — não cinco, como é o plano que estamos a apresentar para a Inglaterra —, incluindo 2025, vamos comprar em Portugal, à indústria portuguesa, cerca de 100 milhões de euros, se não for mais.

A massa salarial da Tekever em Portugal este ano vai ser à volta dos 40 milhões de euros. Portanto, é uma empresa que está a fazer um investimento muito grande em Portugal. A nossa base de talento é por toda a Europa, mas uma parte muito importante está em Portugal, nascemos cá.

Agora vamos fazer o mesmo em outros países porque, de facto, o que a Europa precisa é de empresas que possam ter uma dimensão europeia e isso significa estar em vários países, criar bases de trabalho e talent pool, desenvolver produtos, tecnologia.

Ricardo Mendes, CEO da Tekever, em entrevista ao podcast do ECO “À Prova de Futuro”.Luís Francisco Ribeiro/ECO

Mas quais são os países?

Abrimos em França o ano passado e, portanto, temos já uma equipa considerável a crescer a um ritmo muito grande, é ainda pequena, por isso está a crescer muito depressa. A nossa base na Ucrânia também. Anunciamos há poucas semanas um aumento muito grande do investimento que estamos a fazer na Ucrânia e a abertura de mais instalações.

Temos já várias instalações e bastantes colegas ucranianos, porque é um país que já é, mas ainda vai ser mais, absolutamente importante para a Europa nos próximos anos no que diz respeito à defesa e segurança. Há um talento tremendo, há um povo com uma grande força, há imensa tecnologia e um conhecimento muito profundo do que é a defesa e a aplicação destas tecnologias na área da defesa.

Não vou falar ainda de outros países, mas haverá bastantes outros onde pretendemos estar. Já somos a principal empresa europeia nesta área, o nosso objetivo é ser a principal empresa mundial e, portanto, passará por estar em bastantes zonas do mundo, não só aqui.

A Europa tem aqui um desafio muito grande ao longo dos próximos anos para criar capacidades soberanas na área de segurança e defesa, em particular nestas áreas tecnológicas. E nós, como empresa europeia temos um papel muito importante a cumprir.

Em fevereiro, em entrevista ao ECO, referia que a Tekever não podia ser um player mundial se não tivesse “uma presença significativa nos Estados Unidos”. Neste momento, Europa e EUA estão de costas voltadas, com uma guerra comercial, visões distintas sobre o papel da NATO. Neste contexto, como ficam os vossos planos para este mercado?

A Tekever trabalha na área de segurança e defesa. Os Estados Unidos, do ponto de vista de defesa, são cerca de metade do orçamento mundial. Foi nesse contexto que disse isso: no contexto da defesa, não é possível ignorar um país que representa metade do budget mundial. Não faz sentido.

Obviamente, qualquer empresa que pretenda ser líder mundial nesta área tem que ter um plano, projetos e clientes no mercado norte-americano. Nós estamos a desenvolver o mercado norte-americano. Temos parcerias, projetos em curso, dos quais não vamos falar, não podemos, mas temos vários projetos em curso. É para um mercado que não podemos ignorar e muito importante.

Agora, é preciso também ter consciência que, fruto desta condição geopolítica, a Europa tem aqui um desafio muito grande ao longo dos próximos anos para criar capacidades soberanas na área de segurança e defesa, em particular nestas áreas tecnológicas. E nós, como empresa europeia temos um papel muito importante a cumprir. Portanto, do ponto de vista de prioridade, para nós está bastante claro que é fundamental ajudarmos a Europa e os países europeus a criarem capacidades nesta área.

Tem frisado que são uma empresa de defesa e segurança. Mas os drones também têm sido usados para fins ofensivos. Como gerem o tema dos países para os quais vendem a vossa tecnologia? Há uma lista de países para os quais não vendem?

Há aí dois temas. Um é o tipo de utilização que é dado aos nossos equipamentos. Nós fazemos sistemas que fazem vigilância, que recolhem informação, não fazemos sistemas bélicos. E tanto fazemos a recolha de informação, aquilo que se chama intelligence, no contexto civil como militar. Óbvio que o tipo de coisas que estamos a vigiar, a informação que estamos a recolher, tem uma natureza diferente, num contexto ou noutro.

Fazemos, por exemplo, a vigilância do canal da Mancha para situações de salvamento, para ajudar na luta contra o narcotráfico, etc. Fazemos vigilância de pipelines em África, contra incêndios. Temos muitos tipos de casos de utilização no mundo civil e no mundo militar também.

No mundo militar, as missões que estamos a fazer na Ucrânia — nós não, mas que os ucranianos fazem com os nossos equipamentos —, são missões de vigilância, de recolha de informação, de deteção de objetivos, de perceber o que é que está a acontecer no terreno, a muitas centenas de quilómetros do ponto de onde se parte. Essa é a característica principal que os nossos equipamentos oferecem às Forças Armadas Ucranianas, a capacidade de vigiar grandes áreas, a grandes distâncias.

Ricardo Mendes, CEO da Tekever, em entrevista ao podcast do ECO “À Prova de Futuro”Luís Francisco Ribeiro/ECO

Obviamente, basta lermos qualquer notícia sobre a Ucrânia e vemos que existem drones de muitos tipos diferentes. Existem drones one-way que têm um fim cinético, cujo objetivo é levar explosivos a bordo. É uma das grandes aplicações, e todos dias vemos vídeos nos telejornais esse tipo de aplicação, na qual nós não participamos, não são os equipamentos que produzimos.

Outro tema, que está relacionado, mas é diferente, é para quem vendemos, quais os países para os quais comercializamos. Aí existem essencialmente duas coisas. Uma é para quem legalmente podemos vender, um processo regulado pelos ministérios de Defesa de todos os países.

Outro é em que conflitos, sobretudo se estivermos a falar do mercado de defesa, nós, enquanto empresa, decidimos que queremos ou não estar envolvidos. E isso para nós é fundamental. Independentemente de podermos ou não, do ponto de vista regulamentar, estar envolvidos, não quer dizer que nós, enquanto empresa, o queiramos fazer.

Se no caso da Ucrânia é para nós muito claro o lado em que queremos estar, quem é o agressor, quem é que é o agredido, onde é que está o bem, se quiserem, a razão, no caso do Médio Oriente para nós é muito menos claro. (…) Decidimos, ativamente, não estar envolvidos no conflito do Médio Oriente, independentemente de qualquer questão financeira ou regulatória.

Vendas a Israel está nessa lista? Que conflitos preferem não estar envolvidos de maneira nenhuma?

Era exatamente onde ia chegar. Se no caso da Ucrânia é para nós muito claro o lado em que queremos estar, quem é o agressor, quem é que é o agredido, onde é que está o bem, se quiserem, a razão, no caso do Médio Oriente para nós é muito menos claro. Enquanto empresa, quando nos entregamos a um projeto e começamos a trabalhar com um cliente, entregamo-nos totalmente. Não é uma coisa superficial, é uma coisa que para nós é extremamente importante.

E a questão ética e os valores são fundamentais. E, portanto, decidimos, ativamente, não estar envolvidos no conflito do Médio Oriente, independentemente de qualquer questão financeira ou regulatória.

Decidimos não estar envolvidos, porque para nós é uma situação muito menos clara do que o conflito entre a Ucrânia e a Rússia, onde é claríssimo para nós que a Ucrânia foi agredida, que existe uma guerra e que nós estamos do lado dos ucranianos.

É muito bom termos em Portugal, da perspetiva das Forças de Defesa, do Ministério da Defesa e das forças de segurança, o maior fabricante europeu nesta área, uma área crucial para a adoção. Se perguntar a qualquer um dos ramos, quererão ter acesso a esta tecnologia, se for portuguesa, tanto melhor, portanto, imagino que gostariam muito… Agora têm que ter condições para isso, tem que ter orçamento para isso, tem que ter capacidade para o fazer.

Tem sido públicos acordos com o Royal Air Force no Reino Unido, com o Governo espanhol para a patrulha da costa, mas em Portugal não. Não há contactos do Governo português, interesse em usar a vossa tecnologia? Devemos ser dos países europeus com maior costa marítima…

Temos uma relação já muito longa com as Forças Armadas, com o Exército, com a Marinha, com a Força Aérea, com as Forças de Segurança, com a GNR, com a PSP, e temos bastantes projetos de colaboração, e tivemos ao longo dos anos, sobretudo na fase de investigação e desenvolvimento dos nossos produtos, com estas forças. Crescemos a partir de Portugal e, portanto, tivemos que aprender com quem, de facto, conhecia os meios e o contexto da utilização desta tecnologia.

A adoção é depois um contexto diferente. Temos neste momento um projeto com a Guarda Nacional Republicana, que utiliza os nossos sistemas para vigilância costeira, portanto, é a primeira força…

Um piloto ou já uma fase comercial?

É um projeto que esperamos que venha a alargar nos próximos anos. Temos uma colaboração muito estreita com as várias forças armadas e, portanto, esperamos que ao longo dos próximos anos sejam criadas as condições operacionais, financeiras, para que possam ser adotados os nossos sistemas. Acho que é uma pergunta melhor colocada ao Ministério da Defesa e às forças de segurança e defesa nacionais. Temos contactos muito frequentes, há uma proximidade muito grande, conhecem muito bem o que é a Tekever, o que está a fazer.

É muito bom termos em Portugal, da perspetiva das Forças de Defesa, do Ministério da Defesa e das forças de segurança, o maior fabricante europeu nesta área, uma área crucial para a adoção. Se perguntar a qualquer um dos ramos, quererão ter acesso a esta tecnologia, se for portuguesa, tanto melhor, portanto, imagino que gostariam muito… Agora têm que ter condições para isso, tem que ter orçamento para isso, tem que ter capacidade para o fazer.

Portugal tomará um conjunto de medidas que achar bem para conseguir aumentar o investimento nesta área [da Defesa] e nós, obviamente, apoiaremos o nosso governo e as nossas forças de segurança e defesa para o fazer. Cabe-lhes a eles tomar essa decisão se, de facto, é esse o mecanismo ou não. Nós não sabemos e não estamos envolvidos na política pública.

Portugal quer aumentar o orçamento de Defesa. O que falta para que a adoção da vossa tecnologia no país possa avançar?

São mecanismos que estão a ser montados a nível europeu. A Europa está a incentivar, há uma consciência comum de todos os países de que esta é uma área na qual tem que haver um investimento grande e urgente. Isto é claro para todos os países e para Portugal também.

E, portanto, Portugal tomará um conjunto de medidas que achar bem para conseguir aumentar o investimento nesta área e nós, obviamente, apoiaremos o nosso governo e as nossas forças de segurança e defesa para o fazer. Cabe-lhes a eles tomar essa decisão se, de facto, é esse o mecanismo ou não. Nós não sabemos e não estamos envolvidos na política pública.

Diz-nos o histórico, que mal uma empresa salta para ‘unicórnio’, o passo seguinte é mudar de sede para outro país. Está nos planos?

Como dizia no início, a Tekever é uma empresa europeia, temos presença em vários países, vamos continuar a alargar. Não é algo que esteja em cima da mesa mudar a sede de Portugal. Não é sequer relevante para nós, nesta altura, pensar nisso. Não faz parte dos nossos planos no curto prazo fazer isso. Nem no curto, nem no médio, não temos nenhum plano para o fazer.

Ricardo Mendes, CEO da Tekever, em entrevista ao podcast do ECO “À Prova de Futuro”Luís Francisco Ribeiro/ECO

Poderia haver alguma pressão dos investidores, geralmente é por isso que é tomada essa decisão.

A Tekever é uma empresa que durante muitos anos foi bootstrapped, fez um conjunto de rondas de financiamento já bastante tarde, já tinha alguma dimensão, uma maturidade grande enquanto organização.

É uma empresa venture-backed, temos cá dentro investidores financeiros muito importantes, alguns dos maiores, a Baillie Gifford, por exemplo, um dos maiores fundos do mundo, ou o NATO Innovation Fund, a portuguesa Iberis Capital, por exemplo, temos muito orgulho em tê-los a bordo, mas essa não é uma decisão que compete aos investidores, é uma decisão que compete à Tekever.

Uma coisa que tentamos garantir, e acho que temos conseguido fazer bem, é um alinhamento muito grande entre os nossos investidores, a empresa e os acionistas que são as pessoas que cá trabalham.

Em alguma fase do projeto pensam avançar com uma busca de capital via IPO? Ou o atual momento económico afasta esse cenário?

Para qualquer empresa na área de tecnologia, em grande crescimento, e ambas são verdade na Tekever em que esperamos um grande crescimento ao longo dos próximos anos, ter a possibilidade de fazer captação de financiamento ao nível público pode vir a ser interessante.

Agora, é muito preliminar estar a falar sobre isso. Aquilo que nos compete fazer é ter uma organização e processos que nos permitam, se um dia quisermos vir a fazer uma IPO, poder fazê-lo. Estarmos preparados do ponto de vista de processos internos, de governance, de estrutura. Se o faremos e quando o faremos, é algo para mais tarde.

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